Impressão em 3D reduz tempo de procedimento e custo de prótese
Rosana Felix
22/10/2019 08:00
Andrey Hertel desenvolveu um modelo de próteses de braço que custou cerca de R$ 1,5 mil. Foto: Albari Rosa / Gazeta do Povo
Sempre que o pai de Andrey Hertel lhe perguntava se ele queria uma prótese de mão, a resposta do menino era negativa.
Ele nasceu com agenesia (ausência do órgão), mas nunca havia se importado com a condição – na verdade, isso o motivava a tentar fazer tudo normalmente.
Hoje, aos 30 anos, o que o motiva na vida é aperfeiçoar uma prótese com preço acessível, feita por ele próprio, a partir da impressão tridimensional (3D) de vários componentes.
Apontada como uma das maiores inovações médicas nos próximos anos, conforme levantamento da consultoria Deloitte, a impressão 3D vem ganhando terreno na área de saúde e bem-estar.
A tecnologia existe desde a década de 1980, e é largamente utilizada na indústria, principalmente na automotiva. Porém, como alternativa às próteses tradicionais, o avanço é mais lento, em decorrência das pesquisas necessárias para garantir a segurança e efetividade do método. As empresas fabricantes precisam de registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Paralelamente, as pesquisas e usos na área vão florescendo, mesmo quando não é possível usar o produto tridimensional como prótese: os protótipos impressos já reduzem custos no processo, além de facilitarem diversos tipos de testes. Conheça algumas iniciativas recentes de uso dessa tecnologia:
Cranioplastia em Foz do Iguaçu O Hospital Ministro Costa Cavalcanti (HMCC), em Foz do Iguaçu, realizou em março uma cirurgia com auxílio de impressão tridimensional para reconstruir um crânio.
O paciente foi Arcenio Tsmbe, 21 anos, natural de Moçambique e estudante de Biomedicina, com bolsa internacional do Centro Universitário UniAmérica.
Em setembro do ano passado, ele sofreu um acidente, teve traumatismo craniano e teve que retirar um pedaço da calota óssea.
Quando ele se recuperou, a equipe médica providenciou uma prótese feita a partir da impressão 3D. O neurocirurgião responsável pelo caso, Elton Gomes, explica que foi feita uma tomografia, e a imagem foi inserida em um software, que fez o desenho da cabeça de Tsmbe e da falha.
“Assim, foi feito um molde em 3D, com o tamanho exato da falha, possibilitando a reconstrução simétrica do crânio”, diz. Nesse molde, é injetado o polimetilmetacrilato, um acrílico cirúrgico biocompatível, que se assemelha a um “cimento”, que vai endurecendo.
O molde foi feito por uma empresa de São Paulo registrada na Anvisa, que recebeu as imagens em CD e alguns dias depois o encaminhou para Foz.
Pelo método padrão, o paciente teria que ser levado ao centro cirúrgico e lá os médicos fariam a abertura do crânio.
“Usaria o mesmo cimento, mas o molde teria que ser feito com a mão. E o endurecimento ocorre de 5 a 10 minutos, e nesse período é que tem que desenhar o molde na cabeça aberta do paciente, mas não dá para fazer de forma perfeita.
O paciente ficaria deitado, a cabeça toda coberta, nem há como ver o outro lado para deixar simétrico”, relata Gomes. Em muitos casos, é preciso refazer a cirurgia quando o molde é manual, para corrigir eventuais falhas.
Com o molde feito sob medida a partir da impressão 3D, a necessidade de uma nova cirurgia é praticamente nula. “O procedimento é mais caro, mas opera só uma vez”, ressalta.
A cirurgia de Tsmbe foi autorizada pelo plano de saúde e ainda não está disponível no SUS. “O paciente faz acompanhamento regular, esteve no consultório recentemente e está 100%”, acrescentou Gomes.
Empreendedorismo com prótese Na terça-feira passada (15), a Fundação Araucária anunciou uma lista de 100 projetos inovadores do Paraná que receberão aporte de R$ 40 mil cada para desenvolvimento de negócio, capacitação e suporte.
A prótese mioelétrica de membro superior idealizada por Andrey Hertel, 30 anos, é uma delas. Ao lado dos sócios Lucas Cândido da Silva e Arturo Vaine, o plano é fabricar modelos em larga escala.
Hertel, que criou a peça com base na própria necessidade, diz que três anos atrás começou a pesquisar o preço de próteses, e se assustou com os valores, em torno de R$ 100 mil a R$ 150 mil. Sem condições de arcar com esse custo, ele decidiu pesquisar a respeito.
“Sempre fui autodidata, aprendi sozinho o que precisava para trabalhar com TI. Depois de ler a respeito, vi que conseguiria montar minha própria prótese. Primeiro fiz a parte eletrônica. Depois passei um tempo sem saber como resolver a parte mecânica. Tentei algumas peças, como corrente de bicicleta, mas era muito pesado”, conta.
Ele já conhecia as possibilidades de impressão 3D, mas imaginava que o produto feito com essa tecnologia seria frágil. Até que, sem outra opção, mandou imprimir uma peça.
“O rapaz que fez garantiu que era forte, falou que eu poderia subir nela. De fato, subi, e decidi usar esse material, que é muito resistente e, ao mesmo tempo, muito leve. A prótese que uso pesa cerca de 500 gramas”, relata. A maior vantagem é mesmo o preço: o modelo custou cerca de R$ 1,5 mil.
