Abuso de descongestionante nasal causa dependência e aumenta risco cardíaco
por Mariana Ceccon, Especial para a Gazeta do Povo
05/06/2019 08:01
Mesmo que sejam aplicadas na mucosa nasal, essas substâncias podem cair na corrente sanguínea e quando são absorvidas podem causar arritmia cardíaca, dores de cabeça e hipertensão Foto: Bigstock
Bastam algumas gotinhas para o ar voltar a entrar pelas narinas e aquela sensação de entupimento, passar. Só quem convive com alergias e inflamações nas mucosas do nariz sabe o poder de influência que um bom descongestionante nasal pode ter em sua qualidade de vida.
Essa influência pode ser medida nas bolsas, gavetas e criados-mudos de seus usuários. Os frasquinhos contendo substâncias vasoconstritoras, como a nafazolina e a oximetazolina, estão em todo lugar. Não há viagem de final de semana que se sustente sem uma unidade extra na mochila, nem uma caminhada mais longa possível ou noite tranquila, sem uma boa aplicação para desobstruir as vias áreas.
Não é exagero dizer que esses hábitos caracterizam uma dependência dos descongestionantes, não só psicológica, como também química. Isto porque o uso contínuo desses medicamentos, que deveriam ser aplicados em períodos de no máximo três dias, causa justamente o efeito inverso do esperado por seus usuários: uma congestão crônica, provocada pela substância e a chamada rinite medicamentosa.
Outro problema é a dessensibilização, que ocorre quando o corpo para de reagir com as doses máximas recomendadas em bula.
“Os vasoconstritores são muito perigosos. Apesar de proporcionarem um alívio rápido para a sensação de entupimento, quando mal utilizados também levam a um efeito rebote, isso é, quando o efeito passa os vasos voltam a inchar e a tendência é o paciente usar de novo, de novo e de novo e em maior quantidade. Em poucos dias cria-se uma dependência”, explica o otorrinolaringologista Fabrizio Romano, vice-presidente da Academia Brasileira de Rinologia.
Na teoria, os vasoconstritores servem para comprimir os vasos que ficam inchados quando passamos por uma crise alérgica ou inflamatória, além de resfriados e gripes. São mais de 85 medicamentos oferecidos no mercado que oferecem essa ação rápida, com base nesse tipo de substância, de acordo com a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
“O problema é que mesmo que sejam aplicadas na mucosa nasal, essas substâncias podem cair na corrente sanguínea e quando são absorvidas podem causar arritmia cardíaca, dores de cabeça e hipertensão”, pontua o otorrinolaringologista Diego Malucelli.
“Fui internada após usar descongestionante nasal”
A estudante Maria Carolina dos Santos Coelho, de 20 anos, passou por um susto relacionado ao uso deste tipo de medicamento. Hipertensa, ela nem desconfiava que o uso contínuo da nafazolina poderia levá-la a uma internação. Desde a adolescência observando a mãe usar diariamente a substância para aliviar a sensação de entupimento, ela também passou a aplicar frequentemente, a partir dos 15 anos.
Pouco menos de três anos foi o suficiente para causar uma subida brusca em sua pressão. “Estava a mais ou menos uma semana aplicando direto o remédio. Fui parar no hospital porque estava com uma dor muito forte no rosto”, contou.
No local, os enfermeiros constaram que a pressão máxima da jovem estava em 17. “Fui internada durante uma madrugada, tomando medicação sublingual, mas nada abaixava a minha pressão. Foi uma coisa horrível”, conta.
Três anos depois a jovem diz que convive com as alergias. “Passei a usar soro fisiológico para aliviar, mas a verdade é que não dá o mesmo efeito. Sei que se eu não fosse hipertensa continuaria a usar o remédio com mais frequência. Hoje eu ainda aplico, mas muito raramente, somente um pingo quando estou com uma crise muito forte”, admite.
Não são apenas os hipertensos que devem cortar os descongestionantes de sua lista de compras. Correm risco também se usarem: gestantes, pacientes com doença cardíaca ou na tireoide, diabéticos, quem possui glaucoma e rinite crônica.
“Desmame” de descongestionante deve ser feito com diluição
O vício nessa substância é comum na Espanha. Por lá, os usuários chegam a se reunir em grupos online e pessoais para discutir formas de se livrar do uso da oximetazolina, a fórmula mais difundida no país para o efeito descongestionante.
Os relatos reunidos mostram a angústia e ansiedade dos usuários nos primeiros dias de privação das gotinhas.
“Estou tentando deixar o Respibien há oito anos”, escreveu o gerente Jonathan Roche sobre o medicamento mais popular na Espanha. “Mas a agonia de não poder respirar, não me permite parar. Se alguém puder me dar um conselho sobre como suportar as noites ruins, em que não conseguimos respirar, eu agradeceria”.
Entre um depoimento e outro os usuários revelam a ansiedade ao descobrirem que estão sem o medicamento por perto. O madrilenho Antonio Romero González contou que usou o medicamento diariamente por 10 anos. “Eu era incapaz de dormir, me mover ou fazer qualquer coisa sem uma pulverização. Era daquele tipo que mudava de farmácia cada vez que comprava, para não parecer um drogado. Saia no meio da madrugada se me dava conta de que não tinha um frasco extra”, contou ao grupo.
Depois de cinco dias sem usar a medicação ele contou o que sentiu. “A síndrome de abstinência é duríssima, especialmente a noite. Os sintomas da rinite ficam mais acentuados, as fossas nasais doem, os olhos também. Tosse, dores no corpo e irritação nas vias respiratórias também estão aparecendo”, relatou.
Para os otorrinolaringologistas brasileiros, uma boa estratégia para deixar o uso dos descongestionantes é a diluição do medicamento em soro fisiológico. “É difícil o tratamento, não conseguimos retirar de uma hora para a outra”, comenta o médico Diego Malucelli.
“Uma boa estratégia é ir diluindo em soro fisiológico e tentar retirar a substância aos poucos. E principalmente tratar as doenças de base que causam essa obstrução, como a rinite e a sinusite”, explica.
O vice-presidente da Academia Brasileira de Rinologia diz que uma substituição de componente também pode ser efetiva. “É possível suspender o uso imediatamente e entrar com alguma outra substância que não causa dependência, como um corticoide nasal ou descongestionante oral”, declara Romano. “Nós da Academia acreditamos que esses medicamentos apresentam risco grande e não deveriam ser vendido da forma indiscriminada como é hoje, por isso trabalhamos com alertas a população”, finaliza.
Em publicação oficial, a Anvisa informou que os descongestionantes tem eficácia e segurança aceitáveis testados durante o momento de registro das substâncias, mas alerta que ainda que utilizados corretamente, podem ocorrer “eventos imprevisíveis, desconhecidos e até mesmo graves”, decorrentes das aplicações.