Paulo José da Costa é de Ponta Grossa, comerciante livreiro, memorialista, blogueiro, youtuber, dono de acervo e criador das comunidades Cotidiano de Antigamente em Curitiba e Antigamente em Ponta Grossa, no Facebook.
Veja cartões-postais antigos e relembre um costume que ficou no passado
Paulo José da Costa
12/06/2021 19:03
Os cartões-postais vieram alegrar as vidas de nossos antepassados. Diferentes de uma longa carta, traziam notícias breves, com uma imagem e um pequeno texto, um ancestral de nossos “memes” e postagens no Facebook e Instagram. Recebê-los era sempre uma emoção: assuntos divertidos, notícias do pai em viagem, da tia de Joinville, do sobrinho trabalhando em algum lugarejo do interior. Chamava-se a família e era uma festa aquela leitura, assunto para muitos dias, repartido com a vizinhança e as comadres. Mas também as notícias da guerra, das despedidas, dos sofrimentos. Tristes ou alegres, os cartões-postais vieram quebrar a monotonia que habitava o cotidiano das pessoas fechadas em casa, principalmente em pequenas cidades, a vida se resumindo a afazeres domésticos, filhos, mesmices, raramente uma festa ou um passeio.
O cartão postal, porém, não nasceu “postal” e sim da necessidade das pessoas se comunicarem, numa época sem as facilidades de hoje, quando a um comando no celular podemos falar de imediato com alguém do outro lado do oceano. As pessoas se enviavam, por portadores, bilhetes com desenhos, bordados, brincadeiras, poesias, declarações de amor, de amizade, saudações, convites...
Eram peças únicas, porque dirigidas de uma pessoa para outra e feitas com as próprias mãos, como podemos ver na imagem 1 que ilustra esta coluna, que mostra alguns exemplares de pré-postais, dos anos 1840-1860. Estavam com uma antiga família alemã que as cedeu para nosso arquivo. São raríssimas porque geralmente não se conservam por tantas gerações. Nelas se nota o capricho e a delicadeza com que eram feitas essas verdadeiras relíquias, quando havia tempo para tudo, até para se bordar num pedacinho de papel uma mensagem de carinho a alguém muito especial.
De repente, alguém teve uma iluminação e percebeu que, em vez da senhorinha desenhar umas flores com poesias, essas mensagens já poderiam vir impressas e serem compradas a preços mínimos para serem enviadas pelo correio! E assim, na década de 1860, muitas empresas, livrarias, papelarias, quiosques, artistas, começaram a ganhar dinheiro e a criar aquela forma de arte impressa que viria logo se tornar paixão de colecionadores.
Era destinado a mensagens curtas, escritas de um lado, enquanto do outro se escrevia o endereço de destino. Em pouco tempo, imagens de obras de arte, vistas de cidades, flores, bichinhos fofinhos, crianças adoráveis e lindas raparigas em flor (mas também nus “artísticos”, ora...), ou qualquer outra coisa imaginável, deram a largada para uma moda que tomaria conta do mundo nas décadas seguintes, até meados dos anos 1970. Em um passo, surgiram os álbuns feitos especialmente para o colecionismo. A cartofilia hoje é objeto de estudos, teses doutorais, livros enciclopédicos. Museus possuem seções específicas, pois esses papéis são enorme fonte de informações históricas, arquitetônicas, de costumes etc.
Na foto número dois, selecionei duas páginas de um volume do acervo, onde aparecem diversos temas chamados hoje em dia genericamente de “nostalgia”: no quadro aparece um cartão de ano novo, com um saco de dinheiro no valor de um conto e quinhentos mil réis... Votos de muito dinheiro! Também uma senhora com uma linda tiara, colada no papel. Como esse enfeite sobreviveu a cem anos, não me perguntem que não sei! Vemos também um representante da realeza, muito colecionável até hoje, no caso o Imperador Franz Joseph I, do Império Austro-Húngaro. E também um cartão mostrando um episódio da Grande Guerra de 1914-1918, onde eram muito usados na propaganda pelos dois lados. Este é um cartão norte-americano atacando os alemães, a morte sentada ao piano (a música representando a “Kultur “ alemã). Também um belo “gruss aus”, ou “lembranças de”, em que cada cidade emitia vistas, geralmente em cromolitografias coloridas.
