Moda e beleza

Brechós por todo lado: o que tornou Curitiba referência para os garimpeiros de plantão

Marina Mori
26/03/2018 22:00
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Ricardo e Rafael Gomes Savae, do Libélula Brechó. Foto: Ana Gabriella Amorim / Gazeta do Povo

A sensação de entrar em um brechó é quase a mesma de uma brincadeira de caça ao tesouro. Quando se acha a peça perfeita, o jogo fica ainda mais empolgante. Tudo começa com um passeio entre cabides emparelhados, cada qual com uma peça única. Ao acaso, a roupa dos sonhos se revela como uma joia perdida.
O brechó é a arte do encontro. Quem entra nessa cultura não para mais”, brinca Daniela Nogueira, professora do curso de design de moda do Senai, mentora de projetos criativos e “brecholeira” assumida. Para a sorte dos curitibanos, ao longo da última década o mapa da capital paranaense se tornou referência nacional para os garimpeiros apaixonados.
Os irmãos Rafael e Ricardo Gomes Savae ajudaram a construir a fama. Desde que abriram as portas do Libélula, em 2011, na Mateus Leme, a rua dos brechós de Curitiba, o comércio de peças vintage de segunda mão se transformou em um império.
De uma portinha na rua Mateus Leme ao casarão do Juvevê: os irmãos Savae conferiram ao Libélula o status de marca. Foto: Ana Gabriella Amorim / Gazeta do Povo
De uma portinha na rua Mateus Leme ao casarão do Juvevê: os irmãos Savae conferiram ao Libélula o status de marca. Foto: Ana Gabriella Amorim / Gazeta do Povo
Hoje, os dois comandam cinco lojas espalhadas pela cidade. Juntas, formam um acervo com mais de 30 mil peças de roupa, calçados e acessórios usados. “Cada uma das lojas é voltada para um perfil de consumidor. A do Portão funciona quase como um outlet, com peças contemporâneas e populares a partir de R$ 3; as do centro são essencialmente vintage e as do Batel e do Juvevê têm marcas mais selecionadas”, explica Rafael.
O crescimento do Libélula, que ganhou o status de marca com o passar dos anos, faz parte de uma tendência global. Cada uma das novas lojas da cidade ajudou a posicionar o Paraná no quinto lugar no ranking dos estados brasileiros com o maior número de brechós, segundo levantamento feito em 2016 pelo Sebrae.
O Libélula lança a sua coleção nas quatro lojas (Portão, Batel, Juvevê e São Francisco). Foto: Ana Gabriella Amorim / Gazeta do Povo
O Libélula lança a sua coleção nas quatro lojas (Portão, Batel, Juvevê e São Francisco). Foto: Ana Gabriella Amorim / Gazeta do Povo

Mudança de comportamento

Se hoje é mais do que normal comprar roupas usadas, há dez anos o hábito era visto com maus olhos por aqui. “Todo mundo julgava como roupa de gente morta. Sem contar que as lojas eram entulhadas, não existia uma curadoria”, conta Cacá Brainta, idealizador do brechó Trinca Z.
À frente do comércio há 11 anos, ele e o sócio, Jefferson Sabatke, viram de perto a mudança de comportamento dos consumidores curitibanos ao longo da última década. Durante a primeira fase da loja, que ganhou espaço físico após quatro anos de existência, o acervo era composto por peças vintage garimpadas para as produções de moda lideradas por Cacá.
“Foi quando nossa primeira fornecedora apareceu com 400 roupas de luxo. Eram marcas como Animale, Bobô, Le Lis Blanc, Mixed”, conta ele. Após um mês de testes, Cacá percebeu que o faturamento da loja aumentou em 30%.  Surgia o primeiro brechó de luxo de Curitiba, em um espaço de 350 metros quadrados na Trajano Reis, a rua boêmia e cult.
Hoje, o Trinca Z comercializa de 600 a 800 peças de grifes por mês, entre bolsas Chanel, Prada e Louis Vouitton. Os preços do brechó equivalem a 30% do valor dos produtos novos. “Uns dias atrás, estava com uma Valentino à venda por R$ 4.900, mas seu preço de loja é R$ 11.900. Se entrar uma cliente aqui que não está acostumada, vai achar que é um absurdo”, explica Cacá.
A Box de Grife, inaugurada em janeiro deste ano, também surgiu para abastecer ao nicho de luxo da capital, com bolsas e acessórios de grifes. “Eles são como joias, que têm um ciclo de vida muito longo por conta da qualidade e história”, conta a empresária Adriana de Moraes Kormann. Ela e a mãe tiveram a ideia de abrir a loja quando decidiram renovar seu acervo de mais de 140 bolsas de marcas como Balenciaga, Miu Miu Gucci.

