Um estudo conduzido por pesquisadores da Dinamarca mostrou forte associação entre problemas cardiovasculares e o uso do diclofenaco, uma das drogas com ação anti-inflamatória mais consumidas em todo o mundo.
A chance de um consumidor de diclofenaco ter um problema grave, como fibrilação atrial, insuficiência cardíaca e infarto, chega a ser 50% maior do que aqueles que não usaram nenhum tipo de anti-inflamatório não esteroidal (ou Aine, classe à qual pertence o diclofenaco).
Em comparação ao uso de paracetamol (um analgésico) e ibuprofeno e naproxeno (outros Aines), o risco de quem usa diclofenaco ter alguma complicação cardiovascular grave é aumentado em 20%, 20% e 30%, respectivamente. A droga também aumenta o risco de haver sangramento intestinal.
“Na verdade, já tinha uma série de dados de estudos prévios, randomizados, que mostravam o efeito deletério dos anti-inflamatórios não hormonais, como o diclofenaco, para o coração. O que é realmente novo nesse estudo é o tamanho da análise e a metodologia, que é diferente. O resultado está alinhado com o que se imaginava, do aumento no risco”, explica Rodrigo Cerci, médico cardiologista e diretor científico da Sociedade Paranaense de Cardiologia.
Metodologia
O novo estudo, publicado na noite da última terça-feira (4) pela revista médica
British Medical Journal (BMJ),
investigou dados de mais de 6 milhões de pessoas, coletados entre 1995 e 2016. A Dinamarca, onde o estudo foi conduzido, mantém um registro das compras de medicamentos advindas de prescrições médicas e também dos eventos de relevantes de cada paciente, no sistema público de saúde.
Aqueles que tinham tido doenças como trombose, angina problemas de coagulação e outras condições cardiovasculares foram excluídos da pesquisa — e isso permitiu um cenário mais amplo do impacto do diclofenaco na saúde cardíaca em geral.
As análises foram computadas mês a mês, de janeiro de 1996 a dezembro de 2016. Ao longo dos 252 meses foram encontrados 1.465 eventos cardíacos graves em usuários de diclofenaco (0,1%) e 898 (0,07%) em quem não usava nenhum anti-inflamatório. Não foram avaliados os efeitos a longo prazo.
O estudo foi desenhado de forma a simular características de um ensaio clínico, com a entrada de pacientes com determinadas características (como uso ou não de determinados anti-inflamatórios) ao longo de um período de 20 anos.
Os pesquisadores, filiados ao Hospital Universitário de Aarhus, explicam que, como já se sabia da possibilidade de o diclofenaco ter efeitos cardiovasculares deletérios, seria antiético conduzir um novo estudo experimental com pacientes.
Por que o diclofenaco faz mal ao coração?
A provável explicação para as complicações cardiovasculares tem origem no bloqueio de enzimas pelo diclofenaco, o que gera os efeitos analgésico e anti-inflamatório. Enquanto a ciclo-oxigenase 2 (COX2) é eficientemente inibida, a ciclo-oxigenase 1 (COX1) para de funcionar por pouquíssimo tempo. Como consequência, uma molécula, o tromboxano A2, conhecida por favorecer a formação de trombos, fica com atividade aumentada.
Com esses resultados em vista, escrevem os pesquisadores, não há justificativa para prescrever o diclofenaco antes de tentar outros anti-inflamatórios. Eles ainda sugerem que as apresentações do remédio não sejam vendidas sem receita médica e que haja um alerta na embalagem sobre os riscos. Uma alternativa mais segura seria o ibuprofeno, dizem os autores.
“A mensagem geral é de cuidado com o uso desse anti-inflamatório, que são medicamentos comprados de forma indiscriminada no Brasil, e se prescreve também sem maior cuidado. É importante que os médicos pensam bem se é realmente necessária a prescrição dessa medicação, ou se não é possível usar outros medicamentos, com risco menor, como o paracetamol ou o ibuprofeno”, reforça Rodrigo Cerci, médico cardiologista.
Por ser um dos medicamentos anti-inflamatórios mais baratos, conhecido sob o nome comercial de Cataflan, é usado rotineiramente, especialmente em dores ortopédicas. “O risco se mostrou aumentado em 30 dias depois do uso. É muito pouco tempo”, lembra Cerci.
Além disso, afirmam os cientistas, todos os estudos de novas drogas que usaram o diclofenaco como base de comparação podem conter um erro grave de segurança, já que os valores de referência já seriam erroneamente elevados.
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