Saúde e Bem-Estar

O que celíacos, veganos e intolerantes precisam fazer para equilibrar a dieta

Camila Kosachenco, Agência RBS
16/05/2018 07:00
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Dietas em que há restrição de alimentos precisam de ajustes para serem equilibradas. Foto: Maarten Van Den Heuvel/Unsplash.

Low carb, cetogênica, paleolítica, alcalina, sem glúten, vegetariana. A lista de dietas existentes é enorme e parece só crescer. Mas enquanto uns procuram nesses planos alimentares a solução para problemas com a balança, outros veem neles um estilo de vida ou o tratamento para algumas doenças. É o caso das pessoas que seguem dietas restritivas por opção, como vegetarianos e veganos, ou por obrigação, como os celíacos e os intolerantes à lactose.
Independentemente da motivação para aderir a uma dieta que restringe determinados alimentos, é preciso cuidado para manter o equilíbrio nutricional. Não dá para simplesmente eliminar um grupo inteiro de alimentos do prato. É preciso compensar as perdas que vêm com esse corte – e sempre contar com a ajuda de um profissional da nutrição.
“A pessoa não pode se dar ao luxo de só sentar e pesquisar na internet. Ela precisa de orientação profissional para não ter prejuízos. Esse acompanhamento nutricional não precisa ser pela vida inteira, é só até que ela consiga fazer as combinações corretas” justifica a vice-presidente da Associação Alagoana de Nutrição, Viviane Ferreira, nutricionista que atende ao público vegano e vegetariano.

Mudança de toda a família

Além de aprender a equilibrar os nutrientes, quem segue uma dieta restritiva enfrenta o desafio de adaptar as refeições à rotina social. No caso dos celíacos, por exemplo, é preciso que a família se engaje e aprenda a ler rótulos e a identificar a presença do glúten nos alimentos.
“Na minha prática, vejo que os pais de crianças celíacas ficam apreensivos com a rotina do filho na escola e em festinhas. Não sabem se devem ou não inclui-lo nesses cenários” comenta a nutricionista do Hospital da Criança Conceição Daisy Lopes Del Pino, que atua no Ambulatório de Doença Celíaca da instituição.
Apresentamos algumas dessas dietas e os cuidados que se deve ter ao aderir a elas.  Lembrando que toda e qualquer mudança na alimentação deve ser orientada por um especialista:

