Os sinais que indicam que você está vivendo a “Síndrome da Pressa”
Flávia Schiochet
05/04/2019 12:00
Toda pessoa que tem síndrome da pressa é ansiosa, mas o contrário. Foto: Bigstock.
“Enquanto eles dormem, trabalhe”. A afirmação pode parecer motivacional, mas é também um modelo de pensamento que tem minado o descanso e delineado o ideal de produtividade de muita gente. Os efeitos são sentidos no cotidiano: preocupação excessiva, exaustão física e emocional e incapacidade para relaxar. São esses os sintomas da síndrome da pressa, um mal ainda pouco conhecido por esse nome (confira ao final da matéria como lidar com a síndrome da pressa).
Similar ao transtorno de ansiedade generalizada, a síndrome da pressa pode ser uma das facetas da ansiedade, quando tudo o que o paciente quer é terminar logo o que tem para fazer, ou chegar logo a seu destino.
“Toda pessoa que tem síndrome da pressa é ansiosa, mas o contrário não é verdadeiro”, define Ana Maria Roffi, psicóloga e presidente da International Stress Management Association – BR (“Associação Internacional de Gerenciamento do Estresse” em tradução livre).
Em pesquisa realizada com mil pessoas economicamente ativas em São Paulo e Porto Alegre em 2016, a ISMA-BR detectou que 35% delas sofria de síndrome da pressa. Dessa parcela, 8% declararam querer diminuir o ritmo e estavam conseguindo e 12% queria mudar, mas não sabia como. Os 15% restantes não estavam cientes de que seu comportamento lhes trazia algum problema.
Quase todos os diagnosticados com síndrome da pressa estudados pelo ISMA – BR apresentaram sintomas físicos, como dores musculares e de cabeça (95%), cansaço crônico (89%) e distúrbios do sono (39%); emocionais, como ansiedade (96%), angústia (91%) e falta de concentração (78%); e comportamentais, como uso de medicamentos para atenuar desconforto ou diminuir o ritmo (59%), uso de álcool para “se anestesiar” (51%) e comportamento hostil (37%). Os dados passam por um novo estudo dos pesquisadores para novos recortes, tais como de gênero e de idade.
Por não ser catalogada como doença, a síndrome da pressa é definida como um comportamento compulsivo, em que a pessoa não consegue parar de acumular funções e estar sempre “correndo”. Dorme-se pouco e mal, trabalha-se até o limite (físico e emocional) e, quando há pausa para comer, é de alguns minutos, com olho na tela do celular, respondendo a e-mails. O sentimento é de sempre estar sendo “engolido” pelos afazeres do dia, como se tudo fosse urgente.
“Quem sofre da síndrome da pressa geralmente produz até a exaustão física e emocional. Há dificuldade para relaxar, auto-cobrança excessiva, inquietude, irritabilidade e estresse causado por um dia turbulento. São pessoas que não param e estão sempre irritadas e com dificuldades para estar presentes no aqui e agora”, define a psicóloga Letícia Lorenzet.
Pressa para quê?
A pressa nem sempre é inimiga, no entanto. “Um médico em atendimento de emergência com pressa durante seu horário de trabalho é normal, isso faz parte do trabalho dele. Uma pessoa atrasada para chegar ao aeroporto estar com pressa também é normal”, exemplifica Ana Maria.
Porém, em um mundo em que o imediato ou “o mais rápido possível” dita o ritmo da comunicação, transações financeiras, refeições e deslocamentos, a percepção de tempo também se altera e isso pode ser danoso. “Na nossa economia, só é útil quem produz. E para ter alto rendimento, acumulamos e fazemos várias coisas ao mesmo tempo. O indivíduo entende que ele não pode parar, que precisa estar toda hora conectado, se não ele pode ser passado para trás”, analisa Letícia.
O problema do ritmo acelerado, segundo as profissionais, é quando a pressa permeia qualquer atividade do dia, mesmo fora do trabalho. “São pessoas que mesmo no fim de semana estão preocupadas com o que têm para fazer durante a semana, e não relaxam”, diz Deise Gomes, gerente executiva da Thomas Case & Associados, consultoria em gestão de carreiras e recursos humanos. O foco passa a ser realizar mais, enquanto a qualidade do trabalho fica em segundo plano.
