Meio ambiente
José Carlos Fernandes
José Carlos Fernandes é jornalista e professor universitário. Pesquisa a vida extraordinária de pessoas e lugares comuns.
Serão muitos pinheiros
Arte: Felipe Lima
tradição, hoje os índios custariam a encerrar a viagem, indo parar nos campos
de Lages, em Santa Catarina. No Paraná, a área preservada de araucárias não
chega a 1% da cobertura original, uma flagrante contradição, uma violência
ambiental. O pinheiro está para a região como as nuvens estão para o céu.
Projeto de lei visa devolver ao Paraná a árvore que lhe pertence e também garantir alimentos, recuperar o que é possível da biodiversidade
na Assembleia Legislativa do Paraná um projeto de lei 495/2019 – de autoria dos
deputados Luiz Cláudio Romanelli (PSB-PR), Emerson Bacil (PSL-PR) e Hussein
Bakri (PSD-PR), já aprovado em primeira instância – de incentivo ao plantio de
pinheiros em áreas hoje ocupadas por pinus, eucaliptos e outros forasteiros. Será
uma substituição simbólica, mas também econômica. A proposta visa devolver ao
Paraná a árvore que lhe pertence, mas também garantir alimentos, recuperar o
que é possível da biodiversidade e, a médio e longo prazo, incentivar o corte e
comercialização da madeira – em condições a serem discutidas, provavelmente com
vozes alguns decibéis acima do normal. Se tem pinheiro na história, tem paixão.
são indiscutíveis – encontrou alguns senões e deve passar por ajustes. “Acendeu
o sinal amarelo”, diz Goura, sobre o dedo levantado por entidades como a SPVS e
o Ministério Público. Dentre os apartes, pede-se mais ênfase no texto à
preservação das matas nativas, que estão fora de qualquer negociação. O grifo
exigido visa não confundir o eleitorado negacionista e congêneres. Nunca é
demais avisar, com berrantes se for preciso, posto que algum afoito pode
derrubar o que resta, dizendo-se com amparo legal para extração.
de deixar o trator desgovernado, fazendo tudo ao contrário do que manda a
inteligência. Basta listar as pelejas dos últimos tempos – como a proposta
insana de diminuir a área da Escarpa Devoniana, nos Campos Gerais; ou a
abertura de estradas na Mata Atlântica e atentados à integridade da Ilha do
Mel, para citar o que mexe com os nervos. Há batalhas antigas, que não saem de
pauta – a engorda da orla de Marinhos e a reabertura da Estrada do Colono, essa
uma péssima ideia, perto de ser sepultada em definitivo. Se assim for, o superlativo
geólogo João José Bigarella (1923-2016) – que teve a extinção da Estrada do
Colono entre suas causas – poderá enfim descansar em paz. Queiram os deuses da
floresta.
mais áreas para plantio de araucárias, mas a boa notícia não quer dizer que
ganhamos uma política de preservação ambiental, afinada com os objetivos do
milênio, dotada de um mínimo de benevolência com os agricultores, a quem cabe
receber incentivos pela preservação. O “péra-aí” veio da Comissão de Meio
Ambiente da Assembleia Legislativa do Paraná, presidida pelo deputado Goura,
cujo pedigree ambientalista é conhecido. Pouco mais que um menino, invadiu
espaços da Zona Norte da capital com seus jardins libertários, para citar uma
de suas diabruras sobre duas rodas.
Paraná é um dos estados que mais desmatam sua vegetação nativa. Conseguimos
devastar quase tudo e assim continua, num ritmo alucinante. Muitos setores do
agronegócio veem as matas nativas como um empecilho para aumentar as áreas de
cultivo. Tem uma pressão forte, muito desmatamento irregular e a espécie
araucária é ameaçada de extinção. A discussão tem de ser profunda. Precisamos
pensar como o Paraná, junto com a sua matriz agrícola, pode financiar grandes
corredores de biodiversidade”, observa Goura.
dizem respeito, o deputado teme ser deposto da presidência da comissão no final
do ano. Mas até lá, não esperem o contrário: vai continuar depositando
pedrinhas no sapato dos colegas de trabalho, do governador Ratinho Júnior e sua
turma – não raro afinada com o ministro Ricardo Salles, “Eu esperava que a
pandemia serviria de alerta para a necessidade de ouvir a ciência, mas não é o
que está acontecendo”, alfineta. Goura acusa de tímida a presença de
pesquisadores e de membros dos órgãos representativos em discussões ambientais.
Exemplo? A crise hídrica. As represas estão secas, a paisagem beira a caatinga,
a relação com a natureza precisa ser balizada, mas... nem tchum nos corredores
do poder. Faltam estudiosos à mesa tanto quanto água nos chuveiros.
que os pinheiros podem voltar à paisagem, Goura faz as loas necessárias aos
autores da proposta, mas também coro com o Ministério Público, que pede cautela
em nota técnica. A cobertura de mata de pinheiros vai aumentar se houver
trabalho pesado, junto aos produtores rurais, e ao cidadão comum, morador das
grandes cidades. Pois é – política ambiental se faz à custa de muita força
tarefa. É uma lenha. “Temos vestígios de mata de pinheiros, mas falta
continuidade e práticas expressivas de preservação. O bioma tinha pinheiros,
mas também imbuia, aroeira, erva-mate. Na comissão, começamosa procurar os pesquisadores para fazer
um debate técnico”, observa Goura.
florestas nunca serão como as originais. Mas – como diz Goura, num impulso
filosófico – a físis e o logos podem sair de braço dado e dar
aquele empurrãozinho da razão à natureza, fazendo o dia nascer feliz.
Impossível nessa hora não lembrar do documentário Sal da Terra, de Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado. O filme é
sobre a trajetória do fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado, mas na esteira
dessas glórias, mostra como a fazenda da família dele, em Aimorés, Minas
Gerais, saiu da paisagem lunar em que se encontrava e chegou à exuberância de
matas, aves e águas, no Vale do Rio Doce. Parecia impossível. “Dia desses viram
uma harpia no sul do estado, quando a consideravam extinta por aqui. Sinal de
que ainda há vida no pouco que ficou em pé”, ilustra, sobre o quanto de
inesperado há na preservação.