Saúde e Bem-Estar

Passando mal? A culpa nem sempre é da última coisa que você comeu

New York Times
09/07/2017 18:00
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Alimentos mal conservados e contaminados podem ser as fontes mais lembradas, mas o mal estar também é gerado por outros fatores (Foto: Bigstock)

Acontece como um raio que aparece de repente. Uma hora você está bem e, segundos depois começa a suar, sentir cólicas dolorosas que se movem como uma onda na sua barriga. Você vomita, tem diarreia, ou tem tudo ao mesmo tempo, com medo de não sobreviver para contar a história.
Então o drama acaba. Você volta a ser a mesma pessoa de sempre, depois de um dia ou dois de molho, assistindo Netflix e se alimentando de bolacha água e sal e Coca-Cola.
O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos estima que esse cenário, conhecido como “evento gastrointestinal agudo”, acontece com todas as pessoas ao menos uma vez ao ano. Embora não sejam nada prazerosos, os episódios quase nunca resultam em uma ida ao médico, nem exigem o uso de medicamentos.
Ainda assim, surge a dúvida do que provocou os sintomas. Mesmo sendo difícil afirmar ao certo, alguns indícios podem nos ajudar a determinar a fonte, ou a reduzir os riscos no futuro.
“As pessoas tendem a botar a culpa na última coisa que comeram, mas é provável que o problema venha de antes”, afirmou Deborah Fisher, gastroenterologista e professora associada na Faculdade de Medicina da Universidade Duke, nos Estados Unidos.
Relembre todas as refeições
O estômago leva de quatro a seis horas para digerir uma refeição inteira e o intestino delgado precisa de mais seis a oito horas para consumir todos os nutrientes e enviar o restante para o intestino grosso. O resto fica lá por períodos que vão de um a três dias, fermentando e se transformando naquilo que vai embora com a descarga.
O tempo de trânsito pelas entranhas vária consideravelmente de pessoa para pessoa, mas os médicos afirmam que o melhor jeito de saber quanto tempo a sua digestão demora é comer milho e esperar suas sementes não digeridas aparecerem no cocô. Pode ser meio nojento, mas com isso em mente, na próxima vez que você ficar doente, vai ser mais fácil identificar o que foi que fez mal.
Por exemplo, se você vomita alguma coisa, mas não tem diarreia mais para frente, provavelmente comeu alguma coisa que fez mal nas últimas 4 a seis horas. Se acorda no meio da noite com cólica e diarreia, é mais provável que tenha comido alguma coisa ruim nas últimas 18 a 48 horas, dependendo dos resultados do teste do milho. A maioria das doenças alimentares são causadas por vírus e bactérias, como norovírus, Staphylococcus aureus, campylobacter, salmonella, E. coli e Bacillus cereus.
Por isso, além de descobrir o momento provável do consumo, também é importante pensar em quais alimentos têm mais chances de estar contaminados. Os itens citados pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças e frequentemente na lista de recall da Administração de Alimentos e Medicamentos dos EUA, o FDA, incluem vegetais folhosos, ervas, melões com casca grossa, como o cantaloupe, tomates frescos, pepinos, pimenta jalapeño, manteigas de amendoim e de outros tipos de nozes, ostras, ervilha congelada, queijo e sorvete.
Quaisquer alimentos que ficaram fora da geladeira por muitas horas também são suspeitos, como a clássica salada de batatas do churrasco de família, ou o sanduíche de atum da cantina da escola.
Fique atento aos restaurantes
As comidas de restaurante costumam ser mais arriscadas em geral, não apenas porque mais mãos estão envolvidas na preparação, mas também porque os ingredientes são comprados no atacado. “Um hambúrguer de rede de fast-food pode ter a carne de 100 vacas diferentes”, afirmou Fisher, e apenas uma infectada com um patógeno pode ser suficiente para causar problemas. “O omelete pode ser feito com ovos processados vendidos em embalagens longa-vida, que podem conter ovos de 50 galinhas diferentes”, afirmou.
