Bactérias alteradas, e armadas, serão o futuro do combate ao câncer
New York Times, por Carl Zimmer
18/07/2019 17:41
Bactérias serão as armas usadas no futuro para o combate ao câncer (Foto: Bigstock)
Cientistas usaram bactérias geneticamente reprogramadas para destruir tumores em camundongos. O método inovador poderá, um dia, levar a terapias contra o câncer que tratarão a doença com mais precisão, sem os efeitos colaterais das drogas convencionais.
Os pesquisadores já estão se esforçando para desenvolver um tratamento comercial, mas o sucesso em camundongos não garante que essa estratégia funcione nas pessoas. O novo estudo, publicado quarta-feira (17) na revista Nature Medicine, é um prenúncio do que está por vir, disse Michael Dougan, imunologista do Hospital Geral de Massachusetts, em Boston, nos Estados Unidos.
“Em algum momento no futuro, usaremos bactérias programáveis para o tratamento. Acho que há muito potencial”, disse Dougan, cuja pesquisa lançou algumas bases para o novo estudo.
Como funciona?
As células do sistema imunológico conseguem, às vezes, reconhecer e destruir células cancerígenas sem assistência. Mas os tumores podem se esconder do sistema imunológico, aproveitando-se de um gene chamado CD47.
Normalmente, esse gene produz uma proteína que marca a superfície das células vermelhas do sangue com uma espécie de sinal que diz: “Não me coma.” A medida confunde as células imunológicas, que o veem e ignoram os glóbulos vermelhos saudáveis.
Mutações nas células cancerígenas podem levá-las a ligar o gene CD47. O sistema imunológico também vê essas células como inofensivas, o que permite que se transformem em tumores perigosos.
Nos últimos anos, os cientistas têm desenvolvido anticorpos que podem se ligar às proteínas CD47 nas células cancerígenas, mascarando o sinal de “não me coma”. Assim, as células do sistema imunológico do corpo aprendem a reconhecer as células cancerosas como perigosas e as atacam.
Mas os anticorpos padrão são moléculas grandes que não podem penetrar em um grande tumor. E, como precisam ser injetados na corrente sanguínea, esses anticorpos acabam no corpo todo, causando efeitos colaterais.
Bactérias em ação
Nicholas Arpaia, imunologista da Universidade Columbia, em Nova York, e Tal Danino, biólogo sintético, imaginaram se poderiam usar bactérias para transformar o sistema imunológico contra células cancerígenas. Pelo tamanho das bactérias, elas poderiam fazer a ação dentro dos tumores, e não fora.
Bactérias comuns colonizarão tumores no corpo, usando-os como um refúgio do sistema imunológico. Em 2016, o biólogo sintético Tal Danino ajudou a construir bactérias que podem fabricar drogas para combater tumores depois de entrarem neles.
As bactérias podem não produzir anticorpos normais para o CD47, mas recentemente Dougan e seus colegas desenvolveram uma pequena versão da molécula chamada nanocorpo.
Os nanocorpos são pequenos o suficiente para que as bactérias possam produzi-los e também são muito mais potentes que os anticorpos convencionais. Ao inserirem o gene do nanocorpo nas bactérias, os pesquisadores viram que elas se transformaram em fábricas de nanocorpos. Em seguida, a equipe injetou cinco milhões de micro-organismos alterados em tumores de ratos.
Pesquisadores criaram uma técnica que modifica as bactérias para que ajudem no combate ao câncer (Foto: VisualHunt)
Como evitar uma infecção pela bactéria
As bactérias também foram programadas para cometer suicídio em massa. Depois que se estabeleceram e se multiplicaram, 90% das bactérias se separaram, espalhando nanocorpos. Os nanocorpos se uniram às proteínas CD47 nas células cancerígenas, roubando-lhes a camuflagem.
Além disso, fragmentos das bactérias mortas vazaram do tumor. Esses pedaços de detritos chamavam a atenção das células imunológicas, que atacavam as células cancerígenas desmascaradas.
Dentro do tumor sitiado, as bactérias sobreviventes começaram a se multiplicar novamente. Quando a população cresceu o suficiente, a maioria cometeu suicídio mais uma vez – entregando outra bomba de nanocorpos e fragmentos.
O golpe duplo pode eliminar os tumores nos quais as bactérias foram injetadas.
Quando Dougan e seus colegas originalmente desenvolveram o nanocorpo CD47, reconheceram que transportá-lo para as células cancerígenas seria crucial para sua eficácia. Mas ele nunca imaginou que alguém iria escondê-lo dentro de um cavalo de Troia microbiano.
“Adoro quando esse tipo de coisa acontece”, disse ele. “É uma grande pequena máquina.”
Sem efeitos colaterais
A abordagem também tem o potencial de reduzir os efeitos colaterais do tratamento do câncer. Em vez de inundar o corpo dos camundongos com medicamentos, as bactérias coordenaram ataques direcionados aos tumores. E, graças ao seu pequeno tamanho, os nanocorpos que vazaram das células cancerígenas foram rapidamente eliminados pelo corpo.
Arpaia e seus colegas relataram um benefício adicional. Depois de matarem um tumor com bactérias, outros tumores nos ratos também encolheram. É possível que as bactérias tenham ajudado o sistema imunológico a reconhecer outras células cancerígenas.
Danino cofundou uma empresa, a GenCirq, que está explorando o uso dessas bactérias reprogramadas para tratamento de câncer. Arpaia faz parte da diretoria.
Fígado: um dos órgãos beneficiados
O objetivo é tratar algumas formas de câncer metastático com uma pílula de bactérias programadas. Em pesquisas anteriores, Danino e colegas mostraram que bactérias engolidas por camundongos podem atingir o fígado e invadir tumores lá.
Isso é significativo, porque o fígado é frequentemente colonizado por câncer metastático. Se as bactérias geneticamente reprogramadas ajudarem as células do sistema imunológico a reconhecer um tumor lá, podem ser capazes de atacar o câncer em outras partes do corpo.
Dougan ressaltou que as bactérias geneticamente reprogramadas podem não ser tão poderosas nas pessoas quanto parecem ser nos ratos.
“Temos basicamente o mesmo encanamento [que os ratos], mas em escala muito maior”, disse Michael Dougan, imunologista. “Isso significa que as coisas não se movem com tanta eficiência de uma parte para outra de uma pessoa.”
O novo estudo demonstra até que ponto chegou o campo da biologia sintética nos últimos anos, disse Tim Lu, biólogo computacional do Instituto de Tecnologia de Massachusetts e cofundador da Synlogic, que também está reprogramando as bactérias para combater o câncer. “Essas coisas não são vistas apenas como coisas loucas para brincar”, disse Lu. “Elas poderiam realmente chegar aos pacientes.”