Moda e beleza

Na rota da seda: conversa com Glicínia Setenareski, do Casulo Feliz

Larissa Jedyn
26/06/2012 03:26
Antes, no Brasil havia só a tecelagem artesanal para confecção de redes e a mineira. Quando a paranaense Casulo Feliz, com sede em Maringá, resolveu aliar o conceito da brasilidade à seda, há quase 25 anos, nascia um produto nacional, com muito orgulho. Hoje, Glicínia Setenareski, filha dos zootecnistas que viram nos casulos descartados uma possibilidade de negócio sustentável, viaja o país para conhecer suas raízes e ao exterior para mostrar o que é que a nossa seda tem. Veja os principais trechos da entrevista com a designer, que faz as próprias roupas, defende a humanização da indústria e briga por uma sociedade mais consciente.
Como começou a história da Casulo Feliz?
A Casulo Feliz iniciou em 1988, com foco na sustentabilidade, quando não se falava no assunto. Meus pais são zootecnistas e começaram a se interessar pelos casulos de bicho da seda que eram descartados por não serem ideais para a indústria. Tiveram a ideia de trabalhar os casulos manualmente, criar diferentes tipos de seda, padronagens que não existiam mercado. Tudo era antes inspirado na Europa, não existia a seda da Índia no mercado. O conceito foi respeitar a fibra por inteiro e criar um fio de seda com cara de Brasil, além de resgatar conceitos antigos de fiação, tecelagem, pigmentação e produção. Desde então chegamos a esta seda tropical, com identidade nacional.
De que jeito se aplica o conceito da sustentabilidade na produção da seda?
A seda surgiu há 3 mil anos antes de Cristo. O primeiro processo sustentável vem do resgatar o produto (casulos) descartado, consumindo algo que era jogado fora. No mais, não há gastos de energia elétrica, a água usada é pouca e o que é usado é reaproveitado. Gasta-se muito menos do que para se fazer as lavagens de uma calça jeans. E os tingimentos vêm todos da natureza. Somos pequenos, sofremos com os dissabores do mercado, somos poucos. Quanto menos tecnologia se emprega, mais treinamento é necessário, gasta-se mais em outras coisas, o nosso tempo é outro. O impacto do que vem de fora é maior.
Quem busca o que vocês produzem?
Nossos consumidores buscam o que não há no mercado. Quem procura preço e cópia vai bater na minha porta e vai acabar procurando outra coisa. Não trabalho com marcas, trabalho com o conceito por trás do produto. Para se ter uma ideia, criei um revestimento que está sendo usado em paredes na Casa Cor e que acabou virando revestimento de tênis da Osklen. É uma palha de seda com pontos indígenas.
Como se pensa a criação de um tecido?
Temos a seda pet – feita de garrafa descartável, algodão e seda –, que é uma linha grande, formada por mais de 30 tecidos, voltados para a moda e a decoração. Há também os revestimentos palha de seda rústica, gorgorão, gaze e organzas de seda, muito sensuais, transparentes, com profundidade de fio, que mescla padronagem fina e matéria primitiva, que cria um diálogo entre o feminino e o masculino. Para desenvolver os tecidos, há um foco no custo, mas queremos leveza, sensualidade e disritmia. Fizemos, por exemplo, o tecido Yanomami, com referência na cerâmica, mas de formas simples e complexas ao mesmo tempo e múltiplas aplicações: vai bem na parede, em uma bolsa, tem boa modelagem. O limitador da criação, no entanto, é o preço todo do processo: quanto tempo vai levar para ficar pronto, quanto vai pesar, quantas cores fazem parte da trama, qual a dificuldade do ponto, usar tear manual custa o tempo do homem que vai trabalhar na fiação.
O processo de tingimento é 100% natural?
Sim, faço testes de tinturaria em casa, misturo plantas para conseguir a cor, texto a viabilidade, a fixação, a reação na luz, faço minhas próprias peças para ver se funciona em grande escala. Preciso avaliar se o tingimento varia no verão e no inverno. Preciso saber que, se compro uma saca de cascas de cebola, eu não sei que tipo de produto tenho em mãos: se parte do produto alteram o produto final. O processo é único. A sofisticação está no simples, no mínimo. É mágico.
Fale um pouco sobre suas parcerias com empresas de moda.
A tecnologia têxtil é o foco da Animale. Fiz para eles, na coleção passada, uma organza com tingimento de flores e estamos repetindo agora a parceria. Eles me passam o tema, as influências, as padronagens e eu desenvolvo produtos e apresento. Quando não apareço com tudo pronto, muitas vezes diferente do que pediram. Na hora da venda, é diferente: peças com tecidos mais sofisticados e exclusivos vão para poucas lojas e produzimos também opções mais acessíveis para a grande parte da coleção.
Quem são seus preferidos no mundo da moda?
Sou fã de uma marca japonesa chamada Nuno, que desenvolveu a fibra de leite, e da estilista britânica Vivienne Westwood. Tenho um representante em Londres que vende meus tecidos para ela. Ela gosta muito de um gorgurão 100% de sedam que serve para roupa e para estofamento. É um tecido “ruivo”, meio castanho, feito de cascas de árvore; e tem também a versão em preto, feita de carvão.
Você segue tendências?
Vou sempre às semanas de moda. Não por gosto, mas por necessidade. Uso só o que gosto, desenvolvo roupas para mim, como se fossem peças piloto, para eu saber se funcionam bem, se vestem bem, se aquecem ou são fresquinhas.O tecido tem de vestir o meu outro tecido, que é minha pele e, para isso, tem de ser confortável. Eu tenho de vestir a roupa e não carregá-la. Uso também peças dos estilistas que trabalham com meu produto.
Como aliar moda e sustentabilidade?
Para mim, moda vem de modus, de comportamento, ela tem de falar sobre você. Só que o que se vê na mídia é um conceito diferente, de uma moda devoradora, ditadora. Sempre me pedem para desenvolver roupas e bolsas, mas não faço, senão acabo devorada por essa máquina de tendências. Não tenho tempo,gosto de outra coisa, quero viver outras experiências. O meu discurso é diferente. Nasci capitalista e poluidora, isso não vai mudar. Mas quero saber como vou diminuir isso. E como posso influenciar outras pessoas. Penso nos processos, na harmonia, na convivência. O resto é só casca.
Na sua opinião, ainda falta muito para a sociedade incorporar o conceito da sustentabilidade?
Nessa onda sustentável não se ensina a questionar. Cada um tem de ver, dentro do seu estilo de vida, o que pode mudar. Essa é a parte mais importante. Geração sustentável sofre de um tipo de egoísmo bacana, bem educado, em que um faz bem para o outro. Não dá para deixar parar a roda do capitalismo, afinal, vivemos socialmente. Não dá para temer o mercado, mas dá para acolher mais gente nesse mercado, dividir o que se sabe. Sustentabilidade não existe sozinha. Tem de ter gente.