José Carlos Fernandes

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José Carlos Fernandes é jornalista e professor universitário. Pesquisa a vida extraordinária de pessoas e lugares comuns.

Umberto Eco, per favore

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10/05/2024 18:58
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Para Umberto Eco, se houver mais de 17 anos entre professores e alunos, perde-se a conexão. | Alessio Jacona/Flickr

Professores, em geral, têm a cara cansada. Reparem. A estafa é mais flagrante no rosto dos que atuam em escolas públicas. Arre… Redes de ensino superior levam vantagem no quesito “à beira de um ataque de nervos”, mas estamos unidos na tragédia, rumo à falência múltipla dos órgãos. OK, desde que o economista Gustavo Ioschpe mostrou em números que professores não trabalham mais do que ninguém, e que não ganham tão “nadica de nada” como dizem, triplicaram as nossas dificuldades em despertar a compaixão alheia. Mesmo assim, resisto, chato de galochas.
Para além das horas não contabilizadas no preparo de aulas e correção de trabalhos; e da lenha que é aturar pais que mimam seus filhos e mandam a conta para a gente pagar, há um nó ainda mais apertado: o de discernir o que vale a pena ou não ensinar. Vamos ao contexto: o semiologista Umberto Eco declarou, certa feita, num daqueles “chutes” a que o autor de O nome da Rosa tinha direito, que não pode haver mais de 17 anos entre professores e alunos. Passou disso, perde-se a conexão.
No que me diz respeito, esta distância “já Elvis”. Vi o eixo da Terra girar mais do que o permitido. Se Eco vivo estivesse, pediria a ele que reconsiderasse a contagem, usando a meu favor, que ironia, o malfadado cálculo das aposentadorias. Com sorte, ganharia uma margem para convencer a moçada de meus nobres argumentos.
Um estudo de caso: interessa hoje aos estudantes da área de Humanas – na qual atuo – saber quem foi a atriz Leila Diniz? Fiz o teste, me ferrei. Meu grupo seleto de universitários achou a tal personalidade: a) pouco produtiva (apenas dois filmes de sucesso e uma revista tropicalista de título duvidoso: Tem banana na banda); b) fazia o jogo do patriarcado (informei, com ares de frade, que LD se aninhava com quem lhe apetecesse); c) a canção de Rita Lee que diz “toda mulher é meio Leila Diniz” não constava da playlist de ninguém; d) e, num novo fracasso retórico, qu’est ce que se passe com a foto de biquíni de Leiloca na praia, grávida, em 1971, feita por Joel Maia? E dá-lhe explicar, 17 + 17 + 17 anos depois, o que significou tirar da barriga a cortininha de bujão que as mulheres tinham de usar.
Adianto que merece repúdio todo discurso do tipo “ah, essa juventude de hoje em dia”. Como alardeia o filósofo francês Gilles Lipovetsky, nunca houve geração tão preparada como a atual, mas desencantada com o mundo que lhe deixamos: violento, sem trabalho, doente, em guerra, o Musk, etc. É compreensível que muitos jovens recusem o passado. Em sala de aula, esses escudos se levantam de forma coreografada e criam um imperativo bélico aos que se metem a educar. Não somos mais narradores preferenciais. Influencers ganham de lavada. Mas, mesmo derrotado, continuo a pregar no deserto que as plataformas não dão conta de criar sentidos. Que me julguem na rádio-corredor.
Dia desses, a conversa foi sobre o movimento hippie. Ulalá. Todas aquelas enzimas que dopam nosso corpo foram acionadas. Vivi pouco daqueles dias ripongos – sintetizados para mim na figura de Paulo Leminski e Alice Ruiz, de túnicas coloridas, comprando revistas na banquinha do meu pai –, mas… “love forévis os ripes”. Na aula seguinte, trouxe a sequência inicial de Hair, de Milos Forman (1979), parte em que Renn Woods canta “Aquarius” no Central Park. Choro sempre que revejo esta cena. Debaixo de forte emoção, informei que o capital se apropriou da linguagem hippie, vendendo batas largas – antes manchadas com água sanitária num balde, em casa – a peso de ouro nas butiques de Ipanema. Maldita língua – pelas expressões da audiência, outra vez, pus tudo a perder.

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