Cá comigo, apelidei uma vizinha de “a louca dos abacates”. Vou chamá-la aqui de dona Eusébia, para não causar bururus no bairro. É de fato boa pessoa. E faz parte de suas melhores intenções reflorestar as calçadas com frondosos abacateiros. Planta-os às escondidas. Tem fé e foco, como se diz. De nada adianta o alerta de que os frutos – ainda que possam alimentar os famintos – podem cair na cabeça dos passantes ou amassar automóveis estacionados.
Alguns dos abacateiros da Zezé estão no modo PAC – “programa de aceleração do crescimento”, tendo atingido estatura e graça; e gerado uma curiosa safra de abacatinhos desnutridos que se espalham pelo chão. Para a militante, essas pequenas derrotas não colocam em risco seu projeto ecológico. Projeto encampado, inclusive, por outra moradora, da quadra acima, hoje feliz proprietária de uma muda adolescente, viçosa, cujos galhos nos roçam o braço quando viramos a esquina. Calculo que em breve deveremos pedir à Câmara Municipal que destrone o músico Brasílio Itiberê, patrono da via, e a rebatize de “Alameda dos Abacates”.
Antes que me tomem por um ranzinza, informo que eu mesmo
me tornei um castiço membro da confraria. Ainda durante a
pandemia, não sei por que diabos de algoritmo, apareceu na minha rede uma sugestão sobre como fazer brotar abacates – no espaço exíguo de um
apartamento. O tutorial é simples e posso resumi-lo: lave o caroço na pia. Com a ponta de uma faca, tire a casca que se forma em torno da semente. Depois, espete três palitinhos de dentes e mergulhe o caroço suspenso numa vasilha de plástico, com água até a boca. Pronto.
Ah, é perto de zero o risco de não saber que parte fica para cima e a que vai para baixo, submersa. Quando abrimos a fruta, comprada no supermercado – mas por pouco tempo, a depender da Eusébia –, as raízes já se pronunciam, assim como o futuro caule, cada um na sua ponta. Moleza – nem é preciso ter sido bom em Biologia.
Hoje, meu patrimônio está em torno de nove abacateiros plantados na água, todos acomodados em cima do microondas. Ultrapassam 40 centímetros cada. Eu os observo. Mesmo sem ciência, sei que um é diferente do outro – li que existem 500 espécies. Da parte que me cabe, sou o tutor de uma “antropófoga”, que já consumiu o caroço e agora deu de devorar as raízes. E tem a “distraída”, que finge não saber da limitada expectativa de vida de quem cresce num pote de margarina. Nunca dará frutos, embora queira, a inocente. Sinto pena, me iludo e olho para ela à espera de um milagre.