Com a crise, muitas empresas enxugaram seu quadro de funcionários, porém mantém o nível de produtividade. “Há uma tendência de crescimento dessa síndrome por causa da crise, pelos cortes em efetivo. Quem ficou precisa fazer muito mais. Contribui, claro, a maneira com que a pessoa lida com a sobrecarga de trabalho”, diz Deise.
Letícia alerta para as consequências de uma romantização da produção em excesso, em que “quem produz mais é mais visto”. A origem desse comportamento, intensificado nos dias de hoje, é mais antigo do que se pode imaginar. “Não podemos nos esquecer de que viemos de uma cultura escravocrata e também de imigração europeia, em que (guardadas as devidas proporções) tanto para o escravo quanto para o colono não havia descanso. Mudar um comportamento demora cinco, sete gerações. Internamente, considera-se descansar algo impossível, porque quanto mais se produz, mais se sai de um estado de vulnerabilidade”, contextualiza.
Complicações e tratamento
Esse comportamento acelerado faz com que a pessoa se alimente mal, rapidamente, sem consciência do que ingere ou opte por refeições instantâneas e portáteis. Junto da tensão e da ideia de não ter tempo para nada, podem negligenciar a própria saúde, sem se exercitarem ou fazerem pausas para que o corpo se recupere do estresse do dia a dia. Que dirá ir ao médico.
Como complicações mais frequentes, problemas cardíacos e gastrointestinais. “É como se essas pessoas estivessem em uma torre de controle o tempo todo. Precisam de drogas, lícitas ou não, para dormir, para relaxar. Há um risco de alcoolismo e depressão, por exemplo”, diz Ana Maria.
Para tratar a síndrome da pressa, o mais recomendado é um acompanhamento com psicólogo. Caso haja necessidade, o profissional indica a consulta com um psiquiatra, que pode prescrever medicamentos como ansiolíticos. “O mais importante é redefinir a rotina e sua ideia do que é prioridade, por isso é preciso que procure um terapeuta”, indica Deise.
Enquanto a pessoa não se reconhece como afetada por esse comportamento compulsivo, o tratamento é impossível. “É um desafio. Em um primeiro momento ela precisa se conscientizar e, em um segundo momento, querer mudar”, aconselha Ana Maria.
Em seu consultório, a psicóloga Letícia auxilia as pacientes a avaliarem onde pretendem chegar com tanta pressa. “As expectativas de sucesso sobre si mesmas são extraordinariamente altas. Trabalhamos com estereótipos sociais, do que esperam da gente e do que nós podemos dar. Será que essa pessoa está competindo com alguém, ela quer chegar a um patamar em que ela entra em uma competição injusta? Às vezes ela não sabe, mas quer algo mais simples e fácil de resolver”, exemplifica.
Origem da síndrome da pressa
Quem cunhou o termo “hurry sickness” foi o cardiologista americano Meyer Friedman na década de 1960. Ele notou que a poltrona de seu consultório estava desgastada em apenas uma das metades do assento. “Aparentemente eles sentavam usando apenas um glúteo. Estavam prontos para levantarem e saírem do consultório a qualquer momento”, recorda Ana Maria de uma das palestras a que assistiu de Friedman. À época, o tipo foi categorizado como tipo A e tinha como comportamento característico pressa, agressividade, hostilidade, dificuldade em ficar quieto e ser workaholic. Em 1980, começam os estudos com a nomenclatura que segue atualmente.
Dicas para lidar com a síndrome da pressa
Uma vez consciente do comportamento, é preciso mudá-lo. Ana Maria Roffi indica alguns passos:
Identifique seus gatilhos. Pode ser sinal amarelo, filas ou tempo de espera.
Diminua o ritmo deliberadamente. Coma mais devagar, preste atenção em cada etapa do que está fazendo.
Evite olhar o horário repetidas vezes se não tiver compromisso.
Desenvolva maior consciência corporal: respire lentamente, note como estão seus ombros e maxilar. Tente eliminar a tensão de cada parte do corpo conforme a percebe.
Respeite seu limite. Se bateu o cansaço, pare para descansar.
Permita-se fazer intervalos no trabalho e ter tempo de repouso e ócio.
Evite o excesso de cafeína e de açúcar refinado, pois agem como estimulantes para o corpo.