Cotidiano de Antigamente

Paulo José da Costa

Paulo José da Costa

Paulo José da Costa é de Ponta Grossa, comerciante livreiro, memorialista, blogueiro, youtuber, dono de acervo e criador das comunidades Cotidiano de Antigamente em Curitiba e Antigamente em Ponta Grossa, no Facebook.

A primeira lista telefônica: o Indicador Paranaense Illustrado para 1913

Paulo José da Costa
Paulo José da Costa
19/08/2022 12:50
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Capa do Indicador Paranaense Illustrado para o anno de 1913. | Acervo de de Paulo José da Costa

“Eis aqui o primeiro número do Indicador Paranaense. Como os leitores verão, é um livro chic, confeccionado com esmero, offerecendo páginas repletas de uteis informações e de boa litteratura... feito às pressas, isso no curto espaço de 20 dias... não sae para a rua muito desalinhavado... lá isso não, embora se diga que louvor em bocca própria é vituperio...”
Assim apresentou o autor, José Antonio Fonseca Jr, a sua obra ao público. Em formato grande (34 x 23 cm), incomum para as publicações do gênero, centenas de ilustrações e riqueza de informações inéditas em catálogos dessa natureza. Sim, houve anteriores, mas muito acanhados, começando lá 1877 com o absolutamente raro e imprescindível Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Provincia do Paraná, do qual possuo um dos três exemplares conhecidos e de que falaremos futuramente.

A capa

Começando pela capa, uma das mais belas litografias da Impressora Paranaense, assinada por nada menos que Armin Henkel. Nela vemos uma alegoria feminina, com vestes antigas, a segurar um livro (não é uma bandeira, ou uma arma, o que tem um amplo significado pacifista e humanista) em que consta o ano de 1913, que estava ainda por ser escrito. Ela pousa sua mão sobre o primeiro brasão do Paraná (que havia sido criado dois anos antes por Alfredo Andersen e que seria modificado muito mais tarde) e olha com carinho para a paisagem da Serra do Mar com seus pinheiros, a ferrovia e o porto, por onde se escoam as riquezas do Paraná em direção aos países do mundo. Naquela época os desenhos eram confeccionados na própria impressora, não havia o trabalho de um designer que trazia pronto o trabalho para a impressão, como hoje em dia se procede.
Esse catálogo foi lançado num período muito importante para a Impressora e, lógico, para as artes gráficas de nosso Estado. No ano de 1912, Max Schrappe, que tinha uma firma em Joinville e uma filial em Curitiba, onde já trabalhava com Armin Henkel como litógrafo, comprou a empresa. Por isso, a capa do Indicador Paranaense, além de ter a bela litografia de Armin, traz o nome “Impressora Paranaense Coritiba e Joinville” bem marcado. Armin poucos anos depois saiu da firma, dedicando-se mais à fotografia, tornando-se um mestre na arte, como já vimos em matéria anterior aqui na Pinó.
Publicidade do comércio curitibano em 1913.
Publicidade do comércio curitibano em 1913.

O progresso dos imigrantes

Através do Indicador Paranaense de 1913 confirmamos que os colonos que vieram para o Paraná na segunda metade do século XIX fizeram sua vida e transformaram Curitiba numa pequena Europa, com estabelecimentos que vendiam artigos de moda, costumes, louças, relógios, livraria, música, especiarias, esportes e o que mais você puder imaginar, num progresso estupendo.
O número de indústrias e lojas com nomes de alemães e italianos suplantava em muito os de brasileiros natos. Vemos também que, nos cargos públicos do Estado e do município, a grande maioria era de sobrenomes de famílias tradicionais, mas despontavam já naquele ano de 1913 diversos apelidos de estrangeiros nos cargos subalternos, auxiliares, secretários, etc. Era a Curitiba que se transformava com o sangue dos imigrantes não só na arquitetura, mas na vida cotidiana.
O Indicador dá o nome de todos os militares componentes dos escalões de comando do Regimento de Segurança, hoje Polícia Militar, bem como os membros do Executivo, Judiciário e da Instrução Pública. Então ficamos sabendo que eram raras as mulheres em cargos de direção, não havendo representantes do então “sexo frágil” nem mesmo na Escola Normal, uma entidade de ensino tradicionalmente para o sexo feminino, cujo docente de português era Emiliano Pernetta e o de história, Dario Velloso. A exceção vai para duas senhoras, nos cargos de professora de prendas (Dulce Loyola) e inspetora de alunas (Julia Grein do Espírito Santo). Mas os nossos diligentes diretores da Instrução Pública, cujo diretor era Claudino dos Santos, tiveram o bom senso de deixar os denominados “jardins de infância” a cargo das professoras D. Maria de Assumpção (Escola D. Maria de Miranda) e D. Joanna Falce Scalco (Escola D. Emília Eriksen).

