Moda e beleza

“O mundo é meu mosteiro”, diz monja que venceu o câncer e fundou marca de cosméticos

Marina Mori
16/09/2018 12:00
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Foto: Marina Mori / Gazeta do Povo

Soon Hee Han não fecha os olhos para reviver a cena que marcou o início de sua nova vida, há mais de três décadas. Era fim dos anos 1980 e a sul-coreana caminhava sem forças na direção de um templo budista na capital do Rio de Janeiro. Ela não tinha mais nada a perder. Desde que o câncer foi diagnosticado, seu corpo simplesmente não respondeu a nenhum tratamento convencional.
Aquela era sua última tentativa. A luz quebrada e morna do templo abraçava o ambiente de madeira escura enquanto uma Soon Hee, então com 33 anos e apenas 49 quilos deitava na maca. O acupunturista inseriu uma única agulha. Sentou ao seu lado e dedilhou uma peça clássica no violão.
“Não parece cena de filme?”, pergunta ela, sorrindo. “Eu não sei o que aconteceu. Mas, naquele momento, eu soube que iria viver”. A sul-coreana se acomoda no sofá da casa em que mora há 15 anos, no Mercês, e ajeita as mangas de seu cardigã preto e branco estilo Chanel. Aos 60 anos de idade e com saúde impecável, comemora o lançamento de “Extraordinários“, uma marca de biocosméticos naturais, orgânicos e veganos que têm como objetivo cuidar do corpo, da mente e do espírito. Mas foi preciso muito para que este sonho de mais de uma década se concretizasse.
Foto: Marina Mori / Gazeta do Povo
Foto: Marina Mori / Gazeta do Povo
Soon Hee sempre teve tudo o que quis. Filha de pais imigrantes, a caçula de cinco irmãos homens se mudou para Manaus aos cinco anos de idade, em meados dos anos 1960. A família prosperou. Aos 18, a jovem se mudou para a Califórnia, onde estudou Economia e Ciências Políticas; depois, seguiu para a França e se especializou em Urbanismo e Ciências da Educação. Casou. E esqueceu de avisar a família porque “não achava muito importante”. Teve um filho, voltou ao Brasil e trabalhou com um pouco de tudo, da construção civil à comunicação.
“Eu era feliz, não podia reclamar da minha vida. Mas tinha lá no fundo um vazio, uma sensação tão subliminar que parecia imperceptível. Eu sempre deixava ela passar”, conta devagar. Ela revela resquícios de um sotaque herdado do ex-marido, um franco-brasileiro e “carioca da Urca”.
A doença veio como uma pausa forçada, mas necessária. Foi a partir do primeiro contato com o budismo que os caminhos de sua vida ficaram mais claros. Soon Hee se dedicou à filosofia oriental e estudou a medicina tradicional chinesa a fundo. Os frutos vieram naturalmente e ela foi ordenada monja. Durante os sete anos em que viveu ligada ao mosteiro, aprendeu a ver o mundo de uma forma mais serena. Até que cansou.

“Quando decidi entregar meus votos, disseram: ‘Suní, não tem como alguém deixar de ser monge’”, relembra, rindo. “Então agora pratico isso de um jeito mais livre. O mundo é o meu mosteiro”.

A sul-coreana pôs isso em prática quando abriu uma rede de spas zen em hotéis no fim dos anos 90 para ajudar financeiramente os templos budistas. Em pouco tempo, a Shishindo Signature Spas se tornou a maior rede do segmento no Brasil, com 28 unidades espalhadas de norte a sul. Soon Hee mergulhou na aromaterapia e descobriu o “canto da alma” nos óleos essenciais.
Todos os biocosméticos da marca de Soon Hee Han são 100% naturais. Também não têm química artificial ou ingredientes de origem animal. Foto: Marina Mori / Gazeta do Povo
Todos os biocosméticos da marca de Soon Hee Han são 100% naturais. Também não têm química artificial ou ingredientes de origem animal. Foto: Marina Mori / Gazeta do Povo
“Eles são a nanotecnologia da natureza”, diz. Extraídos de flores e plantas, as substâncias ricas em aroma têm benefícios comprovados no organismo. Quando aplicados na pele misturados a óleos vegetais, conseguem penetrar todas as camadas da pele até chegar à corrente sanguínea. “É o que eu chamo de medicina doce”, explica ela depois de beber um gole do Chá Milagre, um dos sete produtos que compõem sua marca. Soon Hee descartou outras 132 versões até chegar a esta da xícara – um blend de chá verde, maçã, laranja, rooibos, lavanda, jasmim e baunilha. “Eu queria um chá perfeito: saboroso, requintado e saudável”.

Rotina de beleza sem pressa

Assim como o ritual diário do chá, ela segue à risca uma rotina de beleza, mas que nada tem a ver com as dezenas de passos recomendados pelas sul-coreanas em perfis de Instagram e vídeos no YouTube. Para ela, menos é mais.
Todas as manhãs, lava o rosto com sabonete artesanal e hidrata a pele com algumas gotas de sérum feito à base de óleos essenciais. Uma vez na semana, aplica máscaras faciais caseiras. “É uma brincadeira, dá para usar muitas coisas que você tem na cozinha”.
Não que Soon Hee discorde da prática do double cleansing e da busca pelo Chok Chok (textura da pele bem hidratada) perfeito. Pelo contrário. “Se é um ritual que te dá muito prazer e é como um spa pessoal, acho válido. Mas gosto de pensar no planeta. Quanto mais produtos você usa, mais contribui com a produção de lixo. São várias embalagens, a caixinha, os frascos… Então acho que tem que atentar que para algum lugar isso vai”.
As embalagens de vidro e metal de seus produtos de beleza – uma linha de sérum, óleo multiuso para corpo, rosto e cabelo e perfume – representam o que Soon Hee chama de despertar da consciência. “Estamos em um período de transição. Este é o momento em que as pessoas estão pensando mais no meio ambiente, ou pelo menos uma boa parte está”. Ela olha para os frascos sobre a mesa vermelha ao lado do sofá e acena suavemente. “As pessoas sempre disseram que sou muito polêmica. Descobri uma forma de continuar sendo, mas de um jeito sutil e com cheiro bom”.
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