Vegetarianismo

O QUE É?
Via de regra, os vegetarianos são aqueles que eliminam todas as carnes das refeições. Entretanto, há algumas subdivisões dentro do próprio vegetarianismo que dizem respeito a maior ou menor restrição a determinados alimentos.
Legumes, tais como repolho e cenoura, fontes de carboidrato provenientes de batata e cereias integrais são alimentos que integram a dieta nórdica. Foto: Bigstock
Legumes, tais como repolho e cenoura, fontes de carboidrato provenientes de batata e cereias integrais são alimentos que integram a dieta nórdica. Foto: Bigstock
Há aqueles que consomem ovos (ovovegetarianos), leite e derivados (lactovegetarianos), leite e ovos (ovolactovegetarianos) ou que eliminam tudo o que é de origem animal, os chamados vegetarianos estritos – que é diferente do veganismo (leia mais abaixo). Segundo Viviane Ferreira, vice-presidente da Associação Alagoana de Nutrição, a adesão a essas restrições ocorre, principalmente, por questões relacionadas à ética animal e à saúde.
QUAIS OS BENEFÍCIOS?
Eliminar as carnes do cardápio pode ser benéfico para o organismo. Esse tipo de dieta já é estudado por seu potencial de prevenir doenças do coração, o câncer de intestino e reduzir os índices de obesidade.
“Quando se tem uma alimentação vegetariana, há um aporte maior de vitaminas e minerais, que atuam na prevenção de doenças. O consumo maior de fibras também traz benefícios para o coração e o intestino”defende a nutricionista Cristiane Parizotti, que atua no segmento esportivo e vegetariano.
O QUE CUIDAR?
A nutricionista Cristiane aponta que o principal equívoco de quem corta as carnes é aumentar a ingestão dos carboidratos como batata, arroz e massas.
“É comum faltarem no cardápio as leguminosas como feijão e lentilha, ou mesmo outros alimentos como castanhas, nozes, chia e linhaça” afirma.
Além do exagero no consumo de carboidratos, é preciso ficar atento à ingestão de proteína, ferro e vitamina B12. Para suprir as necessidades de proteína, a orientação é apostar em grãos e seus derivados, como as farinhas.
O grão-de-bico, por exemplo, é um grande curinga. Ele é uma excelente fonte proteica, de ferro e de triptofano, aminoácido relacionado ao humor e ao bem-estar” fala Viviane.
Quinoa, amaranto, lentilha, feijão e ervilha são outras boas opções, lembrando que essas três últimas devem ser harmonizadas com um cereal – arroz, por exemplo – para otimizar a proteína.
Já o ferro pode ser obtido por meio do consumo de folhas de cor verde-escura. Rúcula, alfaces, agrião e ora-pró-nobis (planta alimentícia não convencional) são alguns dos alimentos capazes de suprir a ausência das carnes – lembrando que a absorção do ferro só ocorre quando ele é associado a uma fonte de vitamina C.
A Ora-pro-nóbis pode ser usada no preparo de alimentos, como quiches e omeletes e até em sucos. Foto: Hugo Arada/Gazeta do Povo
A Ora-pro-nóbis pode ser usada no preparo de alimentos, como quiches e omeletes e até em sucos. Foto: Hugo Arada/Gazeta do Povo
A falta de vitamina B12 – que está relacionada a danos neurológicos e perda de memória -, não é, de acordo com Viviane, o maior dos problemas.
“Cerca de 40% dos pacientes onívoros (que comem carne) têm deficiência de B12, contra 50% dos vegetarianos” diz.
Embora só seja encontrada em alimentos de origem animal, a B12 já é sintetizada em laboratório e pode ser suplementada tanto em vegetarianos quanto em veganos, quando necessário.
PRECISA SUPLEMENTAR?
Depende. Quando a prescrição da dieta é feita por um profissional e seguida corretamente, o risco de ter alguma deficiência é menor. Contudo, é preciso ter acompanhamento para avaliar a necessidade ou não de usar suplementação proteica, de ferro e/ou de B12.
QUEM PODE SEGUIR?
Não há contraindicação para seguir uma dieta livre de carnes, que inclusive é recomendada para todos os ciclos de vida pela American Dietetic Association. Isso inclui crianças, gestantes e atletas.
“Não há problema, desde que haja todo o acompanhamento profissional por trás. Tenho pacientes que não têm contato com a carne desde a barriga da mãe e são saudáveis. Mas claro, até os dois anos, a gente precisa prestar atenção na suplementação” defende Viviane.
Você pode substituir…
O cálcio do leite por gergelim, semente de girassol e semente de abóbora, e a proteína da carne por grão-de-bico, quinoa, amaranto, lentilha, feijão e ervilha. Grãos são importantes fontes desse nutriente.
Grão-de-bico. Foto: Bigstock.
Grão-de-bico. Foto: Bigstock.

Atenção!

Qualquer dieta restritiva deve ser feita obrigatoriamente com acompanhamento especializado. Quem adere a esses planos alimentares precisa, principalmente, de informação, destaca a nutricionista Gabriela Port:
“É importante para ter autonomia em ocasiões que fogem da rotina. O que fazer quando você vai a um restaurante e a única opção sem produtos de origem animal é a batata frita, por exemplo? É preciso chegar em casa e complementar essa refeição”.
Organização e planejamento também são fundamentais para o sucesso dessas dietas, justamente para fugir de situações em que os alimentos ofertados não são balanceados.
Gestantes adeptas desses regimes também devem ficar atentas. Embora não haja proibição, o médico Marcio Zillig, coordenador do programa de residência em Ginecologia e Obstetrícia do Conjunto Hospitalar Mandaqui, de São Paulo, ressalta que é fundamental que o médico seja informado da dieta.

“Muitas dessas mulheres fazem a dieta sem orientação específica. Não é obrigatório comer carne, mas precisa suplementar ou com alimentos ou com polivitamínicos” diz.

