Os amantes dos retratos preto e branco que não largam suas Rolleiflex
Flávia Silveira, especial para a Gazeta do Povo
02/02/2018 12:00
Uma das fotos do Curitibano Leonardo Régnier: P&B precisa de tempo para garantir um clique especial. Foto: Leonardo Régnier.
Um dos fotógrafos mais importantes da história, o francês Henri Cartier-Bresson ficou conhecido por suas potentes fotos em preto e branco, especialmente imagens de rua e situações do cotidiano. Cartier-Bresson resistiu ao surgimento dos filmes coloridos o quanto pôde, por considerar que as fotos coloridas apresentavam limitações estéticas que só as preto e brancas conseguiam superar.
Seja por passar mais dramaticidade ou por instigar interpretações mais profundas, a fotografia P&B segue encantando fotógrafos profissionais e amadores, que, inclusive, não abrem mão da boa e velha máquina analógica e do rolo de filme.
O gosto pela fotografia analógica, num mundo em que é cada vez mais fácil capturar imagens, tratá-las com filtros digitais e publicá-las, mantém-se vivo naqueles que buscam a magia da captura do momento único e também na permanência deste registro, uma vez que a foto só passa a existir quando revelada, diferente das fotos digitais que se acumulam em nossos computadores e telefones celulares.
Esta permanência foi o que motivou Rose Andrade, professora de espanhol de 54 anos, a adquirir uma câmera Pentax dos anos 70, em 2013.
De curiosa para estudiosa
Naquele ano, Andrade completava 50 anos de idade e percebeu que não tinha fotos de seu neto, então com três anos, senão em arquivos digitais quase nunca acessados. Em um passeio pelo centro de São Paulo, onde mora, viu a câmera à venda em uma galeria e resolveu se dar de presente de aniversário.
A partir daí, começou a fazer cursos de fotografia e revelação e logo percebeu que o que gostava mesmo era da fotografia em preto e branco.
“Acho a foto mais dramática. Não tem as cores para distrair o olhar, e nós já conhecemos as cores do mundo. Então o foco fica no objeto fotografado, no contraste entre luz e sombra, nas texturas”, conta.
Uma das fotos da fotógrafa amadora Rose Andrade.
Imaginar como será o resultado final da foto é o que atrai o advogado curitibano Leonardo Régnier, 48 anos, que fotografa desde os 13. “O ato de fotografar em preto e branco me atrai porque exige pensar em como cada cor vai resultar em um tom de cinza diferente. Eu sei, por exemplo, que um céu azul ficará preto, enquanto um céu nublado fica branco. É preciso lidar com isso para compor uma boa foto”, diz.
Régnier conta que mesmo tendo acesso a câmeras mais modernas, não abandona sua Rolleiflex, câmera que ganhou popularidade na década de 1950. Quando sai com ela à rua costuma ser parado por curiosos.
Uma vez, na Colômbia, um professor de fotografia dava aulas na rua para sua turma e quando o viu, chamou para interceder e contar para seus alunos sua experiência. “Em outra viagem, um rapaz me parou e começou a chorar, dizendo que o pai tinha uma câmera igual e aquilo lembrou sua infância”, relata. Além da Rolleiflex, Régnier também fotografa com uma Leica monocrômica, ou seja, que só faz fotos P&B.
Foto como arte
A diferença entre as fotografias P&B e coloridas não reside no método, mas sim na matéria-prima. Enquanto as fotos coloridas se baseiam na cor, as P&B tem como substância principal a luz, que contrapõe valores antagônicos como claridade e escuridão, e, para estudiosos da área, é isso que as tornam mais dramáticas, pois ressaltam, muitas vezes inconscientemente, contradições.
Foto: Rose Andrade.
A história da fotografia também ajuda a explicar esta valorização. A primeira foto reconhecida é de 1826 e no final do século 19 havia um esforço dos fotógrafos em firmar a fotografia como obra de arte. Os primeiros filmes coloridos, quando surgiram, foram tidos como uma expressão menos séria, não-artística.
