Comportamento

Quem é filho único aí?

Érika Busani, erikab@gazetadopovo.com.br
22/05/2011 03:08
Essa ideia foi amplamente propagada pelo livro Of Peculiar and Exceptional Children, do psicólogo norte-americano Granville Stanley Hall, um dos pais da psicologia infantil. Ele descrevia os filhos únicos como pouco sociáveis e superprotegidos. E chegou a afirmar que “ser superprotegido ou ser filho único é em si mesmo uma doença”. Detalhe: o livro é de 1896.
De lá para cá, muita água rolou debaixo dessa ponte. As famílias não são as mesmas. As mães não ficam 24 horas disponíveis para atender aos desejos das crianças. É verdade que o filho único não precisa dividir a atenção dos pais com irmãos, mas com outras diversas prioridades da vida moderna. “A questão não é ser filho único. Mas, sim, se os pais o transformam em rei ou o ensinam a lidar com a vida. Há famílias com dois ou mais filhos que são mimados e egocêntricos”, lembra a mestre em psicologia infantil e da adolescência Ana Paola Lopes Lubi.
Ou seja, são os pais que criam os extremos. “A Amanda é bastante tranquila, não é mimada, arrogante, impositiva de alguma forma. Ela é sensível e preocupada com o sentimento das pessoas”, conta a assessora jurídica Larissa Barreto Maciel, 28 anos. A menina, de 11 anos, é filha e neta única e mora com a mãe e a cachorrinha Wendy, seu xodó. “Percebo que ela tem comportamento mais adulto que as amigas, amadureceu mais rápido. Mas nunca foi um problema”, diz Larissa.
Há até pesquisa dizendo que os filhos únicos são mais felizes. Foi o resultado de um estudo recente da Universidade de Essex, na Grã-Bretanha, feito com mais de 100 mil pessoas em 40 mil lares. Conforme os coordenadores da pesquisa, os motivos seriam não sofrer bullying dentro de casa, não precisar competir pela atenção dos pais e ter melhor educação – já que o investimento dos pais é só com um.
Redimido, nada de sair por aí gritando aos quatro ventos que a sua opção por apenas um herdeiro é a melhor. Nem tudo são flores no reino das “microfamílias”, cada vez mais numerosas. Conforme a Síntese dos Indica­­dores Sociais 2007, do Instituto Brasileiro de Geografia e Esta­­tística (IBGE), o número de mu­­lheres com apenas um filho subiu de 25,8% em 1997 para 30,7% em 2007.
O risco de tornar a criança o centro das atenções é real. “As famílias com filho único têm a tendência de transformar essa criança no principal foco de atenções. Todo mundo gira em torno dela. Não é um erro, é natural, mas é um risco para a criança”, alerta a diretora da escola Projeto 21 – antiga Palmares – Yara Amaral, que há 26 anos lida diariamente com essa mudança no perfil das famílias.
Socializar, dividir, negociar e lidar com regras são desafios para essas crianças. E a escola é o meio onde esse aprendizado ocorre todos os dias. Com todos os alunos é assim, e é especialmente importante para os filhos únicos. Por quê? Pense em uma casa com muitas pessoas. As regras passam a ser mais necessárias, precisam ser mais firmes para a coisa funcionar. Em uma família grande, é preciso negociar até para ir ao banheiro e trabalhar em equipe na hora das refeições, por exemplo. Com pouca gente em casa, tudo pode ser mais flexível e a criança aprende a ter mais direitos do que deveres.
Solidão
Outra questão que também pode ser amenizada pela escola é a solidão. Por mais que os pais tentem suprir a falta de outra criança pa­­ra brincar, conversar e até brigar – fazer tudo isso com adultos não é a mesma coisa. Não vale, no entanto, restringir a convivência com ou­­tras crianças apenas à escola. “As famílias que optam por ter apenas um filho têm a obri­­ga­­ção de proporcionar às crianças mais experiências sociais. Na casa dos amigos, elas vão conviver com modelos diferentes defamílias e aprender muito com isso”, diz a psicóloga do Colégio Nossa Senhora de Sion, Maria Cristina Trevisan. E deve ser uma via de mão dupla: é importante convidar os amigos da criança para sua casa também.
A solidão, aliás, costuma ser vista apenas pelo lado ruim. Mas tudo tem vantagens e desvantagens. E o lado bom para a criança que brinca sozinha é justamente aprender a ficar sozinha, a lidar com suas próprias questões, sentimentos, a ouvir sua própria voz. Essa experiência será extremamente importante para o seu futuro.
Tempo e dinheiro
A dobradinha que comanda os dias de hoje – tempo e dinheiro–não poderia ficar de fora quando a questão são os rebentos. Pouco tempo para ficar com eles e o custo de criá-los são os fatores que levam muitos casais a optarem pelo filho único. “Gostaria de ter outro desde que tivesse uma situação econômica e de tempo que me permitisse”, afirma o representante comercial Sidney Ricardo Ferreira, 37 anos, pai de Miguel, 3 anos e meio.
Assim como outros casais que se debruçam sobre planilhas e calculadoras para decidir sobre a prole, Sidney não deixa de ter razão. Segundo o mestre em Finanças Paulo Sain, sócio do site Minhas Economias, criar um filho hoje custa, em média, R$ 500 mil do nascimento até a formação na faculdade. A estimativa é para uma família de classe B e varia conforme o padrão de vida. Con­­­forme Sain, o segundo filho não chega a dobrar o investimento – dá-lhe reaproveitar roupas e bebê-conforto –, mas quase.
Sidney e a mulher, a fisioterapeuta Marina Maester, 33 anos, desaceleraram a vida após a chegada de Miguel. Ele mudou de profissão. Ela passou a trabalhar apenas meio período. Mais tempo para a vida familiar, com menos dinheiro no bolso. E o segundo filho vai ficando mais distante. O casal ainda não fechou questão sobre o assunto. Marina gostaria que Miguel tivesse um irmão. “Tenho uma irmã e não consigo me imaginar sem ela. É importante ter companhia, até para dividir os segredos, aquelas coisas que não se conta para a mãe”, pondera.
Não só por companhia nem só para aprender a dividir, como diz o senso comum. Irmão serve também, e principalmente, para aprender a brigar. “É quem dá o limite físico, é com quem se aprende a medir a força, a agressividade, o pedir, o ceder. O irmão é o único com quem você vai brigar até o limite, sem perder o amor”, lembra a psicóloga Maria Cristina. Os embates da infância servem, mais para frente, para saber brigar pelo seu objetivo, sem deixar de respeitar o outro.
“Não vou ser tio?”
Eles – os filhos únicos – também têm suas inquietações. “Não vou ser tio de primeiro grau. Ia ser legal ser tio”, questiona João Luiz Gobbo Petreca, 11 anos. Sua mãe, a analista de comércio exterior Thais, 51, leva numa boa o desejo do filho de ter irmãos e procura sempre explicar a situação e responder as dúvidas do menino. “Falo que, para ser tio, ele precisa casar com alguém que tenha irmãos.”
É essa tranquilidade que garante a boa criação de um, dois ou cinco filhos. “Se a família não leva de forma pessimista e pesada e a criança percebe que não há culpa, que os pais não tentam compensá-la por ser única, é possível criar filhos únicos emocionalmente saudáveis”, afirma Maria Cristina.
Interatividade
É possível criar filhos únicos equilibrados e altruístas?
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