Que a tecnologia está cada vez mais a serviço da vida, não é novidade. Olhando para a história recente, são claros os avanços deste campo para ajudar pessoas a viver mais e com mais qualidade. As contribuições da tecnologia para a medicina impactam a realização de exames complexos, procedimentos cirúrgicos decisivos, recuperação do paciente e controle de doenças crônicas, por exemplo. Contudo, não é preciso vivenciar a rotina médica para perceber esta interferência. No alcance das mãos, mais precisamente nos smartphones, vivem muitas das ferramentas que tornam o indivíduo cada dia mais responsável pela sua própria saúde.
O impactante aumento da expectativa de vida é fator fundamental para impulsionar a inovação dentro da área de tecnologia médica. Para se ter uma ideia, estima-se que, em 2050, o Brasil triplique sua população atual de idosos, chegando a 35 milhões de pessoas com 60 anos ou mais. Assim, trabalhar sobre necessidades e evoluir o caráter preditivo e participativo da medicina são atitudes mandatórias. O cenário é multidisciplinar e decisivo: o país que quiser avançar na saúde deverá, obrigatoriamente, inovar.
E se a combinação de tecnologia médica e custo é praticamente indissolúvel na mente da maior parte das pessoas, um alerta: o objetivo primeiro de todas as pesquisas deste campo é democratizar a saúde. Ou seja, nada de equipamentos e exames caríssimos e inacessíveis. A ideia é justamente oferecer alternativas viáveis à infraestrutura médica muitas vezes deficitária, caótica e obsoleta que encontramos atualmente, e que também se adequem à demanda e à realidade brasileira.
Novidades
Veja inovações que têm chegado ao Brasil:
Cirurgia 3D
Um tumor na próstata de um homem de 59 anos e a necessidade de tratamento cirúrgico. Isso, com o cuidado de preservar a continência urinária e a ereção do paciente. Este foi o perfil da primeira cirurgia 3D realizada no Paraná, no Hospital Marcelino Champagnat. O procedimento, chamado prostatectomia, foi realizado com uma câmera 3D, que permitiu melhor acesso e visualização da área para a retirada do tumor. A nova tecnologia oferece mais realismo aos procedimentos feitos por videocirurgia, uma vez que as imagens transmitidas através da tecnologia anterior obrigavam o cirurgião a trabalhar apenas com as referências espaciais de lateralidade, ou seja, sem a percepção de profundidade, que é o terceiro plano (3D). Com o novo aparelho, importado da Alemanha, os movimentos se tornam mais precisos e seguros, o que reduz o tempo de cirurgia, submete o paciente a um tempo menor de indução anestésica e torna sua recuperação mais rápida. Chamada Storz Professional Image Enhancement System (SPIES), a tecnologia permite iluminar a imagem endoscopia e aumentar ou apresentar tecidos de forma diferenciada e mediante diferentes tonalidades cromáticas, no mais alto nível de qualidade FULL HD. Diferentes especialidades podem se beneficiar da novidade. No caso da urologia, resolve-se a dificuldade de acesso a canais menores, favorecendo a visualização das estruturas. Com isso, são reduzidos os riscos de impotência após um tratamento de câncer de próstata.
Biomodelos
Os biomodelos são protótipos em 3D e cópias fiéis de órgãos do paciente, que permitem procedimentos cirúrgicos mais precisos e seguros. Os biomodelos são réplicas em dimensões reais dos órgãos humanos, produzidas por meio de impressão 3D e a partir de exames de imagem dos próprios pacientes. Os modelos podem ser desenvolvidos em materiais de diferentes níveis de flexibilidade, cor e textura. Por ser uma cópia fiel do órgão, o biomodelo permite ao cirurgião “treinar” antes do procedimento, prever possíveis complicações intra-operatórias e avaliar quais os melhores materiais e clipes cirúrgicos para cada paciente. Estima-se que essa previsibilidade promova uma diminuição de até 40% no tempo da cirurgia, ao mesmo tempo em que aumenta a precisão do procedimento. Entre outras empresas de medicina customizada, os biomodelos são produzidos pela BioArchitects, de São Paulo. Para a neurologia, já foram desenvolvidos, ao menos, dez protótipos em 3D de vasos intracranianos. São modelos personalizados de aneurismas cerebrais altamente evoluídos, utilizados para planejar intervenções cirúrgicas e torná-las mais precisas e seguras.
Exames laboratoriais
A agilidade é uma das características mais relacionadas à evolução tecnológica dentro da medicina, e exames laboratoriais também podem se beneficiar destes progressos. O teste para Zika Vírus, que há alguns meses vêm preocupando o país pela ligação estreita do vírus com casos de microcefalia em bebês, é capaz de identificar o anticorpo logo nos primeiros dias que seguem o contato do paciente com o mosquito transmissor. O resultado do exame é, além de tudo, importante para o controle de gestantes antes mesmo do surgimento de qualquer sintoma, tal como é feito com outras doenças infecciosas pesquisadas no pré-natal. O teste constata se a pessoa está com o vírus ativo no organismo, se já teve contato e está imune ou se nunca entrou em contato. Em Curitiba, é ofertado pelo LANAC – Laboratório de Análises Clínicas.