Régnier acredita que esse pensamento hoje em dia já está superado, e hoje é mais uma questão de escolha e gosto pessoal. Em suas viagens, ele costuma levar uma câmera analógica que aceita tanto filmes P&B como colorido, e a escolha de qual utilizar depende do que vai fotografar. “Uso o P&B porque gosto de fotografar a rua, as pessoas em seu dia a dia, e acho o resultado mais interessante. Mas, por exemplo, quero muito ir à Índia e lá com certeza as fotos coloridas seriam bem mais bonitas”, diz.
Paixão esbarra em dificuldades técnicas
Mas a atração nostálgica pelas fotografias analógicas preto e branco esbarra em contratempos, especialmente para encontrar os materiais necessários e custeá-los, além de ser cada vez mais difícil encontrar laboratórios que façam a revelação e ampliação das fotos.
Para driblar estas dificuldades e manter seu hobby, Rose Andrade montou seu próprio laboratório em casa. A revelação do filme P&B possui menos etapas que o colorido, mas são necessários produtos químicos que muitas vezes não são nem fáceis de achar, nem tão baratos. Ela, então, começou a fabricar seus próprios produtos, misturando os elementos químicos necessários. “Quem não tem esta possibilidade, tem de mandar revelar e os custos são altos porque é cada vez mais difícil encontrar quem faça, então se paga por esta escassez”, diz.
Estoque de papel
O papel utilizado para revelação e os filmes P&B também estão cada vez mais difíceis de se encontrar e, muitas vezes, é preciso importar ou aproveitar uma viagem para fora do Brasil para fazer um estoque. Régnier costuma viajar para o exterior e, a cada viagem, chega a trazer 50 filmes na bagagem. “Está acontecendo um resgate do analógico até pelos jovens, mas no Brasil isso não se refletiu na disponibilidade de material. No exterior é mais fácil de encontrar e muito mais barato”, conta.
Retrato feito pelo fotógrado Leonardo Régnier.
O preço de um filme P&B com 36 poses costuma passar dos R$ 30, enquanto pode ser encontrado por cerca de U$ 5 dólares nos Estados Unidos, por exemplo.
Régnier também possui um laboratório de revelação em casa, mas quase não utiliza pois prefere focar mais em fotografar. Ele revela suas fotos num dos poucos laboratórios curitibanos que mantém a fotografia analógica viva, o Rugik. “Até uso meu laboratório para revelar alguns negativos, mas para um melhor resultado final prefiro mandar para o laboratório”, afirma.
Referência há quatro décadas
No mercado há 40 anos, o Rugik hoje é tocado pela filha de seu fundador, que cresceu ajudando a atender os clientes enquanto o pai ficava na câmara escura. “Foi observando meu pai que me apaixonei por todo o processo da fotografia preto e branco. Ele me ensinou algumas coisas e, quando ele saía, eu ia fuçar nos equipamentos. Quando ele se aposentou, assumi o negócio”, conta Rossana Rugik.
Rossana diz que, de fato, a era digital balançou o mercado analógico, o que se refletiu nos preços dos materiais, uma vez que a demanda diminuiu. Atualmente, ela conta que são poucos os fotógrafos profissionais que procuram o serviço. “Os amadores costumam procurar mais, o que faz sentido, pois para o profissional é muito mais barato e prático trabalhar com o digital”, afirma. Para ela, porém, existe uma magia na revelação das fotos que a impressão digital nunca alcançará. “Você tem um papel em branco e de repente começa a surgiu uma imagem, aos poucos. É um processo encantador”, exalta.
Durabilidade melhor
Diferente das mídias digitais, que podem muitas vezes se perder em meio a tantas atualizações de sistemas, mudanças de tecnologias suportadas (muitos computadores, por exemplo, já nem possuem mais leitores de CD), o negativo fotográfico, se bem guardado, pode durar uma vida toda. “Pergunte-se quantas memórias você pode perder se tiver seu celular roubado. Fora que, se você tira 2 mil fotos, dificilmente vai parar para selecionar quais você quer imprimir. No analógico não, cada clique é único e precisa ser pensado”, afirma Rose Andrade.
Régnier conta que a necessidade de refletir mais na hora de fazer uma foto analógica cria até algumas confusões, principalmente com seus filhos, mais acostumados com o mundo digital. “Sempre gostei de levar um tempo para pensar na foto. Meus filhos sempre pedem ‘pô, pai, tira logo esta foto!’, mas é preciso este tempo para garantir um clique especial”, finaliza.