Saúde e Bem-Estar

Cardiologistas e ginecologistas podem ajudar a detectar depressão

* Flávia Schiochet
27/11/2018 12:00
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Pacientes que não respondem bem ao tratamento tradicional representam entre 25% a 30% das pessoas diagnosticadas com depressão. Foto: Bigstock.

Nem todo diagnóstico de depressão vem de um psicólogo ou psiquiatra. O medo do diagnóstico e a ideia de que estes profissionais são “médicos de loucos” afastam muitas pessoas do consultório médico — números da Organização Mundial da Saúde mostram que 11,5 milhões de brasileiros sofrem com a doença.
“O cardiologista é para os homens o que o ginecologista é para as mulheres, o especialista mais frequentado pelo gênero”, observa Eduardo Issa, anestesiologista e líder da área médica da Sanofi. São os profissionais de saúde que provavelmente terão mais acesso a relatos e podem, com o exercício da escuta ativa, detectar sinais da depressão e encaminhar o paciente a um psicólogo ou psiquiatra.

“Muitas vezes são os médicos de confiança dessas pessoas e têm em mãos o histórico do paciente”, complementa Issa.

Alguns sintomas, inclusive, são desdobramentos de um estado depressivo. “A depressão pode afetar o sistema nervoso autônomo com uma alta carga de adrenalina e cortisol, que podem causar hipertensão, dores e até infarto”, explica o cardiologista Roberto Miranda. Alguns de seus pacientes apresentaram melhora em sua saúde cardíaca depois que passaram a tratar a depressão. “A depressão preenche todos os requisitos para rastreio: tem alta prevalência, piora a qualidade de vida, causa mais mortes (como problemas cardiovasculares) e tem tratamento”, esclarece Miranda.
Para diminuir o espaço de tempo entre a crise depressiva e o tratamento, médicos de diversas especialidades defendem uma mudança de comportamento de quem está próximo da pessoa doente. “Cada pessoa tem uma história e um círculo social. O primeiro passo é identificar quem se está atendendo”, resume Miranda.
Médicos, amigos e familiares deveriam tentar se colocar no lugar de quem está com depressão: a tão falada empatia.

“A empatia é o que mantém a relação entre médico e paciente e adesão a qualquer tratamento médico, inclusive o psicológico e psiquiátrico”, define Carmita Abdo, psiquiatra e professora do departamento de Psiquiatria da USP.

“A probabilidade de recaída é de 80% nos seis primeiros meses depois que a pessoa para de tomar o medicamento. A tendência é só piorar o quadro”, cita Kalil Duailibi, psiquiatra com 35 anos de experiência clínica.

Empatia como remédio

“Quando eu falava sobre o que sentia, era como se eu estivesse falando outra língua. As pessoas não entendiam o que eu queria dizer”, compara Bernadete de Araújo, engenheira de 64 anos que passou oito anos procurando o que havia “de errado” consigo. Esse sentimento de incompreensão ou a vergonha de confessar seu sofrimento é o que faz com que mais de 70% das pessoas não falem sobre a doença, segundo a Federação Mundial para a Saúde Mental.
Ao longo dos oito anos em que “sentia uma tristeza imensa e não sabia o porquê”, Bernadete consultou 13 profissionais. Os exames apontavam normalidade. O diagnóstico, não raro, era estresse. “Eu sentia uma culpa imensa, estava com a autoestima devastada, sensação de incapacidade, desejo de ficar só e ao mesmo tempo, um sentimento de abandono”, descreve.
Seus primeiros sintomas foram “não conseguir somar nem subtrair”, a leitura de manchetes do jornal eram de difícil compreensão e a paciência e amabilidade intrínsecas à sua personalidade minguaram. Durante a conversa com uma psicóloga que ouviu pela primeira vez que seus sintomas eram de depressão. “Então procurei um psiquiatra, que passou duas horas me ouvindo de maneira afetuosa. Refinamos o diagnóstico: eu tinha também transtorno de ansiedade e aquele não havia sido meu primeiro episódio de depressão. Era algo recorrente desde criança”, conta.

A história de Bernadete não é única. Segundo a Organização Mundial da Saúde, 70% das pessoas que têm depressão não serão devidamente diagnosticadas ou não buscarão ajuda. A distância temporal entre o primeiro episódio depressivo de Bernadete, na infância, e o início do tratamento na vida adulta, fez com que a situação se repetisse inúmeras vezes e o uso de medicação se estenda para o resto da vida.

