Comer mamão combate o sarampo e outros mitos antivacinas
New York Times, por Kimiko De Freytas Tamura
26/06/2019 08:00
Nos últimos 90 dias de surto ativo, essa faixa etária foi a mais acometida pela doença, com 1.729 casos, concentrando 30,6% das confirmações. Foto: Bigstock.
A mãe de uma criança não imunizada nos subúrbios de Nova York diz que comer mamão ajuda a combater o sarampo. O pai de outra criança também não vacinada acredita que as grandes empresas farmacêuticas estão pagando milhões de dólares a médicos, autoridades governamentais e até mesmo juízes para esconder a verdade sobre as complicações causadas pelas vacinas.
Outra mãe diz que a alma de seus filhos está em uma jornada que a vacina atrapalharia. “Como mãe, para mim, muito do meu trabalho é simplesmente não colocar obstáculos extras no caminho dessa alma”, declarou.
Essas duas mães e esse pai representam um fervor extremo antivacina que preocupa cada vez mais as autoridades de saúde. Esse grupo é encontrado normalmente em escolas privadas progressistas que fazem parte do movimento pedagógico Waldorf.
Em uma escola Waldorf americana, 60% dos aproximadamente 300 alunos não foram vacinados contra sarampo nem contra outras doenças altamente contagiosas desde o fim do ano passado.
A epidemia de sarampo na região de Nova York se espalhou amplamente entre comunidades judias ultraortodoxas no condado de Rockland e na cidade de Nova York. Mas as autoridades de saúde temem que o surto possa atingir outros grupos não imunizados, como aqueles relacionados aos filhos de famílias que frequentam as escolas Waldorf.
Ed Day, executivo do Condado de Rockland, atacou verbalmente os pais de Green Meadow e outros que se opõem à obrigatoriedade da imunização, chamando-os de “mentalmente imaturos”. “O movimento antivacina é uma séria ameaça à saúde pública”, afirmou.
A Escola Waldorf Green Meadow, no Condado de Rockland, aproximadamente 40 quilômetros a noroeste da cidade de Nova York, tem um custo de cerca de 25 mil dólares (R$ 95 mil) por ano e está fundamentada em uma filosofia pedagógica que é contra o aprendizado mecânico.
A metodologia Waldorf encoraja as crianças a aprenderem no ritmo delas – livros didáticos não são utilizados até o sexto ano, e a tecnologia e os smartphones são proibidos. A dança e as artes são enfatizadas como ferramentas para aprender, por exemplo, o alfabeto.
As escolas Waldorf foram fundadas no início do século XX a partir dos ensinamentos de Rudolf Steiner, um carismático educador austríaco que pregava uma filosofia chamada “antroposofia”, que incluía uma teoria médica pouco convencional.
Segundo seus ensinamentos, as doenças eram influenciadas por “corpos astrais” e os seres humanos também são capazes de respirar pela pele. Embora não rejeitasse completamente as vacinas contra varíola e difteria usadas em sua época, ele dizia que banhos de alecrim eram mais eficazes contra a difteria e que a varíola poderia ser evitada se estivéssemos mentalmente preparados para confrontá-la.
Surtos de doenças nas escolas
Há cerca de 150 escolas Waldorf na América do Norte e, nas últimas duas décadas, elas têm sofrido uma série de surtos de doenças, razão pela qual estão no centro das preocupações durante essa epidemia de sarampo.
Uma escola Waldorf na Carolina do Norte teve um surto de catapora em novembro, a pior do estado desde 1995. Em 2016, uma escola Waldorf em Calgary, Alberta, foi afetada por uma epidemia da altamente contagiosa coqueluche.
Vicki Larson, porta-voz da Green Meadow, disse que a escola segue a lei e que cabe aos pais a decisão de vacinar ou não os filhos. “Não existe uma posição Waldorf sobre a vacina. Nosso papel não é esse”, declarou.
Em todos os Estados Unidos, foram relatados 1.022 novos casos de sarampo em junho, a maioria deles na cidade de Nova York e nos subúrbios vizinhos, segundo as autoridades. Esse é o maior número de novos casos desde que o sarampo foi declarado eliminado nos Estados Unidos há 20 anos.
Há extensas evidências demonstrando de forma conclusiva que as vacinas contra o sarampo e outras doenças são seguras, mas alguns pais de crianças matriculadas em Green Meadow insistiram que essas pesquisas estavam desatualizadas ou não eram suficientemente rigorosas para apaziguar as suspeitas deles.
