O lixo é o pior lugar para descartar lingeries; saiba os motivos
Marina Mori
12/11/2018 07:00
Menos da metade da roupa íntima produzida no Brasil é reciclada. Foto: Pablo Heimplatz / Unsplash.
“Antes, eu via minhas roupas íntimas velhas como lixo, pedaços de panos sem nenhuma utilidade”, conta a bióloga Salma Tavares. Seu olhar sobre lingeries sem uso mudou há pouco mais de um ano — ela, que é especialista em gestão ambiental e desenvolvimento sustentável, decidiu transformar seu estilo de vida em exemplo de sustentabilidade.
E uma das primeiras medidas para gerar menos impacto no meio ambiente foi dar aos sutiãs e calcinhas que já não têm mais espaço em seu guarda-roupa outro destino que não o cesto de lixo: seja para usar como paninhos de limpeza ou mesmo como enchimentos para almofadas, ela garante que cada pedaço da peça pode ganhar outro uso.
À primeira impressão, as alternativas parecem inusitadas. Mas toda nova prática requer tempo para se tornar rotina, e Salma entende que a mudança é um processo. “Ainda estou adquirindo o hábito de enxergar novos caminhos para aquilo que eu pensava ser ‘lixo’. O descarte, mesmo o dito ‘correto’, nos traz uma sensação de jogar algo inservível fora. Mas na verdade estamos apenas realocando os resíduos, sejam eles recicláveis ou não, para um aterro, reaproveitamento, compostagem ou qualquer outro lugar”, analisa ela, que tem um blog, o EcoSaber, para compartilhar dicas práticas sobre o tema.
Novos modos de usar
Por isso, a bióloga dá tanto valor ao conceito da circularidade, que valoriza cada etapa de vida de um produto. “Encontrar uma utilidade para um produto que agregue valor a ele, como o upcycling, é uma maneira de reeducarmos nossa forma de pensar e agir no dia a dia”.
A consultora de estilo e autora do blog Hoje Vou Assim Off, Ana Carolina Soares, começou a se questionar sobre o descarte de calcinhas e sutiãs em 2016, durante um evento promovido pelo movimento Fashion Revolution, em Salvador. “A gente não pensa sobre isso e é quase automático colocar calcinhas e sutiãs em uma categoria de coisas ‘sujas’. Só que não tem a ver com nojo. É uma questão delicada, porque a gente não está falando simplesmente de uma blusa, que você empresta para alguém. Tem que gerar uma desconstrução de pensamento”, explica.
Os dados mostram que a reflexão é urgente. No Brasil, 170 toneladas de lixo proveniente do setor de roupas íntimas são geradas a cada ano. Deste montante, apenas 40% é reciclado, segundo a Associação Brasileira da Indústria Têxtil, a ABIT.
“Parece trabalho de formiguinha. Mas, quanto mais o consumidor entender que isso é uma questão importante, mais as empresas vão perceber que não dá para ignorar”, afirma Soares. Aos poucos, o conceito da logística reversa, em que as empresas precisam oferecer ao público uma alternativa do que fazer com resíduos sólidos, tem ganhado espaço no mercado.
A marca mineira de lingeries, Ouseuse, abraçou a causa recentemente. Lançada durante a Feria de Lingerie de Juruaia (Feliju), em maio deste ano, a campanha “Amiga Recicla” incentiva o desapego de roupas íntimas em bom uso para que sejam doadas para mulheres carentes.
Funciona assim: a empresa disponibiliza postos de coleta no showroom da fábrica, em Juruaia (MG), e nas lojas licenciadas em todo o Brasil (no Paraná, tem uma em Campo Mourão). Porém, não é preciso ir diretamente até a loja para fazer o descarte das peças – as roupas íntimas usadas podem ser enviadas de qualquer cidade pelos Correios (o endereço pode ser conferido ao fim desta reportagem). Depois, as peças são higienizadas, embaladas e redirecionadas para doação.
Em menos de dois meses de campanha, a Ouseuse arrecadou mais de mil peças de roupas íntimas, entre lingeries e cuecas. “Tivemos um reaproveitamento de 100% das peças e, agora, nosso tambor está cheio de novo. O próximo objetivo é captar para outras cidades do Brasil que precisam de doação”, afirma Lucia Corrêa, diretora de marketing e relações comerciais da marca.
Movimento ReCiclo
Em setembro de 2017, o Grupo C&A lançou o Movimento ReCiclo, inspirado no conceito da economia circular. A iniciativa, que funciona de modo semelhante ao da marca Ouseuse, surgiu como parte da estratégia global de sustentabilidade proposta pelo grupo após dados divulgados pela Fundação Ellen MacArthur.
Segundo a entidade britânica, cerca de 100 bilhões de roupas foram produzidas no ano de 2015, o dobro da produção dos anos 2000. Globalmente, 73% dessas roupas não têm uma destinação correta.
Os postos de coleta do ReCiclo estão disponíveis em 51 das 270 lojas da C&A em todo o Brasil; em Curitiba, nos endereços da Rua XV de Novembro e no ParkShoppingBarigüi. Lá, os clientes podem descartar peças de vestuário de diversas marcas, incluindo roupas íntimas, que serão triadas e destinadas corretamente. Segundo informações da empresa, o objetivo é que um terço das lojas no país estejam capacitadas para a coleta até o final deste ano.
No primeiro ano da iniciativa foi arrecadada cerca de uma tonelada de peças. Do total, 630 quilos estavam em boas condições e foram destinadas ao Centro Social Carisma, que realiza bazares e reverte a renda em prol das iniciativas da organização. Os 270 quilos de roupas restantes foram destinadas à Retalhar, empresa certificada pelo Sistema B, que faz o processo de manufatura reversa.
Outras alternativas de reciclagem
Segundo a bióloga Salma Tavares, é possível depositar as roupas fabricadas com fibras 100% naturais, como o algodão, na composteira (sistema de reciclagem de orgânicos). Quem não tem o método em casa pode apostar em outra alternativa: enterrar o tecido. A dica, segundo Salma, é cortar a peça em pedacinhos pequenos para otimizar a degradação.
Mas isso só vale para fibras totalmente naturais. Roupas que contêm uma porcentagem, mesmo que mínima, de tecidos sintéticos, como o poliéster, podem causar uma série de prejuízos ao meio ambiente. “O poliéster é um material plástico que vem do petróleo. Peças feitas com ele demoram muito tempo para se biodegradar e podem soltar microfibras de plástico que contaminam animais e seres humanos. Além disso, liberam poluentes tóxicos, causando grandes danos ambientais”, alerta a bióloga.
Onde doar roupas íntimas usadas em Curitiba
Na capital paranaense, o Pequeno Cotolengo, aceita doações de roupas íntimas em bom estado. Higienizadas, parte das peças vai para a instituição (que abriga pessoas com deficiências múltiplas abandonadas pela família ou em situação de risco) ou é posta à venda no tradicional bazar de móveis e roupas. O evento ocorre todas as terças, quintas e sábados e também nos primeiros domingos de cada mês.
Para doar, basta entrar em contato com a entidade via telefone ou WhatsApp (41 98516-3362). Após agendamento, um dos automóveis realiza a coleta em domicílio. Não é necessário reunir uma quantidade considerável de peças, segundo Adriana Alvão Zambotti, auxiliar administrativo do setor de doações. “Pode ser uma sacola, não tem um mínimo”.
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Envio de lingeries usadas para a campanha Amiga Recicla, da Ouseuse:
Endereço: Rua Ana Vitória, 283, Centro – Juruaia – MG – CEP 37805-000