Impostos

Na página 42 há uma tabela de impostos municipais na qual, por detrás do rol de insípidos valores em mil réis (ou merréis, como se dizia), aprendemos mais um pouco sobre os costumes dos cidadãos. Havia licenças para companhias de circo, mas também toureadores, assim como para corridas de cavalos fora do prado. E os cachorros, desde que açaimados, ou seja, conduzidos com mordaça, pagavam 5.000 réis para terem as suas licenças.
Na longa lista de profissionais há um número maior de alfaiates do que de advogados e encontramos uma solitária bordadeira, D. Alzira Cornelsen e seis parteiras, Anna Reinhardt, Anna Otto, E. Schlender, Josephina Rocha, Sophia Radivanski e uma com o curioso nome de Itália Rigoletto.

O rápido para São Paulo

Os transportes mereceram destaque no Indicador, vez que são de utilidade pública. Então vemos que os trens para São Paulo iam e vinham três vezes por semana e as composições levavam carros-dormitórios e restaurantes, o que convinha para viagens que duravam 28 horas. O trem saía de Curitiba às 5h20 da manhã, com parada no Portão de dois minutos, às 5h36, e assim seguia por diversas estações. Na Serrinha parava por nove minutos e depois chegava em Ponta Grossa às 11h30. Ali, em 15 minutos partia uma nova composição para Itararé, lá chegando às 19h50. O caminho para São Paulo era uma via crucis com 32 estações, parando em todas por alguns minutos, chegando ao destino às 9h23 da manhã seguinte. Imaginemos então a enorme infra-estrutura para fazer funcionar essa máquina pontualmente, contando apenas com o telégrafo para comunicações. E o que eu não daria para fazer esse percurso pelo menos uma vez.

Lista telefônica

O catálogo tinha apenas 538 números e, interessante, as pessoas deviam sabê-los de cor e salteado, pois não estão em ordem alfabética e sim pelo número do aparelho. Assim, com certeza decoravam que o número 4 era da Confeitaria Romano, o 5 da Viúva Correia, o 6 de Henrique Gomm, etc. Se precisassem falar com a Chefatura de Polícia, haveriam de discar o 33. E o Hospício de Alienados, o 66. Meu amigo João Carlos Amodio, de saudosa memória, cujos pai e avô trabalharam na empresa telefônica, asseverou que esta é a primeira lista de telefones do Paraná.
Na lista de detentores de telefones também percebemos a maioria de nomes estrangeiros, o que fortalece a tese de que Curitiba se transformou para melhor com a imigração européia, pois telefone era sinal de riqueza. Ora, isso se demonstrava até na arquitetura da cidade, cujos casarões coloniais portugueses foram substituídos rapidamente pelos sobrados em estilo neoclássico e art nouveau.
Curitiba em panorama do editor Costa Pinto, em torno de 1910
Curitiba em panorama do editor Costa Pinto, em torno de 1910

O relatório de Pamphilo

Nas páginas 138 a 141 encontramos o precioso relatório “O Paraná Econômico”, do Dr. Pamphilo de Assumpção, uma história das condições da Província do Paraná desde a emancipação de S. Paulo, em 1853, até 1912. A descrição da penúria em que vivia a pequena população, a situação das estradas, se assim podiam ser chamadas, é chocante naquele começo de vida independente. Cito um pequeno trecho: “... não havia em caixa nem um real em moeda. Os empregados provinciais estavam em atraso de muitos meses no recebimento de seus ordenados e os empreiteiros não eram pagos...” Mas Pamphilo de Assumpção narra ano a ano as lutas do povo paranaense em busca do progresso, o que em 1875, levou S.M. o Imperador a dizer: “O Paraná marcha sempre na vanguarda do Progresso”. Sim! E não paramos desde então, ainda que hoje em dia a maior parte da renda do Estado seja levada pela Federação para não mais retornar.
Há muito mais, porém não nos sobra espaço. As dezenas de fotografias do Paraná, a seção literária, num _momento em que os paranaenses principiavam a lançar as raízes do paranismo, fica para a próxima!