Dessa forma, ele orienta que as grávidas tenham um acompanhamento multidisciplinar para não haver prejuízos.

Veganismo

O QUE É?
Diferente do vegetarianismo estrito, o veganismo é considerado um estilo de vida no qual seus adeptos buscam, dentro do possível, evitar o sofrimento animal, explica a nutricionista Cristiane Parizotti. Isso vai além da alimentação e se estende para o não uso de roupas de couro ou de lã, e de cosméticos e produtos testados em animais.
QUAIS OS BENEFÍCIOS?
Nutricionalmente, os benefícios são semelhantes ao do vegetarianismo. A dieta é considerada benéfica sob ponto de vista da proteção cardiovascular, controle da obesidade e prevenção a alguns tipos de câncer.
O QUE CUIDAR?
A nutricionista Viviane Ferreira observa, na prática clínica, que os veganos acabam se preocupando mais com os direitos dos animais do que com a própria saúde. Por isso, muitas vezes optam pela restrição sem seguir a orientação de médico ou nutricionista, gerando um desequilíbrio nutricional.
Além dos cuidados com o aporte proteico, de ferro e vitamina B12, os veganos têm de abrir o olho para o cálcio, mineral que atua na saúde dos ossos e é encontrado no leite e em seus derivados. Para mantê-lo em níveis normais, a recomendação é utilizar vegetais ricos no nutriente, como o gergelim branco e o negro – que tem 10 vezes mais cálcio do que a versão clara.

“Por ser uma semente pequena, precisa triturá-la para romper a casquinha” ensina Viviane.

Sementes de girassol e abóbora também são opções que podem ser utilizadas para suprir o déficit de cálcio.
PRECISA SUPLEMENTAR?
Vale a mesma regra dos vegetarianos.
QUEM PODE SEGUIR?
Assim como o vegetarianismo, não há restrição para veganos, desde que a dieta seja acompanhada por nutricionista ou médico. Tanto a Academy of Nutrition and Dietetics quanto a American Academy of Pediatrics, entidades norte-americanas, concordam que esse plano alimentar pode ser seguido por bebês e crianças, quando bem planejado.

Doença celíaca

O QUE É?
É uma reação do sistema imunológico à ingestão do glúten. Em contato com essa proteína, os celíacos têm uma resposta inflamatória no intestino: as vilosidades do órgão, responsáveis pela absorção de nutrientes, ficam danificadas. Como consequência dos problemas de absorção, os pacientes podem apresentar anemia, intolerância à lactose, desconforto e distensão abdominal e diarreia.
A manifestação da doença pode ser muito intensa, com quadro de desnutrição severa e anemia importante. Nesse grupo de pessoas, o diagnóstico é mais precoce. Aqueles com sintomas mais leves têm a confirmação mais tardia, na faixa dos 30 anos” afirma o gastroenterologista Paulo José Carvalho, membro da Federação Brasileira de Gastroenterologia.
QUAIS OS BENEFÍCIOS DE CORTAR O GLÚTEN?
A dieta isenta do glúten, presente no trigo, na cevada e no centeio, é recomendada como único tratamento para pessoas que têm a doença celíaca. Quem opta por retirar produtos que contenham essa proteína por conta própria, em tese, não obtém benefício algum.

“Cientificamente, não há comprovação de que o glúten faça mal. Se consumido adequadamente, não fará mal. Mas a vida ocidental é dependente do trigo: come-se muito pão, bolacha, massa. O ideal é variar e ingerir menos produtos com a proteína” sugere a nutricionista do Hospital da Criança Conceição Daisy Lopes Del Pino, que atua no Ambulatório de Doença Celíaca da instituição.

