Dieta rica em gordura ajuda a diminuir frequência de crise epiléptica
Flávia Schiochet
05/09/2018 08:10
Alimentos que tentam diminuir os radicais livres – que causam estresse em muitas células, são os mais indicados.Foto: Bigstock
Conhecida por ser um regime eficiente para emagrecimento rápido, a dieta cetogênica tem também aplicação à saúde: se adotada com rigor por no mínimo três meses, apresenta bons resultados para diminuir crises epilépticas. Mais de 50 milhões de pessoas sofrem de epilepsia no mundo e para 30% delas, que têm epilepsia refratária, o uso de medicação não é totalmente eficiente. É aí que entra a alimentação como complemento ao tratamento medicamentoso.
“A dieta é recomendada para pacientes que tomam dois medicamentos em dose máxima tolerada e mesmo assim têm crises epilépticas”, explica Bruno Takeshita, neurologista do Hospital Instituto de Neurologia de Curitiba. Adotar a dieta cetogênica pode diminuir até pela metade a incidência de crises epilépticas. “Um aumento considerável em qualidade de vida. Tem pessoas que têm até dez crises por dia”, exemplifica o neurologista.
Com 4 gramas de gordura para 1 grama de proteína e carboidrato, a dieta cetogênica é introduzida aos poucos até chegar a essa proporção. Assim como qualquer tratamento, a adoção desta dieta precisa ser prescrita e acompanhada por um médico nutrólogo e o paciente deve seguir com os medicamentos receitados pelo neurologista. “Um acompanhamento multiprofissional é o mais recomendado, e isto inclui psicólogo também, porque a alteração da dieta muda muito no dia a dia da pessoa”, recomenda Paulo Asaiag, nutrólogo.
Estima-se que depois de três ou quatro meses com a nova alimentação, há alterações perenes no funcionamento do corpo e o paciente pode começar a diminuir gradualmente a proporção de gordura para 3:1 e 2:1. “Se for constatado o controle das crises e diminuição de medicamento, as fontes de carboidrato podem ser gradualmente aumentadas, mas caso voltem as crises ou aumentarem as doses de medicação, pode ser necessário fazer a dieta cetogênica por mais um período”, alerta Asaiag.
Em seu site, a Associação Brasileira de Epilepsia recomenda gorduras insaturadas e saturadas, tais como óleos vegetais, castanhas, creme de leite, maionese e toucinho. De carboidratos, apenas os complexos, como frutas, legumes e verduras. As fontes de proteína recomendadas são as de origem animal, tais como ovo, carnes de ave, bovina e suína, peixes e frutos do mar, por terem maior biodisponibilidade de gordura.
Peixes gordos, como salmão, são recomendados, assim como pratos com bastante gordura, como pasta à carbonara e bacalhau com nata. A sugestão é trocar massas por espaguete de legumes, como abobrinha cortada em forma de espaguete. “Entra salada à vontade, como folhas e tomate. Porções de raízes e frutas são bem reduzidas. E as fontes de gordura são de alimentos naturalmente ricos como abacate, castanhas, carnes, coco, azeite de oliva”, indica Asaiag.
Como funciona?
E por que diminuir drasticamente o carboidrato e aumentar expressivamente o teor de gordura? Para funcionar, o cérebro precisa de uma fonte de energia, que pode ser, a grosso modo, carboidrato ou gordura. Uma dieta convencional tem pelo menos metade de sua proporção de carboidrato, como massas, cereais, frutas e o próprio açúcar. E açúcar, como se sabe, é um estimulante que causa picos de energia no corpo humano.
Um pico de energia não é bem o que precisa um cérebro que sofre de descargas de energia mais fortes, como em crises epilépticas. Para evitar a super excitação dos neurônios e um possível “curto-circuito”, o ideal é garantir ao cérebro uma fonte de energia estável, como os corpos cetônicos, provenientes da oxidação de gordura feito pelo fígado. “Os corpos cetônicos têm efeito sedativo no sistema nervoso central porque dão mais estabilidade neuronal. A glicemia é muito estimulante para o cérebro, mas em uma dieta rica em gordura faz o corpo produzir uma quantidade grande de corpos cetônicos e seu fornecimento não tem tanta variação durante o dia, por isso não há picos”, explica o nutrólogo.
Para que o corpo passe a usar gordura como fonte de energia, no entanto, é preciso diminuir ao máximo o fornecimento de carboidratos.
Ou seja: ingerir apenas 5% de massas, frutas e cereais (em vez de 50%) e aumentar para 90% a proporção de gordura na dieta. Os 5% restantes serão de proteína. Junto da dieta seguida à risca, o paciente deve suplementar vitaminas e sais minerais. “Caso o paciente não consiga adotar uma dieta cetogênica com a proporção de 4:1, mas puder diminuir a quantidade de carboidrato em comparação com a dieta convencional, já há benefícios”, diz Asaiag.
A adoção da dieta cetogênica no controle de epilepsia é um procedimento conhecido desde a década de 1920, quando médicos de uma clínica que tratavam crianças com epilepsia observaram que quando alguns pacientes praticavam jejum apresentavam menos crises epilépticas. “A quantidade de corpos cetônicos aumenta no sangue quando passamos muito tempo de jejum, porque não há ingestão de carboidrato”, explica o neurologista.
Com o avanço nas pesquisas de laboratórios, nas décadas de 1940 e 1950, medicamentos mais eficientes foram lançados e a dieta caiu em desuso. “Em 1990 a dieta começou a ser pesquisada novamente porque havia pacientes que não respondiam aos remédios. Procuraram alternativas, e a dieta cetogênica e o marca-passo no nervo vago foram algumas delas”, exemplifica Takeshita.
Fórmulas industrializadas
Por apresentarem atividade cerebral intensa, as crianças são as que mais podem se beneficiar da dieta cetogênica. “O ritmo cerebral da criança é bem maior que o do adulto e esse efeito sedativo dos corpos cetogênicos é mais importante para elas”, diz Asaiag, “mas o adulto também se beneficia. Há relatos de maior concentração depois do período de adaptação, que são cerca de 20 dias”, informa.
É comum fórmulas industrializadas sejam prescritas para crianças pequenas por garantirem a proporção exata de nutrientes e, assim, diminuir a incidência de crises epilépticas e aumentar a qualidade de vida. “As crianças tomam apenas a fórmula dissolvida em água. Sem a fórmula a alimentação teria de ser muito rígida: muito bacon, ovos, maionese, pouca ingestão de líquido para não diminuir a eficácia. Não pode comer pão, chocolate, tomar suco de fruta”, explica Takeshita.
Adultos também podem tomar a fórmula industrializada, mas a dificuldade (e a monotonia) dificultam levar a dieta por muitos anos. “A aceitação maior da fórmula industrializada é nos pacientes que têm algum grau de dependência nos cuidados diários, que aceitam o que o cuidador lhes servir”, diz Takeshita.
Efeitos colaterais
Um perigo é iminente quando se adota uma dieta rica em gordura: aumento do colesterol. Além disso, alterações gastrointestinais como constipação ou diarreia, azia e vômito também são relatados. Até o corpo se acostumar, a falta de carboidratos e a digestão pesada de gorduras faz a pessoa ficar sonolenta. Pedra no rim, incidência de infecção e deficiência em vitaminas e minerais são outras complicações possíveis.