Saúde e Bem-Estar

Crianças grudadas no smartphone têm risco de desenvolver sintomas semelhantes ao autismo

Amanda Milléo
22/06/2019 08:00
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Crianças expostas exageradamente às telas, e com predisposição genética, podem desenvolver autismo (Foto: Bigstock)

Nenhum especialista é capaz de apontar para o principal (ou maior) motivo que leva ao desenvolvimento de autismo. Sabe-se que a condição é formada por uma mescla de fatores genéticos e ambientais, e mesmo estes são poucos os conhecidos.
Pesquisadores estão, agora, percebendo que expor de forma exagerada as crianças às telas (sejam de smartphones ou celulares, computadores ou mesmo a televisão) seria suficiente para que uma condição semelhante ao autismo surgisse, denominada de “autismo virtual”.

“Não se trata de um termo médico [autismo virtual]. Foi um termo criado agora, por um pesquisador romeno, que indica o autismo desenvolvido pelo uso excessivo de telas. Na criança que já teria a genética do TEA [Transtorno do Espectro Autista], as telas seriam um ativador”, explica Terezinha Rocha de Almeida, neuropediatra, neurofisiologista e diretora médica do Núcleo de Atenção a Crianças Especiais e coordenadora da Pesquisa Preaut – Brasil.

A pesquisa citada pela especialista foi publicada em 2018 pela revista científica Journal of Romanian Literary Studies, por mesclar conhecimentos da comunicação e mídia com psicologia e saúde. O pesquisador romeno Marius Teodor Zamfir conduziu uma survey com 62 crianças com autismo, na Romênia, onde comparou dois grupos: um que havia sido exposto a mais de quatro horas/dia em um ambiente virtual; e outro que não havia passado tanto tempo assim diariamente, entre as idades de zero a três anos.

“Isso [os resultados] sugerem que a privação sensorial-motora e sócio afetiva, causada pelo consumo de mais de quatro horas/dia de um ambiente virtual, poderia ativar comportamentos e elementos similares a aqueles encontrados em crianças diagnosticadas com desordem do espectro autista. A partir da survey, definimos essa forma de autismo como: Autismo Virtual”, explica o pesquisador na descrição do estudo.

Para entender o que seria esse autismo virtual, e outras questões relacionadas ao autismo, o Viver Bem conversou com a médica Terezinha Rocha de Almeida, durante evento voltado aos profissionais da saúde do Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba, no início de junho. Confira!

Qual seria o tempo adequado de exposição das crianças às telas, sejam elas os smartphones, tablets ou computadores?

Nada contra as redes, mas a criança só poderia estar exposta a duas horas de tela por dia, a partir dos quatro anos. Isso é preconizado em nossa linha, outras linhas preconizam outros horários. A criança tem que brincar livremente, tem que interagir com o humano, e ela está perdendo essa capacidade. Isso leva ao autismo virtual.

As telas seriam as causadoras desse tipo de autismo?