Diagnóstico
Terceiro tumor mais frequente entre as brasileiras, o câncer do colo do útero é iniciado a partir de lesões precursoras que podem não apresentar sintomas. Para identificá-las com maior precisão e diminuir a necessidade de biópsia, pesquisadores iniciaram um projeto para desenvolver um sensor ótico capaz de dar suporte ao médico ginecologista no diagnóstico da doença. A tomografia ótica, chamada OCT (Optical Coherence Tomography), conta com um sensor equipado com câmera e sonda, que permite um exame equivalente à microscopia e dá ao médico uma avaliação em tempo real do tecido do colo do útero.
Adeus, picadas
Nova tecnologia para o monitoramento da glicose em pessoas com diabetes, uma doença que atinge, pelo menos, 12 milhões de brasileiros, o FreeStyle® Libre, fabricado pela Abbott e aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), promete livrar o paciente da rotina diária de picadas no dedo. O aparelho consiste em um sensor e um leitor. O sensor deve ser aplicado na parte traseira superior do braço e capta os níveis de glicose por meio de um microfilamento que, sob a pele e em contato com o líquido intersticial, mensura a cada minuto o nível de glicose presente. O leitor é escaneado sobre o sensor e mostra, para o paciente, o valor da glicose medida em menos de um segundo. Os dados armazenados no aparelho também permitem que os médicos tomem decisões mais assertivas em relação ao tratamento da doença.
Além do corpo, mente
Feito para todas as pessoas que desejam levar uma vida mais equilibrada, o Zen (www.zenapp.com.br) oferece um conteúdo completo que vai desde reflexões, trilhas sonoras, vídeos para relaxamento e termômetro de emoções, até meditações guiadas feitas pela desenvolvedora do app, Juliana Goes. Cada módulo serve a um propósito diferente, como para ter mais disposição, alívio do estresse ou mesmo para todas as horas, e possui duas meditações que duram aproximadamente 10 minutos cada. O aplicativo está disponível para iOS, Android, iPad e Apple TV, e possui conteúdos em português, inglês e espanhol.
Transplante capilar
Desenvolvida pelo cirurgião plástico Mauro Speranzini, a técnica DNI (Dull Needle Implanter) (implante com agulha sem corte) possibilita a colocação de unidades foliculares na área calva com menor manuseio delas e, consequentemente, menor lesão de unidades foliculares. Com a técnica, pinças dão lugar a implantadores, o que amplia o índice de sucesso do transplante. É observada uma menor agressão à circulação sanguínea, um fator fundamental para que os fios de cabelos transplantados efetivamente nasçam. O novo instrumento também permite a retirada e colocação simultânea do cabelo durante a cirurgia, tornando maior o aproveitamento dos fios, já que ficam menos tempo fora do corpo.
Quimioterapia “expressa”
Praticamente uma novidade no Brasil, trata-se de uma técnica de quimioterapia que busca melhorar o tratamento de alguns tipos específicos de cânceres, com destaque para o de ovário, líder em morte entre os cânceres ginecológicos. A técnica consiste em utilizar a via intraperitoneal para que haja uma entrega “expressa” dos quimioterápicos diretamente no tumor, sem que precisem passar pela corrente sanguínea. A explicação para o sucesso seria a possibilidade de uma quantidade maior da droga chegar ao tumor para aniquilá-lo, mergulhando-o em um “banho” de quimioterapia. Isso, porque as drogas intravenosas (quimioterapia convencional) têm penetração pobre no peritônio, uma membrana que reveste a parede abdominal e também os órgãos localizados no abdômen, como os ovários. Ainda que o tratamento possa ser combinado à quimioterapia clássica, espera-se que haja uma redução nos indesejados efeitos colaterais do tratamento, já que os quimioterápicos não circulam pelo corpo, além de uma redução no número de células saudáveis (não cancerosas) afetadas. A técnica também pode servir ao câncer de cólon e a situações específicas de câncer de estômago.
Refluxo sob controle
Problema comum do aparelho digestivo e presente em mais de 20% da população brasileira, o refluxo gastroesofágico ganha uma nova alternativa de tratamento, o dispositivo EndoStim. A técnica consiste na implantação do dispositivo, de forma minimamente invasiva, na região do esfíncter inferior do esôfago para a sua contração através de estimulação elétrica, a fim de corrigir problemas em seu funcionamento. Isso impede que os alimentos e líquidos voltem em direção ao esôfago, o que provoca sintomas como queimação, regurgitação e azia. Os tratamentos com o dispositivo vão iniciar no Brasil em julho, com o médico Richard Gurski, na cidade de Porto Alegre. Segundo ele, 90% dos pacientes que foram submetidos ao procedimento não tomam mais nenhuma medicação. Hoje, são mais de 300 pacientes tratados no mundo e a expectativa é de realizar cerca de 50 procedimentos ainda este ano no Brasil.