A Green Meadow atraiu os holofotes para si este ano, depois que os pais de lá conseguiram reverter judicialmente uma decisão do condado que previa impedir crianças não vacinadas de frequentar a escola. Eles afirmaram que tinham direito a uma exceção religiosa à obrigatoriedade da vacina. A mesma medida foi adotada pelas autoridades do Condado de Rockland em uma tentativa de controlar a epidemia.
“Precisamos estar com o raciocínio afiado, todo santo dia, toda santa hora”, disse Elizabeth, mãe de uma criança de 4 anos que frequenta a Green Meadow, uma das requerentes do litígio. Ela contou que passou a coletar “informações céticas” após ler on-line que as crianças podiam morrer, se vacinadas. Assim como outros pais entrevistados para este artigo, ela pediu que fosse identificada apenas pelo primeiro nome por temer por sua segurança após vir a público.
“Quando penso em meu filho, quero que ele saiba que eu levei essa responsabilidade muito a sério e que lhe dei tempo para construir o sistema imunológico dado a ele por Deus da maneira como foi concebido para ser desenvolvido”, acrescentou. Ela não quis dizer quais visões religiosas a fizeram se opor à vacinação.
Melissa, outra mãe do Condado de Rockland envolvida no litígio, afirmou que suas crenças budistas a impedem de vacinar os filhos a não ser que eles fiquem muito doentes. “Aprendemos a viver no presente. Neste momento, meus filhos são saudáveis”, justificou Melissa, cujos filhos não frequentam a Green Meadow.
Não vai demorar para que esses pais não possam mais alegar questões religiosas. Em 13 de junho, legisladores estaduais de Nova York votaram pelo fim das isenções religiosas e de outras sem caráter médico como justificativa para a não imunização, superando a oposição dos céticos da vacinação e dos apoiadores da liberdade religiosa.
O Condado de Rockland registrou 266 casos de sarampo nos últimos nove meses, embora mais pessoas estejam sendo vacinadas, de acordo com os últimos dados da área da saúde. As autoridades temem que centenas de outros casos de sarampo não tenham sido notificados.
O dr. Michael L. Weitzman, professor de pediatria e saúde pública da Universidade de Nova York, disse que as autoridades da área da saúde agora estão voltando a atenção para outros bolsões de crianças não imunizadas para além dos bairros de judeus ultraortodoxos, incluindo as escolas Waldorf.
Problema evitável
“Esse é um problema tão triste quanto evitável, que pode levar a consequências trágicas, não apenas para a criança não imunizada e afetada, mas para qualquer indivíduo não imunizado que entre em contato com ela”, disse Weitzman.
Em entrevistas, os pais de Green Meadow garantiram que o ceticismo deles não estava baseado em ignorância, mas sim em pesquisas próprias. Eles disseram que exploraram a internet e bibliotecas públicas em busca de informações sobre vacinas e depois compartilharam suas conclusões entre si.
Elizabeth, que disse ter um mestrado em políticas de saúde pública, sugeriu estudos comparativos entre crianças vacinadas e não vacinadas durante um período prolongado. “Vamos fazer isso e ver quão saudável todo mundo é”, provocou. Os defensores da imunização observaram que estudos como o proposto já foram realizados.
Médicos na Dinamarca e em outros países com sistemas nacionais de saúde e registros médicos centralizados acompanharam centenas de milhares de crianças por décadas e concluíram que as vacinas são seguras, previnem doenças e não causam autismo.
Para outro pai, Paul, “a ciência está atrasada nesse assunto. Há muita pesquisa atual que parece indicar um grande lado negativo das vacinas e que não ter contato natural com o vírus do sarampo selvagem também priva você de alguns benefícios para a saúde”, argumentou.
As autoridades da área da saúde contra-argumentaram que o ponto de vista de Paul, absolutamente equivocado, é típico da desinformação que se espalha entre os opositores da vacina.
Pediatras e epidemiologistas alegam que as suspeitas contra as vacinas surgem, em grande parte, porque as consequências do sarampo e de outras infecções desapareceram da memória coletiva.
“Vi crianças morrerem de sarampo, crianças devastadas pela rubéola, crianças ficando estéreis por causa da caxumba. Os pais podem ter esse tipo de opinião porque eles não viram a destruição que essas doenças podem causar”, concluiu Weitzman.