Como identificar os transtornos alimentares antes que seja tarde demais
New York Times, por Jane E. Brody,
29/08/2018 17:00
Estudos sugerem que até metade das garotas e 30% dos garotos entre 13 e 18 anos tenham hábitos alimentares seriamente distorcidos. Foto: Bigstock
Transtornos alimentares representam sérios riscos a adolescentes e jovens adultos, principalmente porque quase sempre são escondidos da família, dos amigos e até dos médicos até acabarem causando danos irremediáveis à saúde e se tornarem altamente resistentes a qualquer tratamento.
De acordo com o Instituto da Família da Universidade Northwestern, quase 3% dos indivíduos na faixa etária dos 13-18 sofrem desse mal, incluindo meninos e meninas. E mesmo que não chegue ao nível do diagnóstico clínico, alguns estudos sugerem que até metade das garotas e 30% dos garotos dessa idade tenham hábitos alimentares seriamente distorcidos, que podem causar efeitos adversos em termos físicos, acadêmicos, psicológicos e sociais.
Segundo a Dra. Laurie Hornberger, especialista em medicina adolescente do Children’s Mercy Kansas City, eles podem ser fatais.
“A pessoa pode morrer em decorrência de complicações médicas, sim, mas é muito mais provável que cometa suicídio porque se cansa de ter a vida controlada por questões alimentares e alimentícias.”
O problema é especialmente comum entre ginastas, dançarinos, modelos, lutadores e outros atletas que têm dificuldade de se manter ultraesguios ou respeitar os limites restritivos de peso, mas não se limita a eles; a população trans, por exemplo, corre alto risco de desenvolvê-lo.
Nem sempre “logo passa”
É comum que os adolescentes adotem comportamentos alimentares estranhos ou extremos, tanto que muitos pais pensam “Ah, isso logo passa”. Entretanto, os especialistas dizem que a anorexia, a bulimia e a compulsão não devem jamais ser consideradas atitudes “normais” dessa idade, aconselhando que os adultos fiquem alertas para qualquer sinal e tome as medidas necessárias para resolver o problema antes que se torne arraigado.
A importância do diagnóstico precoce foi destacada recentemente por um comitê do Conselho Norte-Americano de Obstetrícia e Ginecologia, cujos membros volta e meia precisam explicar as irregularidades menstruais e outras consequências dos hábitos alimentares anormais de mulheres e meninas.
O Comitê para o Cuidado com a Saúde Adolescente observou, em artigo publicado em junho, que “mulheres adultas e adolescentes com transtornos alimentares podem apresentar um ou mais irregularidades ou sintomas ginecológicos“. Entre eles, atraso na puberdade, menstruação irregular, interrupção completa dos períodos menstruais, dores pélvicas, vagina inflamada, seca e com paredes mais finas e encolhimento dos seios.
Embora tais sintomas geralmente se corrijam sozinhos quando se readquire hábitos alimentares normais e ocorre ganho de peso, certos efeitos, especialmente os mais duradouros, podem ter consequências graves e perenes na saúde. Um deles é o desenvolvimento insuficiente da densidade óssea em um momento crítico de crescimento, resultando em altos riscos de fraturas para o resto da vida; o outro é o dano causado ao trato digestivo superior e às glândulas salivares devido à indução frequente ao vômito, prática comum aos bulímicos, com possibilidade de desenvolvimento de câncer.
Segundo a Dra. Anne-Marie Amies Oelschlager, pediatra e ginecologista de adolescentes do Hospital Infantil de Seattle e uma das autoras do novo relatório, muitos jovens “não percebem que o transtorno alimentar de que sofrem tem um impacto de longo prazo. Durante a adolescência, você acumula densidade óssea, estabelecendo, de fato, um tipo de ‘poupança’, que é o que vai garantir a força dos ossos para o resto da vida”.
Avaliação multidisciplinar
Embora o tratamento dos transtornos alimentares esteja além do escopo da prática ginecológica, o comitê pediu aos membros do comitê da especialidade que identifiquem e analisem as pacientes com risco de terem algum problema alimentar e determinem as que exigem mais avaliações e terapias multidisciplinares, se necessário.
Uma reversão geralmente exige tratamento físico e psicológico, inclusive com hospitalização imediata para que se estabilize o paciente antes que a terapia possa ser iniciada.
O primeiro passo, no entanto, é reconhecer sua possível presença. Segundo sugestão do comitê, como parte do exame, o médico deve perguntar ao jovem “como ele se sente em relação ao próprio peso, o que tem comido recentemente e quanto tem se exercitado”, fazendo, na sequência, o exame físico e os testes laboratoriais.
Não só os pais como outros parentes e amigos podem ter um papel essencial na determinação do transtorno do adolescente e no estímulo ao início da terapia de modo a evitar consequências mais sérias. Destacando que “os comportamentos alimentares pouco saudáveis podem passar despercebidos aos pais”, o Instituto da Família divulgou os sinais que podem indicar problemas:
Veja os sinais que indicam problemas
> Restrição de um número cada vez maior de grupos alimentares sem que haja uma substituição. “O jovem anuncia que quer seguir uma dieta mais saudável e aí elimina o açúcar, depois os carboidratos, em seguida as gorduras e, de repente, não está comendo praticamente nada.”
> Emagrecimento drástico. O adolescente fica obcecado com os números na balança e continua a querer emagrecer, apesar de não haver evidências de problemas de peso.
> Visitas constantes e demoradas ao banheiro, especialmente se há barulho de água corrente para disfarçar o barulho do vômito que é parte do ciclo de ingestão excessiva e eliminação (“binge and purge”) da bulimia.
>Exercícios físicos em excesso, principalmente quando combinados a hábitos alimentares restritivos.
>Afastamento de atividades que envolvam comida, como refeições familiares e/ou festas de amigos. Comentários do tipo “Vou comer no quarto” ou “Não estou com fome, comi muito no almoço” podem ser sinais pouco saudáveis de se evitar a alimentação.
Saiba o que fazer:
Quando um ou mais desses indicadores estão associados a sintomas como redução de energia, isolamento, irritabilidade e retração social, é aconselhável procurar ajuda profissional, aconselha o instituto – e, de preferência, em um centro especializado.
“Uma das coisas mais difíceis é ver um jovem enfrentar o transtorno alimentar; acontece que, assim como o próprio paciente, muitos pais também preferem ignorar ou negar o problema”, afirma a Dra. Nancy Sokkary, outra autora da análise do comitê, especializada em Pediatria e Ginecologia Adolescente do Hospital Infantil Navicent de Macon, na Geórgia.
A possibilidade de um tratamento errado é outro obstáculo. De acordo com a médica, muitos profissionais podem receitar anticoncepcionais orais erroneamente para uma garota cujo ciclo menstrual irregular ou ausente na verdade é causado por um transtorno alimentar. A pílula mascara o problema e dificulta o monitoramento detalhado de um tratamento bem-sucedido, indicado pelo retorno do ciclo menstrual normal.
“Além disso, o estrogênio presente nesses contraceptivos não ajuda a restaurar a densidade óssea mineral normal; de fato, muitas vezes só a piora. A recuperação do peso é a terapia mais eficaz para recuperá-la”, afirmou, concluindo a entrevista.