O QUE CUIDAR?
O ponto fundamental do celíaco é ter o diagnóstico da doença, que afeta diretamente a absorção dos nutrientes, podendo levar à desnutrição e anemia. Uma vez que o glúten é retirado da dieta, as vilosidades do intestino voltam ao normal, assim como a absorção dos nutrientes. Além dos cuidados com a contaminação cruzada – uma fôrma usada para fazer um bolo com glúten não pode ser utilizada para preparações isentas de glúten, por exemplo -, os celíacos precisam aprender a ler os rótulos, pois muitos industrializados utilizam matérias-primas com essa proteína.
“Não dá para usar o mesmo pote plástico, fôrmas e esponja, por exemplo” destaca Daisy.
Outra questão que merece atenção é como substituir as farinhas com essa proteína sem perder nutrientes. Segundo Daisy, as dietas sem glúten são pobres em vitaminas do complexo B, podem ser deficientes em ferro – pois a maioria das farinhas de trigo são enriquecidas com o mineral -, e também podem ser carentes em fibras:
“As farinhas substitutas, como de arroz e de milho, são muito processadas. Portanto, recomendamos incluir hortaliças e alimentos ricos em fibras”.
Em decorrência da má absorção, quem tem doença celíaca também pode desenvolver intolerância à lactose, o que pode prejudicar sua ingestão de cálcio.
CUIDADO COM A AVEIA
Embora não tenha glúten, a aveia brasileira é cultivada ou processada em ambientes próximos ao trigo, o que provoca contaminação cruzada.
QUEM PODE SEGUIR?
Pessoas com diagnóstico de doença celíaca são as únicas beneficiadas. Não há comprovação de que a população em geral tenha algum ganho com a retirada do glúten da alimentação.

Intolerância à lactose

O QUE É?
É a incapacidade de absorver a lactose, carboidrato complexo presente no leite e em seus derivados.
“A lactose é composta por uma molécula de glicose e outra de galactose. Nessa forma, nosso intestino não consegue absorver, pois é muito grande. Precisamos ter uma enzima, chamada lactase, que divide a lactose em dois” ilustra o gastroenterologista Paulo José Carvalho.
Foto: Bigstock.
Foto: Bigstock.
Segundo o médico, como todos os mamíferos, os seres humanos nascem com a lactase. No entanto, ao crescerem, a taxa da enzima cai, se mantendo em um nível em que consegue absorver a lactose normalmente.
“A intolerância é quando essa taxa cai demais e não se consegue absorver nem o mínimo necessário” completa.
Os intolerantes, além do problema de absorção, podem ter sintomas como desconforto abdominal, diarreia e até constipação. Diferentemente da doença celíaca, o tratamento não se limita necessariamente à retirada de lácteos e derivados. Uma saída nesses casos é ingerir a enzima lactase antes de consumir lácteos. Ela pode ser utilizada sempre sem nenhum prejuízo à saúde. Outras opções são conhecer o teor de lactose dos alimentos (mesmo intolerantes suportam entre 10mg e 12mg de lactose por dia, equivalente a um copo de leite) e restringir ou evitar o consumo deles.
QUAIS OS BENEFÍCIOS OS LÁCTEOS?
Para intolerantes, a retirada dos lácteos ou o uso da enzima lactase eliminam os sintomas de desconforto abdominal, diarreia e até constipação. Para a população em geral, não há benefício.
“Usar a enzima se a pessoa a produz naturalmente é jogar dinheiro fora” critica Carvalho.
LEITE SEM LACTOSE
É o leite normal acrescido da enzima lactase. É bom lembrar que nenhum produto sem lactose é 100% livre desse carboidrato. Eles somente têm um teor menor de lactose.
O QUE CUIDAR?
Intolerantes podem optar por retirar lácteos e derivados ou também utilizar a enzima da lactase antes de consumi-los. Para não prejudicar a saúde, a dica para quem corta esses produtos da alimentação é buscar os nutrientes, principalmente o cálcio, em fontes vegetais, de forma semelhante aos vegetarianos e veganos. Hoje, já existe no mercado uma grande variedade de leites e até de queijos vegetais – contudo, eles costumam ser bastante caros.
Outro cuidado que os intolerantes precisam ter diz respeito aos medicamentos: alguns deles utilizam a lactose em sua fórmula-base, portanto, é bom abrir o olho e ler a bula. Alguns adoçantes, como o aspartame, também têm a lactose na formulação.
“Ela é usada na indústria com frequência” aponta o médico gastrenterologista Carvalho.
QUEM PODE SEGUIR?
Pessoas que tenham intolerância à lactose.
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