Isso seria um ativador na criança que já tiver a genética do TEA. Claro que você não vai tirar as telas da criança [para uma exposição] ao zero se ela já faz uso delas. Dentro da idade dela, a pessoa tem que começar a ‘desmamar’, a tirar aos poucos, a medida que for ofertando outras atividades de prazer. Por exemplo, brincadeiras lúdicas, conversas com os pais e com a família, com os amigos da escola e as brincadeiras livres. Essas perderam a credibilidade e a valorização que tinham no passado e foram sendo substituídas por jogos pedagógicos, na tentativa de ativar a cognição. Hoje vemos que essa não é a única área importante do comportamento humano.
Quais outras áreas do comportamento humano devemos ter em mente na hora de estimular as crianças?
Tem as áreas do social, do emocional, que também precisam ser ativadas. E quem as ativa? As brincadeiras livres. Aquelas de grupo, na rua, de roda, de correr, de se esconder no quintal ou no parque. Essas brincadeiras, hoje desvalorizadas, são importantes. O grande problema do autismo é a interação com o humano. Quando a criança com autismo entra no consultório, ele não vai atrás do humano, ele procura objetos, peças pequenas. Ele precisa de interação com gente. E se usar demais a tela, embora ela tenha a figura humana, não tem o humano.
Como é feito o diagnóstico do autismo?
Pelo CID-10 [Código Internacional das Doenças], só se pode fechar o diagnóstico do autismo aos três anos da criança. É uma questão legal. Você só pode dizer que a criança está com autismo quando ela completa três anos e apresenta no mínimo três sinais: problemas de interação social, problemas de linguagem, fixação ou rigidez em escolhas e atividades (objetos e brinquedos).
A popularização do  MMS aconteceu a partir de 2013, quando uma mãe, também norte-americana, lançou um livro contando como havia praticamente anulado todos os sinais severos de autismo de seu filho, seguindo um protocolo de sete passos. Foto: Bigstock
A popularização do MMS aconteceu a partir de 2013, quando uma mãe, também norte-americana, lançou um livro contando como havia praticamente anulado todos os sinais severos de autismo de seu filho, seguindo um protocolo de sete passos. Foto: Bigstock
É possível verificar os sinais precocemente? Quais os benefícios em identifica-los antes dos três anos?
O protocolo Preaut, criado na França, é um modelo de avaliação onde os profissionais conseguem captar sinais precoces do autismo, a partir dos quatro meses de vida. Assim, detectando antes, você tem condições de usar terapias multidisciplinares para que, se essa criança vier a apresentar o autismo no futuro, que ele seja de uma forma muito mais leve, com sintomas atenuados. Alguns não chegam nem a apresentar sintomas, eles voltam ao canal da normalidade. E, se a criança tiver uma genética forte, e um ambiente contraditório, na medida que se trabalha as diversas áreas, se os sintomas aparecerem, será de uma forma mais atenuada.

“No passado isso não era feito, e o que ocorria: você já trabalhava com o paciente com o autismo instaurado, que a gente chama de ‘cristalizado’ e, então, é muito mais difícil o tratamento. Pode atenuar, mas com mais dificuldade.” – Terezinha Rocha de Almeida, neuropediatra e neurofisiologista. 

Quão importante é o fator genético no desenvolvimento do autismo?
O potencial genético é muito forte. Mais de 40% da etiologia do autismo é genética, mas existem fatores ambientais também. O autismo é multifatorial. Trato famílias com três autistas em casa, e ainda primos e parentes com autismo. Ou seja, a genética dessa criança é forte. Se ele tem um ambiente adverso, desestruturado, chamamos de fatores ambientais de risco, e a criança não tem uma boa cobertura em termo de terapêutica que neutralize esses sinais, a tendência é que desenvolva um autismo de moderado a grave.
Tenho pacientes que mesmo usando todas as medidas terapêuticas não evoluíram muito bem, porque tinham um potencial genético muito forte e também porque o ambiente não colaborou. Família, escola são fundamentais. Quando o paciente tem uma escola que encontra uma metodologia adequada a ele, uma equipe multidisciplinar que sabe trabalhar bem as deficiências dele, uma família que aceita e colabora com o tratamento, ele tem tudo para evoluir bem – a não ser que tenha uma genética muito forte. Cada pessoa com autismo tem suas singularidades.
Existe diferença de diagnóstico entre meninos e meninas?
Existe, e é genético, comprovado cientificamente. São quatro meninos com diagnóstico para cada menina. Geralmente, o autismo nas meninas é mais grave. As meninas ganham na quantidade, já que os meninos são mais em número, mas em termos de gravidade, os meninos variam muito (de leve a moderado e poucos graves), enquanto elas são mais graves, alguns moderados e poucos leves.
Ainda há desconhecimento sobre o autismo?
Desconhecimento não, pelo contrário. Agora há uma confusão de conceitos. A informação é tanta, que as mães chegam com a criança no consultório e, mesmo não sendo autistas, já estão com o diagnóstico formado. Nada contra a internet, que também tem boas informações, mas é tanta informação, e às vezes anticientíficas, que confundem a cabeça dos pais e das escolas, e a criança já vem para gente com o diagnóstico, sendo que nem sempre é. Pode ser um distúrbio de linguagem, um transtorno de relação interpessoal, mas não autismo. No passado havia mais desinformação e sub diagnóstico. O autismo existia, mas estava preso em casa.
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