Com sua conquista, foi incentivado a cursar Engenharia Eletrônica e na faculdade conheceu os atuais sócios. Já participaram de rodadas de empreendedorismo e inovação e agora foram selecionados pelo programa Sinapse da Inovação Paraná, sob o comando da Fundação Araucária.
O Sebrae no Paraná está orientando o projeto, que também precisa passar pelo crivo da Anvisa para ser comercializado. Hertel agora precisa de tempo para fazer as melhorias necessárias.
Protótipos maxilares O Hospital Erasto Gaertner, em Curitiba, está desenvolvendo vários projetos com uma impressora 3D, adquirida pelo Instituto de Bioengenharia da instituição (Ibeg) em 2018.
Nenhum deles pode ser implantado diretamente no paciente, por falta de regulamentação da Anvisa, mas os moldes e protótipos impressos já geram economia de recursos e tempo.
A primeira demanda atendida foram as do setor Bucomaxilofacial. “É feita uma tomografia em um paciente com tumor na mandíbula, por exemplo. Essa imagem chega para a gente, fazemos um tratamento nela e imprimimos a boca do paciente em 3D. Com ela, o cirurgião se prepara para o procedimento, vê onde são necessários cortes, onde não pode cortar. Também é impresso o tumor, então a chance de haver uma surpresa na hora da cirurgia é muito pequena. Com isso, se reduz o tempo de cirurgia, o tempo da anestesia e necessidade de disponibilidade da equipe”, explica Emerson Czachorowski, coordenador do Ibeg.
A impressora 3D também está sendo utilizada para o desenvolvimento de equipamentos. O Ibeg, que funciona como centro de pesquisa e inovação do Hospital Erasto Gaertner, produz peças requisitadas pelo corpo clínico.
“Antigamente, quando surgiam ideias de produtos novos ou modificação de produtos, a equipe de engenharia fazia os desenhos, mandava para usinagem, mas lá era preciso estudar qual material era o mais adequado para se trabalhar e com que ferramentas, eventualmente comprar alguma dessas coisas e depois fazer a peça. Levava até uma semana para ter ela pronta e a chance de ficar boa era só de 20% a 30%, pois sempre precisavam ajustes. Com o molde em 3D, imprimimos e já vemos se está bom, se precisa reduzir, aumentar. Daí para a usinagem, já se sabe que o resultado que teremos”, conta.
A economia é grande, já que não há mais desperdício da matéria-prima das peças, que custam até 100 vezes mais do que o plástico utilizado como molde.
O investimento na impressora 3D foi de R$ 15 mil. A intenção do Ibeg era adquirir uma ainda mais potente, mas a operação com linha de fomento não prosperou.
O modelo adquirido, porém, já abriu muitas possibilidades de pesquisa e desenvolvimento. O instituto agora torce para maior agilidade na regulamentação dos produtos 3D na área da saúde.
Acessibilidade na escola As possibilidades abertas com a impressão 3D são tão variadas que já há diversos projetos desenvolvidos em escolas.
Na rede municipal de ensino de Curitiba, a tecnologia começou a ser implantada em 2017, quando a prefeitura começou a reformar os Faróis do Saber – bibliotecas para escolas e a comunidade – para se tornarem centros de inovação e criatividade.
Rebatizados de Faróis do Saber e Inovação, há 21 unidades do tipo em Curitiba, que contam com impressora 3D, kits de robótica, de programação e óculos de realidade virtual.
Estudantes têm usado o espaço para realizar projetos multidisciplinares, como o “manobra inclusiva”. A iniciativa foi de uma turma do 5º ano do ensino fundamental da Escola Vinhedos, em Santa Felicidade, que em 2018 desenvolveu um modelo de skate para um aluno com dificuldade de locomoção, Thiago de Souza.
“A gente queria fazer alguma coisa na impressora 3D do Farol. A turma era bastante unida, há muitos anos juntos. Conversando sobre um objeto que representasse a turma, falaram do skate do Thiago, porque ele andava para todo lugar com ele, pela dificuldade nas pernas, mas havia locais em que havia maior dificuldade. Então resolveram projetar um skate que fosse mais fácil de carregar e proporcionasse maior mobilidade”, conta a professora responsável pela turma, Vera Cristiane Jacob Chaves, 44.
As crianças, então com 10 anos, rascunharam vários desenhos em sala de aula. Fizeram pesquisa multidisciplinar, estudando a angulação das manobras do skate, fórmulas, formas, sólidos, história, marketing e textos publicitários. Das ideias que surgiram, fizeram moldes em massinhas e papelão.
No Farol do Saber e Inovação Dante Alighieri, usaram o computador para os desenhos. Usaram materiais alternativos na construção do protótipo para a impressão de um mini-skate e uma minirrampa na impressora 3D do farol.
“Recebemos a visita de estudantes de pós-graduação em Engenharia da UFPR, que acompanharam as soluções propostas. Havia a intenção de tentar fabricar um skate em tamanho real, mas como os alunos do 5º ano terminaram a trajetória na escola, não pudemos dar continuidade”, conta a professora.
Mas só a possibilidade de planejar e trabalhar com aparatos tecnológicos motivou os alunos, diz Vera. “A criança imagina algo, mas quando desenha no papel, não é a mesma coisa. Tudo que podem pegar, que é mais concreto, é mais interessante. Percebemos que as crianças têm noção espacial e entendem coisas que a gente antes não tinha nem ideia. Percebem o mundo de outra forma”, observa.