Fazer dieta restritiva engorda mais do que emagrece, diz nutricionista
Isadora Rupp
12/03/2018 07:00
Foto: Unsplash
Não fazer dieta pode emagrecer. Essa ideia pode soar como uma maluquice em um mundo em que a comida se reduziu a nutrientes, e que a cada dia ganha uma nova estratégia restritiva para o controle de peso — seja cortando carboidratos, glúten ou comendo só “bicho e planta” (o que prega a famosa dieta paleo, uma das queridinhas da vez).
Essas restrições calóricas e de nutrientes funcionam, sim. Só que em curto prazo: pesquisas apontam que de 90 a 95% das pessoas que fazem dietas restritivas conseguem perder peso, mas voltam a engordar. Mais: até dois anos depois da dieta, o metabolismo ainda não voltou ao normal e o feitiço se volta contra o feiticeiro: o corpo, assustado e faminto, pede comida e a fome é maior do que antes da restrição.
Quem explica essa dinâmica é a nutricionista franco-brasileira Sophie Deram. Há 18 anos no Brasil, e 30 dedicados aos estudos da área de nutrição, ela, que é doutora na USP e coordenadora do projeto genético do AMBULIM – Programa de Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, acaba de relançar, agora pela editora Sextante, o livro “O Peso das Dietas”, best-seller que chegou ao mercado pela primeira vez em 2014 — a nova edição inclui dados de estudos recentes e mais receitas, tanto de Sophie quanto de seus filhos e amigos.
“Quando eu lancei o livro eu tinha muito medo. Eu trabalhava em um ambulatório de universidade, com endocrinologistas que pregavam contagem de calorias” relata Sophie. Para ela, a obra fez sucesso porque ela escreveu para o grande público, mas o conceito também chegou ao meio acadêmico. “Hoje, meu livro já é recomendado nos primeiros anos da faculdade de nutrição, o que é fantástico. Meu conceito é de remar contra a maré das dietas, que estão cada vez mais restritivas e malucas, e ter mais amor e menos agressão contra o corpo.”
Na obra, a autora conversa com o leitor de forma didática — ver os relatos, dados e pesquisas que comprovam que as restrições deixam o nosso corpo assustado é um alívio, e também um alerta para quem vive seguindo o último modismo nutricional.
De acordo com Sophie, somos programados, biologicamente, para acumular gordura como forma de proteção, já que a comida era escassa. Logo, perder uma grande quantidade de peso em pouco tempo ou deixar de comer estressa nosso cérebro e corpo. “Um homem das cavernas que chegasse em nossa sociedade ficaria aliviado de ver comida tão abundante. Durante milhares de anos, o medo do homem foi não comer”, frisa.
“Fechar a boca”
Dentro dessa lógica, um dos principais mitos do emagrecimento “fechar a boca e malhar” cai por terra. Durante décadas, diz a nutricionista, essa foi a ideia disseminada. Mas não é tão simples assim, já que “o corpo reage às leis da biologia, e não da física”.
Quando nos exercitamos mais, temos mais fome, pois gastamos mais energia. E “segurar” esse apetite não é sustentável. “Isso logo vai te fazer comer mais. Por isso é preciso fazer as pazes com o corpo e entender que é um processo devagar. Milagres não funcionam. Comer melhor é comer mais em paz, respeitando a sua fome e com autoconhecimento: saber diferenciar se temos mesmo fome, ou se só estamos comendo por tristeza ou ansiedade”, ensina Sophie.
Pular de dieta em dieta também acaba com o nosso metabolismo: Sophie relata histórias de pacientes — inclusive há depoimentos também em seu canal do YouTube — de pessoas que fizeram tantas restrições que o metabolismo basal (energia que gastamos para nossas atividades básicas do dia a dia) caiu para 600, 900 calorias diárias. “É pouquíssimo, e a pessoa engorda mesmo comendo pouco, o corpo faz isso para se defender da escassez. E a receita nesse caso é voltar a comer normalmente, respeitando a fome. Imediatamente, a pessoa ganha peso, mas, depois, o metabolismo aumenta e ela emagrece. Nosso corpo é uma máquina eficiente”, esclarece.
