Saúde e Bem-Estar

Emagrecer tirando o glúten da dieta é uma medida delicada

Carolina Kirchner Furquim, especial para a Gazeta do Povo
11/02/2017 09:00
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Naturalmente presente em cereais como trigo, centeio e cevada, o glúten, apesar da recente notoriedade, não é uma “invenção” moderna. O ingrediente serve, sobretudo, para dar elasticidade a receitas de massas como a dos pães, um dos alimentos mais antigos (e seguros) do mundo. Sua ação acontece quando a massa é sovada. Nesse momento, o glúten origina estruturas que aprisionam o gás carbônico proveniente do fermento, ajudando-a a crescer e a ficar macia.
Conversamos com Melissa Santos, especialista em nutrição esportiva, nutrição clínica funcional e nutricionista da academia de ginástica Cia. Athletica e Dagmarcia Neuza David, nutricionista da Paraná Clínicas, que esclareceram algumas dúvidas sobre esse ingrediente.
Afinal, o glúten é tão vilão quanto as notícias vêm informando, especialmente nos últimos anos?
O glúten pode se tornar um vilão quando consumido por pessoas que possuem intolerância ao nutriente, uma condição conhecida como doença celíaca (de característica autoimune, não uma reação alérgica), que atinge cerca de 1% da população. No organismo dessas pessoas, o ingrediente provoca reações como diarreia, inflamação e inchaço na região intestinal, constipação, flatulência, fadiga e dermatites. Nestes casos, a indicação é manter-se totalmente distante do glúten. O sistema imunológico dos portadores da doença é incapaz de distinguir entre componentes próprios e não próprios. Assim, o organismo cria uma resposta imunológica contra seu próprio tecido saudável, danificando as vilosidades do intestino delgado e levando à má absorção de nutrientes.
Apenas esses pacientes realmente não têm indicação para consumi-lo?
Não. Há pessoas que mesmo sem apresentar a doença celíaca, podem ter sensibilidade ao consumo do glúten. Isso acontece porque no intestino vivem bactérias e fungos que usam os alimentos ricos em glúten para se alimentar e se multiplicar, o que pode gerar microfissuras na parede do intestino e o aumento da permeabilidade intestinal. Como consequência, podem aparecer sintomas como retenção de líquidos, dores nas articulações, enxaqueca, ganho de peso, além de reações emocionais, como irritabilidade. Quem tem hipersensibilidade pode voltar a tolerar a proteína por meio da dessensibilização do organismo, aliando outras medidas nutricionais. Já no caso dos celíacos, a indicação é sempre o corte total do glúten da dieta.
Então indivíduos normais, sem nenhum tipo de dificuldade na metabolização do glúten, podem consumir alimentos com esse ingrediente sem maiores preocupações?
Para pessoas sem a doença e sem a sensibilidade, recomenda-se sempre um consumo moderado, pois farinhas e massas em excesso significam uma alimentação pobre e desequilibrada em nutrientes. Quando consumido em excesso, o glúten se assemelha a uma “cola” no intestino, dificultando a absorção de nutrientes essenciais para o organismo. Portanto, é preciso estar alerta, mas sem radicalismos. Uma recomendação interessante é estar atento às reações após o consumo de determinados alimentos. Enxaquecas após a ingestão de massa, por exemplo, pode indicar uma intolerância ao glúten. Assim como inchaço abdominal após o consumo de queijos pode estar associado a uma sensibilidade à lactose.
O glúten, por si só, faz engordar ou adoecer indivíduos normais?
Quanto ao desenvolvimento da doença, esse processo pode ser acelerado apenas se houver uma predisposição à intolerância que não foi diagnosticada, o que faz o paciente continuar a consumir o glúten. Quanto à obesidade, é preciso entender que se trata de uma doença multifatorial. Associar o emagrecimento à simples retirada do glúten da dieta é delicado. O emagrecimento pode ocorrer em uma dieta livre de glúten, não necessariamente pela sua retirada, mas pela restrição a alimentos ricos em carboidrato e, por isso, calóricos, como massas, pães e cerveja.
Há efeitos negativos para o organismo em uma dieta sem glúten?
Alguns estudos recentes indicam que sim. Porém, isso se dá devido ao consumo excessivo de produtos ultraprocessados livres de glúten e pobres do ponto de vista nutricional. Isso significa que não se pode deixar de lado o consumo de fibras e cereais, essenciais para o bom funcionamento do intestino. O segredo está no equilíbrio, seja das porções, da qualidade alimentar e da variedade. Retirar o glúten só é indicado quando há diagnóstico de doença celíaca ou sensibilidade a ele.
Que alimentos livres dessa proteína podem fazer uma boa substituição na dieta?
Há uma grande variedade de alimentos livres de glúten, como a mandioca, arroz, milho, batata doce e inhame. Há também uma grande variedade de farinhas que podem substituir a farinha de trigo, centeio, cevada e malte, tais como a farinha de arroz, farinha de mandioca, polvilhos, amido de milho, fécula de batata, fubá, araruta, tapioca, trigo sarraceno, quinoa, amaranto e farinha de amêndoa. Mas, mesmo com a variedade de receitas e oferta de produtos sem glúten no mercado, o ideal é não se alimentar somente desses produtos. O uso constante de farináceos pode ocasionar outros problemas, como a obstipação intestinal e a própria intolerância alimentar. Como alternativa, há a indicação de consumo de alimentos naturais, sem a presença de glúten, como peixes, ovos, frutas, verduras e legumes.

Não se engane

– Portadores da doença celíaca não devem somente cortar o glúten da dieta. Eles precisam de acompanhamento nutricional para evitar desfalques de nutrientes importantes.
– O diagnóstico da doença é polêmico. A sensação de estufamento após a ingestão de massas, por si só, não indica a ocorrência da doença.
– Um estudo conduzido pela Monash University, na Austrália, revela que há um considerável efeito psicológico por trás da chamada “intolerância ao glúten”. Ou seja, a análise do quadro clínico e a realização de exames específicos são fundamentais.
– A taxa de 1% que se refere à ocorrência da doença celíaca permanece estável. O que aumentou foi apenas a existência de exames que a detectam. Em outras palavras, a moda é não ter a doença.
– Como afirmaram as nutricionistas, equilíbrio é fundamental e, nesse contexto, o glúten promove muitos benefícios à saúde. Assim, retirá-lo da dieta sem consultar um profissional, é um erro.
– Cortar o glúten não faz emagrecer. O que colabora para a perda de peso é a simples diminuição do consumo de fontes de carboidrato (pães, massas, doces) que têm, no glúten, apenas uma pequena parcela de sua composição.
– Alimentos livres de glúten não são mais saudáveis, tampouco menos calóricos.

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