Não há cidade europeia que não esteja representada, muitas vezes em séries inteiras com dezenas de imagens. São particularmente procurados os que mostram lugares antes da segunda guerra mundial, para comparações do “antes e o depois”. Entre nós, há postais “gruss aus” de Joinville, Blumenau e... Curitiba! Mas por sorte não tivemos guerras destrutivas, exceto São Paulo na revolução de 1924 e a Lapa, em 1893.
No Brasil, foram os correios que saíram na frente e lançaram o primeiro, aqui chamado “bilhete postal”, em 1880, que já vinha com uma estampilha impressa com o valor e a imagem do Imperador D.Pedro II.
Nesses primórdios, não havia outras imagens, mas não demorou muito para se dar asas à imaginação. Os primeiros cartões postais ilustrados brasileiros foram feitos no exterior, com fotografias de mestres do quilate de um Marc Ferrez ou Lindemann. Do Paraná, especificamente, temos lindas litografias e cromolitografias impressas na Alemanha e na França com cenas de Curityba, como se escrevia, litoral, ferrovia da Serra do Mar, indígenas e colonos estrangeiros.
Nossos fotógrafos lhes venderam imagens, mas também viajantes estrangeiros cá estiveram à cata de cenas do cotidiano e vistas, que seriam repassadas a um ávido mercado de curiosos e colecionadores. A imagem número 3 nos mostra a bela Curityba no comecinho do século 20 e a de número 4, a Princesa dos Campos em torno de 1902.
Mensageiros do amor
Não poderia deixar de falar de um outro papel que os cartões-postais exerceram naqueles dias: o de mensageiros do amor. Praticamente não havia uma moça casadoira de antigamente que não trocasse mensagens com um rapaz dos sonhos, quase sempre pudicas, ingênuas, mas às vezes um pouco mais ousadas. Tenho uma mensagem muito interessante de uma senhora intimando o rapaz a se declarar, sendo ele muito bem casado! Esse fica aqui na pasta dos segredos invioláveis, rs.
Mas para cartões mais discretos, que poderiam vir até fechados dentro de envelopes, quando se recebia notícias do noivo ou namorado distante, corria- -se para o quarto e a leitura era solitária, muitas vezes com uma lágrima a molhar o papel... Olho aqui, na foto de número 5, uma série de postais do ano de 1905 em que a jovem Noemy Velloso da Silveira recebeu diariamente, durante um mês, uma série de postais, com letrinha miúda, mandadas pelo noivo que estava em Pelotas.
E o que dizer da “ousadia” da senhorita Julieta Toppel, de Campo Largo, que mandou para o jovem Acácio de Paula Xavier, na Palmeira, como se dizia, um divertido cartão em que faz diversas perguntas (foto 6). Esperava ansiosa a resposta com a cor escolhida, no caso o verde (posso viver na esperança? e branco (quando será nosso enlace?).
Em suma, era uma época de ingenuidade das ditas moças de família, mas já era um avanço trocar mensagens de amor, com certeza sempre sob os olhares do papai e da mamãe, principalmente quando sabemos por livros de viajantes que, algumas décadas antes, as mulheres de certas vilas do interior eram fechadas nos quartos a cadeado, dentro de casa, à aproximação de uma visita masculina.
Encerro o artigo com humor. Os cartões postais também faziam rir, e muito! Escolhi o tema “mulher megera e marido sofredor”. Pobres desses maridos que não podiam voltar para casa bêbados sem a mulher a esperá-los com o rolo de macarrão!
Na próxima edição, continuaremos nossa viagem pelo Paraná dos cartões postais, com os fotógrafos viajantes no início do século 20, uma história de futebol em 1909 e mais um pouco de humor, que ninguém é de ferro, como se dizia... (continua na próxima edição)
Paulo José da Costa nasceu em 1950 em Ponta Grossa, é comerciante livreiro, memorialista, blogueiro, youtuber, dono de acervo e criador das comunidades Antigamente em Curitiba e Antigamente em Ponta Grossa, no Facebook.