Paulo José da Costa é de Ponta Grossa, comerciante livreiro, memorialista, blogueiro, youtuber, dono de acervo e criador das comunidades Cotidiano de Antigamente em Curitiba e Antigamente em Ponta Grossa, no Facebook.
A sublime amizade entre Cruz e Souza e Emiliano Perneta
Paulo José da Costa
29/10/2023 22:38
Alegria não compartilhada é uma vela apagada, diz o velho adágio. E a alegria do historiador, do pesquisador, é encontrar um documento que conta uma história, ou que traz novas luzes sobre o que já foi escrito. Há poucos dias tive a oportunidade de resgatar um manuscrito do poeta Cruz e Souza, uma dedicatória ao nosso Emiliano Perneta. Uma verdadeira declaração de amizade mais pura, transcedental, entre dois seres privilegiados: um, o Dante Negro, catarinense de Desterro, atual Floripa, poeta maior do Simbolismo, filho de negros escravizados e que recebeu de seus padrinhos condições para uma educação de elite; outro, o nosso Príncipe dos Poetas, no dizer de Andrade Muricy, “gracioso, emotivo, espetacular, excêntrico, paradoxal, Emiliano Perneta, a personalidade mais curiosa do Simbolismo no Brasil”.
Corria o ano de 1890 e Emiliano estava no Rio de Janeiro, onde conheceu Cruz e Souza, conforme nos transcreve Erasmo Pilotto: "... nós éramos uns sete... eu conheci Cruz e Souza em 1890, no Rio de Janeiro. Eu era muito moço e ele em plena irradiação de seu imenso talento. Numa primeira “causerie” nós nos adivinhamos e nos amamos para sempre. A nossa união intelectual foi absoluta durante três anos. Todo esse tempo, dia por dia, eu o tive ao meu lado, estremecido de amizade, fidalgo de espírito, de caráter e de inteligência."
E é Andrade Muricy, que nos deixou três ricos volumes sobre o Simbolismo no Brasil, quem completa, falando especificamente de Emiliano: “Esses três anos – período tão curto – foram de extrema importância para a formação de seu espírito e, mais do que isso, para a história do Simbolismo Brasileiro." E Nestor Victor completa: “De Emiliano foram se acercando Gonzaga Duque, Oscar Rosas, Lima Campos de alguns outros que, antes mesmo de o conhecerem , já representavam um grupo de tendências pouco simpáticas aos naturalistas e aos parnasianos...”
Emiliano e os demais do grupo simbolista deram início no jornal Folha Popular ao seu trabalho de divulgação do movimento, sendo que Cruz e Souza, acabado de chegar de Santa Catarina, teve o emprego de repórter, obtido por Emiliano junto à redação do órgão de imprensa.
E foi em 1893 que Cruz e Souza lançou o seu “Broquéis”, livro chave que tornaria seu autor o motor do novel movimento simbolista no Brasil. Nesse mesmo ano,no Rio de Janeiro, o poeta maior do Simbolismo entrega a Emiliano um exemplar de “Broquéis” cuja dedicatória, datada de onze de outubro, me apresso em tornar pública: o português é o da época.
“Emiliano Pernetta,
Dentre os raros, raríssimos, que poderão sentir e amar a exótica natureza deste livro de versos, estás, altamente, especialmente, tu.
Sabes de que modo nos encontrámos para as Artes, de que forma nos percebemos um dia quando, neste meio de selvagens as fibras do nosso Espírito se reconheceram e palpitaram de emoção.
Significativas, eloquentes e suggestionadoras devem ser à tua Esthetica exquisita, delicadíssima, não só estas estrophes como estas particulares phrases de dedicatória - recondita expressão, sentimento extremo e elevado de que há em ti uma legítima organização artística, com fundamentos sérios e complexidade obscura, que só a selecção de poucos poderá fixar serenamente em anályse.
Rio de Janeiro, 11 de outubro de 1893. Cruz e Souza.”