Moda e beleza

Fashion Revolution discute o que mudou na moda depois da tragédia do Rana Plaza

Marina Mori
24/04/2018 07:00
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Foto: Priscilla du Preez / Unsplash

“Quem fez as suas roupas?” – Há exatos cinco anos, a pergunta ainda não era tão carregada de peso e reflexões sobre a indústria da moda. Tudo mudou no dia 24 de abril de 2013. O cenário: um prédio onde funcionavam várias confecções desabou em Bangladesh e 1.127 pessoas morreram. Outras centenas ficaram feridas.
Em meio ao misto de sangue, cimento e poeira onde antes ficava o edifício Rana Plaza, etiquetas e peças que em breve estariam nas vitrines dos principais shoppings centers de todo o mundo. A sueca H&M, a espanhola Inditex (conglomerado de cinco marcas que inclui a Zara) e a holandesa C&A foram responsabilizadas pela tragédia. Se, antes disso, o fast fashion era alvo de críticas por conta dos impactos sociais e ambientais envolvidos na produção de vestuário em massa, a pressão sobre as grandes redes só aumentou.
Foi instantâneo. Todos os setores ligados à indústria da moda passaram a ser questionados. Nascia o Fashion Revolution, um movimento global criado para conscientizar a população. Sua luta é constante e diversa: contra o uso de mão-de-obra considerada escrava, o descarte desnecessário de toneladas de roupas, a poluição dos lençóis freáticos e outros impactos ambientais gerados diariamente pela indústria da moda.
Neste ano, dos dias 23 a 29 de abril, pensadores e profissionais da moda se reúnem simultaneamente em diversos países para refletir sobre o assunto. No Brasil, a programação também é extensa: cidades como Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro têm a agenda recheada de debates e workshops.

Revolução da moda: o segredo de tudo é tornar a moda sustentável?

No início de 2018, 64 marcas – entre elas, Zara, H&M e Adidas – se comprometeram a tornar sua produção o mais sustentável possível até 2020. Além das redes de fast fashion, o conglomerado de luxo Kering, que reúne grifes como Balenciaga, Alexander McQueen e Gucci, também aderiu ao tratado.
A iniciativa, promovida pelo grupo Global Fashion Agenda, tem como meta incentivar a prática da economia circular. O conceito surgiu pela primeira vez em 2014, na Suécia, e tem ganhado força a cada ano.
Na teoria, se baseia em conectar de modo saudável (tanto a sociedade quanto o meio ambiente) cada etapa da cadeia têxtil. Do momento em que a matéria-prima para produzir uma camiseta é colhida até o dia em que a peça “perde” sua vida útil.
Foto: Annie Spratt / Unsplash
Foto: Annie Spratt / Unsplash
Em vez de irem para o lixo ou para o incinerador – como fez a H&M com as 60 toneladas de roupas prontas para uso que não foram vendidas de 2013 a 2017 -, as peças ganhariam uma nova utilidade. As grandes redes de fast fashion se comprometeram a mudar este cenário. Será que o objetivo é possível até 2020?
A resposta é sim, segundo Dario Caldas, diretor do Observatório de Sinais e referência na área de pesquisa e análise de tendências de comportamento, sociedade e consumo. “Se é possível que exista uma moda sustentável e nesse nível de consumo de massa, são justamente as indústrias do fast fashion que têm condições de levar isso adiante”, defende.
Foto: Igor Ovsyannykov / Unsplash
Foto: Igor Ovsyannykov / Unsplash
Mas o otimismo de Caldas não é unânime. “Como está sendo posta, é como se a economia circular estivesse vindo para resolver todos os nossos problemas”, critica a designer de moda e fundadora do portal Modefica, Marina Colerato. Para ela, a vasta gama de fibras e a própria complexidade da construção dos tecidos tornam o cenário da reciclagem de têxteis extremamente desafiador e caro.
Por conta disso, Colerato acredita que o plano de reinserir as peças no mercado é ineficaz.

“Este acordo não visa a sustentabilidade. As grandes corporações são orientadas pelo lucro e uma matéria-prima mais cara diminui estes ganhos”.

A fala da designer se refere ao uso de materiais de qualidade, que não agridem o meio ambiente e têm maior durabilidade. Basta fazer as contas: produzir uma camiseta nestes termos e vendê-la a R$ 15 ou R$ 20 não parece ser suficiente pagar costureiros e modelistas de forma digna, suprir os gastos e ainda gerar lucro.
Foto: Pujohn Das / Unsplash
Foto: Pujohn Das / Unsplash
Mas é preciso ter esperança. Segundo Nathalia dos Anjos, técnica da área de produção de moda do Senac São Paulo, as propostas de mudança das redes de fast fashion não são apenas propaganda. “A grande questão é como classificamos moda sustentável. É possível em dois anos realizar mudanças significativas, mas é preciso uma mudança estrutural e também mental. Depois da mudança, vem a transformação. E isso ocorre a longo prazo”.

Caldas garante que este é o início de um processo. “A meta de 2020 é uma data fantasia. Para que esse sistema cresça de modo considerável e gere impactos positivos, só em 2040. A sustentabilidade não é uma opção de futuro, é uma direção necessária.”.

Foto: Revolutionkarly Santiago / Unsplash
Foto: Revolutionkarly Santiago / Unsplash

Fast x Slow: dá para competir?

Para Heloisa Strobel Jorge, à frente da marca curitibana Reptilia e adepta do slow fashion, o acordo da Global Fashion Agenda também é um passo importante para uma mudança. “Qualquer iniciativa vindo delas é válida. Por outro lado, o próprio sistema no qual essas empresas estão baseadas já vai completamente contra o conceito de sustentável”, contesta.
O problema, segundo a estilista, é que o modelo de produção das grandes redes tem impacto direto em questões éticas e de geração de resíduo. Afinal, a premissa do fast fashion é justamente essa: ser fast. “As roupas têm que ser feitas e consumidas muito rapidamente. Por mais que num dado momento tenha compromisso, elas têm que produzir em uma quantidade muito grande para conseguirem lucro”, explica.
A designer acredita que uma marca autoral pode competir sem medo com o fast fashion. Apesar de algumas de suas peças terem preços acima de R$ 500, outras têm nas etiquetas cifras semelhantes às das grandes redes. “80% da minha venda é de peças que vão de R$ 100 a R$ 250. Se você for na Zara, a faixa de preço começa a partir disso”, explica.
Desfile da Reptilia no ID Fashion 2017. Foto: Hugo Harada / Gazeta do Povo
Desfile da Reptilia no ID Fashion 2017. Foto: Hugo Harada / Gazeta do Povo
O sociólogo pondera. “Nem tudo é desaceleração. Há outras maneiras de fazer com que esses ritmos se mesclem, pois nem tudo o que é fast é do demônio e nem tudo o que é slow é dos anjos da guarda. Há vantagens e desvantagens em ambos os lados”.
O caminho é longo e, os posicionamentos, variados. Mas é por isso mesmo que o debate se faz necessário: questionar processos, pensar de forma crítica e cobrar quem faz parte do sistema são começos. Falando nisso, você sabe quem fez as roupas que você está vestindo?
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