Com cheirinho de novo

E engana-se quem associa os brechós a locais empoeirados e entulhados. Assim como as outras lojas de artigos usados da nova era, a de Adriana tem o maior rigor com as peças. Além de fazer uma curadoria impecável, a empresária fez questão de criar um e-commerce com direito a editoriais exclusivos. “Temos também um avaliador, autorizado pelas marcas originais, para fazer a autenticidade de cada peça”, garante.
O e-commerce do Box de Grife, lançado em janeiro de 2018, tem como princípio o cuidado com os produtos. "Quero mostrar a mesma dedicação que vejo nas lojas das grifes", diz a empresária Adriana de Moraes Kormann. Foto: Nuno Papp / Divulgação Box de Grife
O e-commerce do Box de Grife, lançado em janeiro de 2018, tem como princípio o cuidado com os produtos. "Quero mostrar a mesma dedicação que vejo nas lojas das grifes", diz a empresária Adriana de Moraes Kormann. Foto: Nuno Papp / Divulgação Box de Grife
O desejo de garimpar em um local agradável e com cheirinho de roupa lavada era o que impedia a produtora de moda Adriana Vaini de sair em busca da peça perfeita pelos brechós mais antigos da cidade.
“Eu quase morria de tanta alergia, era impossível. Tive então a ideia de começar um brechó onde todas as roupas seriam higienizadas e organizadas como em uma loja de peças novas”, conta. O Lavô Tá Novo enfim nasceu, há cinco anos, em parceria com a amiga Carina Cardoso. “Deu muito certo. Hoje, temos pelo menos seis mil peças em estoque”, conta Adriana.
A higienização das roupas agora é praticamente regra nos brechós cool da cidade. No Libélula, há até uma lavanderia por loja para que cada peça seja lavada assim que chega no acervo.
Parece até loja de roupa nova, mas é tudo de segunda mão. Libélula Brechó, no casarão do Juvevê. Foto: Ana Gabriella Amorim / Gazeta do Povo.
Parece até loja de roupa nova, mas é tudo de segunda mão. Libélula Brechó, no casarão do Juvevê. Foto: Ana Gabriella Amorim / Gazeta do Povo.

A moda agora é comprar roupa usada?

Para Manita Menezes, professora do curso de design de moda da Universidade Positivo, há pelo menos três hipóteses para o boom de brechós em Curitiba nos últimos dez anos. A primeira é de origem econômica: a contenção de gastos, herança da crise econômica que o país tem vivenciado desde 2008.

“Estamos em uma fase em que alternativas baratas estão sendo buscadas em todos os setores, dos restaurantes às baladas que ocuparam as ruas. Com as roupas aconteceu o mesmo”, explica.

O segundo motivo é a nova geração de estilistas que Curitiba ganhou ao longo desta época. Como os primeiros cursos de moda do Brasil surgiram na década de 90, foi a partir dos anos 2000 que o país recebeu um boom de fashionistas. “Eles buscavam nos brechós peças exclusivas e aos poucos tomaram conta desse espaço”, propõe Manita.
A hipótese parece ganhar força quando se observa quem administra alguns empreendimentos da cidade. Enquanto Cacá, do Trinca Z, e Adriana Vaini, do Lavô Tá Novo, trabalhavam com produção de moda, Rafael Savae, do Libélula, e Juliano Araújo, sócio do Balaio de Gato, estudaram design de moda quando começaram a se envolver com este novo hábito de consumo.
Outro fator determinante para o sucesso dos brechós é a preocupação com os ritmos acelerados da indústria. Para Rafael Savae, eles fecham um ciclo. “Antes, a moda acabava quando a maior parte das peças em desuso se tornava resíduo. Hoje, este é um tipo de consumo inteligente não só pela economia, mas também pela preservação do meio ambiente”, explica.
Ele mesmo é prova do consumo consciente. Há sete anos, o único tipo de roupa nova que compra é a íntima. Juliano Araújo, do Balaio de Gato, também. “Hoje, 95% do meu guarda-roupa é de brechó”, conta ele, que antes só comprava em shoppings.

Segundo Daniela Nogueira, isso fortalece a voz ativa dos brechós como marca. “Estamos criando uma consciência de moda circular, em que a vida útil de uma roupa se torna muito mais longa quando adquire um status de peça única”, explica a especialista.

A tendência é que o mapa dos tesouros usados da capital paranaense continue a aumentar. A descoberta do “novo” instiga, conquista. Para Savae, a mágica está na expectativa da surpresa. “É um tipo de loja muito diferente de qualquer outra. Você não sabe o que vai encontrar, vai ter que garimpar”.

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SERVIÇO
Libélula Brechó
Endereços:
Rua Mateus Leme, 291 e 302 – São Francisco. Telefone: (41) 3082-8632
Avenida República Argentina, 2475 – Portão. Telefone: (41) 3095-2580
Rua Coronel Dulcídio, 836 – Batel. Telefone: (41) 3121-1630
Avenida João Gualberto, 1600 – Juvevê. Telefone: (41) 3352-6175
Facebook: Libélula Brechó  – Instagram: @libelulabrecho
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Trinca Z
Endereço: Rua Trajano Reis, 558 – São Francisco. Telefone: (41) 3308-5902.
Facebook: Brechó Trinca Z – Instagram: @brechotrincaz
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Box de Grife
Endereço: Rua Marechal Deodoro, 2129 – Alto da XV. Telefones: (41) 3090-0909 e (41) 99987-0246.
Facebook: Box de Grife – Instagram: @boxdegrife – Loja online: boxdegrife.com.br
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Lavô Tá Novo
Endereço: Av Vicente Machado, 666 – Batel. Telefone: (41) 9 9523-5659
Facebook: Lavô Tá Novo Brechó –  Instagram: @lavotanovobrecho
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Balaio de Gato
Endereço: Rua Pres. Carlos Cavalcanti, 450, loja 6 – São Francisco. Telefone: (41) 3092-5319.
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