Também são suspeitos os sucos e batidas feitos na hora, pois também envolvem muitos quilos de diferentes produtos frescos. Um nadinha de terra contaminada na bebida pode causar um caos no seu estômago. E pense em todas as mãos que tiveram que tocar as frutas e vegetais desde a colheita, até a preparação da sua vitamina.
Também não podemos nos esquecer dos germes que vivem na sua mão, se você não lavar direitinho com água e sabão (o álcool em gel não mata as bactérias que fazem mal ao estômago). Você comeu alguma coisa, ou colocou a mão na boca depois de ficar um tempão segurando as barras do metrô, ou depois de jogar uma bola babada para o seu cachorro? Você colocou o celular em cima da mesa do café, ou sobre o porta-papel-higiênico em um banheiro público, e depois levou o aparelho até o rosto para fazer uma ligação? Os germes que chegam até o seu estômago nem sempre vêm da comida.
E às vezes suas dificuldades digestivas não são causadas por vírus e bactérias. Elas também podem ser fruto de uma overdose de oligosacarídeos, monossacarídeos e polióleos fermentáveis. Esses elementos são carboidratos que, quando consumidos em excesso, não são bem absorvidos pelo intestino delgado e chegam até o intestino grosso, causando todo o tipo de problemas. Muitas coisas que somos encorajados a consumir contêm a substância incluindo brócolis, couve-de-bruxelas, radicchio, aspargo, abacate, cogumelo, pêssego, grãos integrais e legumes.
“As pessoas tentam comer de forma muito saudável hoje em dia, mas não se lembram dessas substâncias”, afirmou o Dr. Scott Gabbard, gastroenterologista da Cleveland Clinic. “É ótimo comer muita salada, mas pode ser que alguma dia, aquela combinação de frutas e vegetais seja maior que sua capacidade de absorver esses carboidratos e você acabe tendo um revertério.”
Remédios demais também causam eventos gastrointestinais
Os medicamentos também são uma fonte comum de eventos gastrointestinais agudos. Fisher conta a história de um paciente saudável e ativo que passava por episódios gástricos de tempos em tempos. Depois de muitos exames, a médica descobriu que o culpado era o inibidor de IECAs que o paciente tomava para controlar a pressão sanguínea.
“Um efeito colateral do medicamento é o inchaço intestinal, o que significa que ele sofria com obstruções parciais temporárias”, afirmou Fisher. “Ele vomitava, pulava uma refeição e o inchaço ia embora. Isso acontecia com frequência até tirarmos o medicamento e agora ele está bem”.
Medicamentos utilizados para tratar depressão, alergias e refluxo também podem nos tornar mais vulneráveis a ataques intensos e curtos de vômito, diarreia, ou ambos.
Drogas recreativas também podem ser culpadas. “Estamos começando a ver mais casos de uma síndrome cíclica de vômitos chamada hiperemese canábica, porque o conteúdo de THC da maconha está hoje muito alto”, afirmou Gabbard, referindo-se ao componente psicoativo da maconha.
Por fim, não podemos nos esquecer do estresse. As coisas que acontecem na nossa cabeça têm um impacto profundo no sistema digestivo e vice e versa. “O cérebro humano e o sistema nervoso estão intimamente ligados a outro sistema nervoso, localizado na parede do intestino”, afirmou o Dr. Santhi Swaroop Vege, gastroenterologista da Clínica Mayo. “Essas fibras nervosas, nervos e plexus ficam localizados na parede intestinal, do esôfago ao reto”.
Por isso, ao invés de um alimento, o culpado pode ser todo o medo, ansiedade, raiva e tristeza que você engoliu e que agora estão bagunçando seus nervos, secreções químicas e a microbiota que mantêm sua barriga funcionando. Os gastroenterologistas e os psiquiatras afirmam que não é incomum que eventos gastrointestinais agudos desapareçam ou se tornem menos frequentes depois que o paciente sai de um emprego ruim, ou de um relacionamento abusivo. É por isso que, ao tomar uma decisão difícil, é bom ouvir seu estômago.
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