“Há sempre o medo de se tornar dependente do antidepressivo. Mas a dependência também há para os diabéticos, que precisam de insulina. Você está repondo algo que seu organismo não tem”, compara o psiquiatra Táki Cordás, professor da Faculdade de Medicina da USP e autor do livro “Depressão: da bile negra aos neurotransmissores” (Lemos Editorial, 2002). “Se você tem um episódio, é provável que tenha que tomar remédio por um ano. Dois episódios fazem com que o tratamento leve entre dois e três anos. Mais de três episódios, a medicação provavelmente será necessária a vida toda, porque há a chance de 90% para recorrência de crises depressivas”, completa o psiquiatra.
“Quem já sentiu de forma fugaz impotência, isolamento e mal estar social pode resgatar esses sentimentos para se conectar com quem está doente. Na depressão, esses sentimentos são sentidos de forma intensa e as pessoas não conseguem sair sozinhas”, indica Carmita.
Para a psiquiatra Carmita Abdo, a empatia é a chave para a adesão ao tratamento de qualquer especialidade médica. No caso de depressão, é fundamental pois faz o paciente se sentir compreendido e aceito. Foto: Divulgação
Para a psiquiatra Carmita Abdo, a empatia é a chave para a adesão ao tratamento de qualquer especialidade médica. No caso de depressão, é fundamental pois faz o paciente se sentir compreendido e aceito. Foto: Divulgação
Como os profissionais da área de saúde mental dificilmente são procurados por quem sofre de depressão (e que não tem o diagnóstico), outros especialistas devem exercitar a empatia para esclarecer o que é a doença e que o uso de antidepressivo é “fator de proteção e não de risco”, conforme desmistifica Cordás.
A esperança é que a mudança de postura das pessoas em relação à depressão faça com que diminua o tempo entre o episódio depressivo e a procura por ajuda. “Atualmente, dos que buscam ajuda, 30% não continuam o tratamento e um em cada cinco desistem do tratamento no primeiro ano”, revela Cordás.
O psiquiatra “puxa a orelha” de seus colegas: “O ‘pós-venda’ do médico é atender o telefone. A pessoa pode te ligar e você tem de estar lá para dizer que é assim mesmo. Nessa hora temos de falar com ênfase que sim, ela vai voltar a ser o que era”, aponta Cordás. “O que a pessoa mais precisa é de um par de ouvidos”, resume Bernadete.

Estereótipos dificultam reconhecimento de sintomas

A imagem prevalente no imaginário popular da depressão é alguém sem forças para sair da cama, com higiene pessoal comprometida e falta de apetite. As causas especuladas popularmente são, em linhas gerais, falta de iniciativa própria, falta de fé ou mesmo preguiça.
A blogueira Carol Burgo tratou abertamente de depressão com seus seguidores do Instagram e recebeu muitos relatos nas respostas. "As pessoas acham que são as únicas a passarem por essa condição de solidão", diz. Foto: Divulgação
A blogueira Carol Burgo tratou abertamente de depressão com seus seguidores do Instagram e recebeu muitos relatos nas respostas. "As pessoas acham que são as únicas a passarem por essa condição de solidão", diz. Foto: Divulgação
Esses estereótipos não passam disso: estereótipos. “Eu não estava precisando de uma busca espiritual. Eu estava procurando saber se eu queria estar viva”, resume Carol Burgos, autora do blog de moda e estilo de vida que leva seu nome.
Carol foi diagnosticada com depressão depois de anos sofrendo, como a maior parte das pessoas, sem saber que aquele comportamento não era o seu normal. O fato de trabalhar em home office agravou o quadro depressivo por causa do isolamento social. “Era disfuncional, estava intratável”, relembra. Voltar a trabalhar em agência de publicidade foi uma maneira de voltar a ter uma rotina fora de casa e outros estímulos. Mesmo produtiva e competente, suas emoções acabaram gerando conflitos profissionais e, depois de um tempo, foi demitida.
“A depressão afeta o rendimento da pessoa no trabalho. Nos Estados Unidos, cerca de 11% dos demitidos estavam em estado depressivo”, alerta Duailibi. Depois de meses de psicoterapia, Carol tomou coragem para falar sobre o assunto com seus então 40 mil seguidores no Instagram (hoje são 61,5 mil). Foi na semana em que Kate Spade e Anthony Bourdain morreram. “Abri a minha história sobre depressão. Recebi tantos relatos similares, as pessoas acham que são as únicas a passarem por essa condição de solidão”, sopesa a blogueira.
Psiquiatra Táki Cordás, professor da USP e autor do livro “Depressão: da bile negra aos neurotransmissores”: "Não há nenhuma doença nova no mundo. O que muda são os fatores culturais". Foto: Divulgação<br>
Psiquiatra Táki Cordás, professor da USP e autor do livro “Depressão: da bile negra aos neurotransmissores”: "Não há nenhuma doença nova no mundo. O que muda são os fatores culturais". Foto: Divulgação
Nem Bernadete, nem Carol, tampouco os inúmeros pacientes que passaram pelos consultórios de Miranda, Carmita, Cordás ou Duailibi vivenciaram algo novo. “Não há nenhuma doença nova no mundo. O que muda são os fatores culturais, que podem aumentar os riscos de ocorrência de determinada doença”, vaticina Cordás. E a depressão é uma delas: a previsão é que em 2020 esta seja a doença mais incapacitante do mundo.
* A repórter viajou a convite da Sanofi Medley.

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