Modismos
A redução dos alimentos apenas a nutrientes, excluindo o fator social que envolve o ato de comer e a tentativa de controle do apetite é outra armadilha contemporânea que nos afasta cada vez mais do instinto de fome, que é perfeito quando nascemos.
“É interessante observar um bebê: ele chora quando está com fome e pode ficar super nervoso. Mas ele mama até ficar satisfeito e para, mesmo que a mãe insista, porque ele está inteiramente em equilíbrio com a fome e saciedade” pontua a nutricionista.
Comer de três em três horas
Por isso que algumas regras que você provavelmente já ouviu, como o “comer de três em três horas emagrece” não servem quando recuperamos a autonomia de respeitar o pedido do corpo, e não um cardápio de dieta.
Sophie exemplifica: se você tomar um café da manhã reforçado, provavelmente, não sentirá fome em três horas. Se obrigar a comer sem fome estraga a nossa conexão com a fome física e bagunça nossa percepção — quem é dono da fome somos nós, não o relógio.
Fora isso, estar sempre dentro de uma nova dieta deixa as pessoas estressadas com o que comer — e aí se pensa em comida o tempo todo. “Muitos pacientes me falam que a vida deles era um inferno e que agora, depois de estabelecer uma relação boa com a comida, conseguem pensar em outra coisa. Quando estamos em paz, o corpo lida sozinho, você não precisa terceirizar isso para ninguém”, frisa.
E o carboidrato?
Outro mito disseminado nas dietas restritivas é de que “comer carboidrato à noite engorda” (carboidrato: pães, massas, frutas, legumes, etc — sua avó provavelmente não chama alimentos assim). Sophie cita povos de países como a Itália e o Japão, que comem carboidratos nesse período e têm índices de obesidade muito mais baixos. “O carboidrato é nossa gasolina e deve estar presente nas refeições junto com alimentos dos outros grupos”.
O que fazer então?
A primeira atitude é parar de contar calorias: nosso corpo conversa de maneira diferente com os alimentos. Uma lata de refrigerante pode ter as mesmas calorias de uma fruta, mas elas impactam o corpo de formas diferentes (a fruta, por ser repleta de vitaminas, nutre o corpo e traz mais saciedade).
Privilegie os alimentos in natura (obtidos de plantas ou animais, como folhas e frutos, vegetais, ovos e leite) e os minimamente processados (grãos secos como arroz, feijão, tubérculos lavados e cortes de carne resfriados ou congelados) e evite ao máximo os ultra-processados (feitos pela indústria, como bolachas, refrigerantes, etc).
E não pense que não fazer dieta é “oba-oba”: respeitar seus sinais de fome e saciedade pode ser desafiante: “comer com prazer é diferente de comer com gula” salienta a especialista.
Menos doce
Outra sugestão de Sophie é reeducar o paladar doce, diminuindo o consumo de adoçantes e açúcar pouco a pouco — em três semanas, diz ela, é possível notar a diferença, com uma reeducação saudável e tranquila.
Para se manter em paz, com o peso, a comida e o corpo, Sophie propõe três regras básicas: dizer não às dietas, comer comida de verdade e cozinhar. “É simples, mas não é fácil. Estamos em uma vida que é uma correria e deixamos de planejar as refeições. E aí é mais fácil chegar em casa, com fome, pegar o telefone e pedir comida. E para cozinhar, ninguém precisa ser chef. Arroz, feijão, carne e legumes já está ótimo. O padrão clássico brasileiro é fantástico”, ressalta.
Serviço
O Peso das Dietas. Autora: Sophie Deram. Editora Sextante, 256 págs. R$ 39,90 e R$ 24,90 (e-boook).