Saúde e Bem-Estar

Remédios controlados, tomados desde a infância, podem viciar na vida adulta

Amanda Milléo
07/04/2017 09:00
Thumbnail

(Foto: Bigstock)

Cada vez mais crianças têm recebido o diagnóstico de Transtornos de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) no Brasil e no mundo. Além da polêmica de que os remédios prescritos para essas condições nem sempre são, de fato, necessários, muitos pais não percebem algo ainda mais grave se formando na cabeça dos filhos desde muito cedo. As crianças são induzidas a pensarem que, por terem um “problema”, precisam de um remédio para manterem o “controle”. Assim, abrem a porta de um futuro vício.
Para a tristeza dos pediatras e pesquisadores em saúde infantil, não é mais tão difícil conseguir um medicamento opioide ou anfetaminas para crianças e adolescentes no Brasil. Qualquer médico tem a permissão de prescrevê-los, sem a necessidade de uma especialidade em psiquiatria ou psicanálise. O país ocupa o segundo lugar na lista dos maiores prescritores desses remédios, perdendo apenas para os Estados Unidos, cujo cenário é ainda pior.
Cerca de 1/4 dos adolescentes norte-americanos do último ano do Ensino Médico confirmaram que fazem uso médico e mesmo não-médico dos opioides, de acordo com comunicado divulgado no fim de março pela Academia norte-americana de Pediatria. A mesma quantidade de jovens afirmou que o primeiro contato com esse tipo de medicamento se deu através de uma consulta médica, depois de um procedimento cirúrgico, por exemplo.
“Crianças nunca deveriam receber a prescrição de opioides. São drogas com efeito para reduzir a sensibilidade à dor, como a codeína, a heroína, que são drogas pesadas. Em adolescentes, deveriam ser prescritos de forma muito pontual, em casos graves de dor severa, e jamais como um analgésico comum. No Brasil hoje essa prática tem sido disseminada porque não temos só pediatras atendendo nos postos de saúde. A Sociedade Brasileira de Pediatria tem isso bem claro: pediatras não prescrevem opioides para crianças”, explica Luci Pfeiffer, médica pediatra, psicanalista e presidente do Departamento Científico de Segurança da Sociedade Paranaense de Pediatria (SPP).
Quanto aos adolescentes, como eles não estão mais tão presentes nos consultórios pediátricos, as receitas de opioides fogem do controle dos especialistas. Com isso, aumenta-se o risco das sequelas que o medicamento traz ao desenvolvimento. “O opioide tem uma ação altamente sedativa. Em uma criança, você atrapalha todo o caminho do desenvolvimento. Não há estudos a longo prazo para saber os danos reais na infância, mas na adolescência, da mesma forma, você tem o efeito sedativo e todos os efeitos do vício. Todo opioide tem uma ação de vício muito maior que em outros sedativos comuns”, completa a médica pediatra e psicanalista.

“Não se trata de uma dependência apenas química, mas também psíquica. A criança que cria uma rotina de tomar o remédio de manhã para estar atenta na escola e outro na hora do almoço para a tarde, isso traz a ideia de que: ‘Eu preciso do remédio para funcionar bem. Eu tenho um problema'” – Luci Pfeiffer, médica pediatra e psicanalista.

Meu filho não toma anfetamina!
Se a criança fez uso de medicamentos para o controle do TDAH, é bem provável que ela tenha entrado em contato com as anfetaminas, sendo a mais comum delas a Ritalina, para esses casos. O diagnóstico da doença, de acordo com Luci Pfeiffer, médica pediatra e psicanalista, é feito rapidamente, baseado nos sinais que a criança demonstra geralmente na escola e em casa, como agressividade, incapacidade de focar em um assunto ou de prestar a atenção em uma atividade por um tempo maior.
“Hoje, quando a criança não atinge o mesmo nível que os colegas, ela recebe o diagnóstico. Os adultos não pensam nos fatores que podem interferir na atenção dessa criança, se há problemas em casa, se há problemas com o pai ou com a mãe. Há tantas coisas no universo infantil que atrapalham a atenção e que não significa que há um dano orgânico que precise de medicação”, explica a médica.
Pfeiffer categoriza como uma “violência química” o que é feito com as crianças e adolescentes atualmente: quando se impõe à criança produtos que atrapalham ou influenciam o seu desenvolvimento de forma desnecessária. 
“As anfetaminas são excitantes do sistema nervoso central. Hoje os adultos usam como forma de aumentar a produtividade, mas é algo ilusório. Muitos vestibulandos usam como forma, teoricamente, de melhorar a atenção. Mas ela na verdade zera a capacidade de produção e cria a falsa ideia de aumento da produtividade porque eleva o metabolismo. Além de gerar o vício“, diz Luci Pfeiffer.
Leia mais