Pâncreas biônico
Em fevereiro último, o Advanced Technologies and Treatments for Diabetes (ATTD), principal congresso mundial sobre tecnologias para o controle e tratamento do diabetes, apresentou o Pâncreas Artificial (PA) ou Biônico. Foram três modelos e, um deles, elaborado pela empresa Medtronic, tem características de bomba de insulina que suspende o hormônio quando necessário (a fim de prevenir hipoglicemia), além de ajustar sua liberação com base nos resultados apresentados por um sensor, especialmente durante o sono. Futuramente, o objetivo da empresa é incluir um algoritmo para que o sistema passe a tomar mais decisões de forma independente, corrigindo erros de dosagem da insulina e mantendo a meta glicêmica com comandos simples do usuário, sem depender de contagem de carboidratos, por exemplo.
Alergias
A Siemens Healthineers, divisão da Siemens que produz tecnologia avançada em exames de saúde lançou um teste de alergia, o 3gAllergy, que promete um diagnóstico completo e rápido em apenas 65 minutos. O teste acontece por meio do equipamento IMMULITE XPi, que ajuda especialistas a determinar o tratamento, a reduzir a incidência de sintomas e melhorar a qualidade de vida do paciente. O teste da Siemens foi o primeiro de terceira geração aprovado pela Food and Drug Administration (FDA), a agência reguladora para medicamentos e alimentos dos Estados Unidos, Além disso, conta com grande variedade de alérgenos, o que amplia as possibilidades de diagnósticos nos pacientes.
Inovar é cada vez mais preciso
A busca por soluções que reduzam custos e desenvolvam o ecossistema de saúde é uma tarefa que exige o envolvimento de diferentes áreas. Medicina, engenharia, arquitetura e design, tecnologia da informação, farmácia, biotecnologia, direito e negócios são algumas delas. Por aqui, uma parceria e inspiração direta no BioDesign, o maior projeto multidisciplinar de inovação em saúde no mundo, da Universidade de Stanford (EUA), deu vida ao hiPUC – Health Innovation at PUC, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), que aconteceu entre os dias 4 e 15 de junho. Trata-se do primeiro braço da iniciativa de Stanford na América Latina, e que procura posicionar a universidade paranaense entre os destaques globais quando o assunto é inovação em saúde.
O programa reuniu talentos de instituições como IBM (Nova York), hospitais Albert Einstein e Oswaldo Cruz (São Paulo), Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Universidade de São Paulo (USP, com participantes especializados em telemedicina), além de cientistas, inventores, investidores e representantes da indústria médica e do poder público para unir ideias de e-health e digital-health e oferecer um ambiente favorável à sua execução. Um time pré-selecionado para participar desta primeira edição do hiPUC experimentou esta metodologia mundialmente bem-sucedida que ensina a inovação da ideia, passando pela invenção, testes, implementação, plano de negócios e comercialização. Ou seja, do desenho à solução de empreendedorismo, sempre com o compromisso de oferecer suportes importantes à saúde da população e amparados em pesquisa, segurança e necessidade.
Na prática
Nem só de ideias revolucionárias, palpáveis e economicamente viáveis se faz as inovações em saúde. O hiPUC, por exemplo, foi um ambiente de convergência de ideias e de criação de condições para que elas possam ser desenvolvidas. E o fato de contar com o apoio de uma referência como Stanford, permite vislumbrar bons frutos. Antes mesmo da realização do hiPUC, a universidade já dava estímulos à inventividade. Da Agência PUC de Inovação, por exemplo, saíram projetos como uma pulseira conectada a um aplicativo para detectar quedas entre idosos (uma preocupação mundial) e informar seu cuidador, e também um sistema para smartphones que, a partir da câmera do aparelho, identifica lesões de fundo de olho e favorece o encaminhamento do paciente a um médico especialista.
Fontes: Anibal Wood Branco, urologista do Hospital Marcelino Champagnat; Instituto de Medicina, Estudos e Desenvolvimento (Imed); André Giacomelli Leal, neurocirurgião do Instituto de Neurologia de Curitiba; Marcos Kozlowski, responsável técnico do LANAC; Andrea Petruzziello, cirurgião oncológico do Instituto de Oncologia do Paraná (IOP); Sandro Rodrigues, Country Manager da Divisão de Cuidados para Diabetes da Abbott no Brasil; Richard Gurski, doutor em doenças esôfago-gástricas, professor de cirurgia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e diretor do Instituto do Aparelho Digestivo do Rio Grande do Sul; Mark Barone, doutor em fisiologia humana (ICB/USP) e especialista em educação em diabetes; Instituto Nacional do Câncer (INCA); Gisela Bozzo, gerente de produto da Siemens Healthineers; Marcelo Pillonetto, coordenador do Programa de Inovação em Saúde e professor da escola de medicina da PUCPR e Mauro Speranzini, cirurgião plástico.
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