Paulo José da Costa é de Ponta Grossa, comerciante livreiro, memorialista, blogueiro, youtuber, dono de acervo e criador das comunidades Cotidiano de Antigamente em Curitiba e Antigamente em Ponta Grossa, no Facebook.
Ó Abre alas, pra Momo voltar…
Paulo José da Costa
13/02/2021 23:14
Carnaval era o de antigamente, me desculpem os jovens que não viveram. A batalha de confete, as serpentinas por todo canto. O suor misturado ao papel colorido que quase não deixava a gente andar, grudava na língua, tudo impregnado com o cheiro forte dos lança-perfumes Rodouro, Flirt, Pierrot, Colombina… E a gente dançando, pulando, pulando, horas e horas dando a volta no salão. A orquestra tocando as marchinhas que todos sabíamos de cor, a mesma máscara negra. Quanto riso, quanta alegria, os olhares, os namoricos, os toques de mão, as recusas, os aceites.
De repente, estávamos abraçados com alguém naquele frenesi de voltas sem fim, mais de mil palhaços no salão. Os papais e mamães sempre de olho, acomodados nas mesas e balcões. Até que a orquestra dava um breque e a girândola cessava, que os músicos não eram de ferro. Os lábios doíam, partiam, e a gente corria pras mesas tomar um guaraná ou uma cuba libre.
Filas disputando os banheiros, pra dali a quinze minutos, ou vinte, a orquestra anunciar de novo seu toque de carnaval tará tará tará tataaaaaaa, tá tataratatááááá, e as marchinhas tomarem conta de novo, “ó jardineira porque estás tão triste, o galo tá cantando pra galinha carijó, se você fosse sincera oóoó, Aurora, ia ver que bom que era, oóoó, todos eles estão errados, a lua é dos namorados…”
A folia de carnaval já vinha dos tempos de D. Pedro, mas naquela época primitiva, das batalhas nas ruas nem sempre limpas, laranjinhas de cera com águas de cheiro, mas também com outros líquidos menos nobres, as coisas às vezes degringolavam, brigas de rua, polícia, proibições. Então, os bailes nos salões foram um refúgio para as famílias brincarem o carnaval. O Clube Curitibano exigia traje de gala ou fantasia. Os imigrantes agregaram a sua animação, seus ritmos, sua informalidade e alegria, e os clubes pipocaram por toda parte, pelos bairros, os italianos, os poloneses, os sírios, os alemães, todos com suas agremiações e bailes concorridos.
Nesse caldo de pura alegria, não demorou muito para que, nos anos 1910, 1920, os foliões começassem a se combinar em cordões, blocos, com fantasias feitas com muito esmero. Grupos com nomes curiosos, jocosos, uma festa, semanas criando os trajes para desfilar pelas ruas e pelos clubes em alegria contagiante. Tudo espontâneo, cada família, cada agremiação, vizinhança, mostrando com orgulho a sua criatividade nos adereços e fantasias. Eram toureiros, mexicanos, odaliscas e maomés, fu-manchus e mata-haris, palhaços mil. Havia brincadeiras com tudo, a beleza estava na naturalidade.
E havia o corso a desfilar na Rua XV, de início carroças, vitórias, landaus, todas enfeitadas, repletas de carnavalescos. Depois, com o passar dos anos, virou um desfilar de automóveis dos mais endinheirados. Alguns com alegorias, outros só com mocinhas ou com as famílias em lindas fantasias, alegria dos comerciantes, da Casa Edith, do Muggiati, do Hoffmann. E haja confete, serpentina e as bisnagas de água, a gente saia todo molhado.
E sempre os lança-perfumes, o cheiro de éter no ar. Nos anos 1940, 1950, o povão ia nos caminhões, lembro bem. Uma coisa meio maluca, aqueles caminhões dançando junto com as baterias das escolas de samba e dos blocos de sujos, não sei como não arrebentavam as molas daqueles caminhões, arfando, dançando junto com aquela gente toda.
O comércio ajudava na confecção dos carros e a coisa cresceu. As escolas de samba, que de início eram pobrezinhas, também cresceram. Mas, bem antigamente, eram 40 ou 50 pessoas batucando, aquelas meninas mirradas que vinham das periferias, as pernas de fora, e a avenida cheia de gente babando, marmanjos suando. E haja serpentina. E haja confete e lança-perfume.
As rainhas do carnaval, cada clube com a sua, e o rei Momo soberano. E eram quatro dias, não tinha folga, e só parava mesmo na quarta-feira de cinzas. A gente ia para casa na madrugada e tropeçava nos foliões dormindo pela rua. E era tudo tranquilo, ninguém se incomodava, afinal era carnaval! Daí que começaram a criar controles, regras, concursos, premiações, proibições.
E tiraram o corso da rua XV, começaram a distribuir dinheiro para escolas, para blocos e se foi a pureza, morreu a beleza. Nos anos 1990, os bailes nos clubes morreram, melancolicamente, dizem que foram os custos dos direitos das músicas, vai lá saber. O fato é que a gente mudou, a música mudou, nosso humor parece que mudou. O desejo de sair fantasiado para pular um carnaval pela alegria de dançar, pela vontade de brincar, espontaneamente, se foi. Como fomos perder tudo isso?
*PAULO JOSÉ DA COSTA nasceu em 1950 em Ponta Grossa, é comerciante livreiro, memorialista, blogueiro, youtuber, dono de acervo e criador das comunidades Antigamente em Curitiba e Antigamente em Ponta Grossa, no Facebook.