Saúde e Bem-Estar

Relógio biológico determina melhor hora de tomar remédio e se exercitar

Roger Pereira, especial para o Viver Bem
04/12/2019 08:00
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Interferência do relógio biológico vai do exercício ao momento mais adequado para tomar remédio Foto: Bigstock.

O ritmo circadiano, popularmente conhecido como relógio biológico, sempre foi relacionado a distúrbios do sono.
É usado também para explicar por que algumas pessoas rendem mais pela manhã, enquanto outras produzem melhor à tarde ou à noite.
Responde, ainda, a pergunta sobre por que há quem sofra mais com a adaptação ao fuso horário e jet lag.

Desde 2017, quando o prêmio Nobel de medicina foi entregue a três cientistas americanos pela descoberta de mecanismos moleculares que controlam o ritmo circadiano (Jeffrey C. Hall, Michael Rosbash e Michael W. Young), diversas pesquisas têm mostrado a relação deste ciclo com outros comportamento do corpo humano, como desempenho de determinadas atividades, aparecimento de doenças e até na melhor resposta a tratamentos quando o “relógio” é observado.

Isso porque o ritmo circadiano regula todos os ritmos materiais bem como muitos dos ritmos psicológicos do corpo humano, com influência sobre, por exemplo, a digestão ou o estado de vigília e sono, a renovação das células e o controle da temperatura do organismo.
O “relógio” que monitora todos estes processos encontra-se localizado numa área cerebral denominada núcleo supraquiasmático.
Luminosidade, temperatura e tempo de sono são alguns dos elementos que configuram esse relógio.

Como regra geral, o ritmo circadiano procura se antecipar às nossas atividades ao longo do dia: da produção de insulina antes do café matinal à liberação máxima de cortisol (o hormônio do estresse ou da vigília) às 10 da manhã – horário em que a maioria atinge a fase de alerta máximo, ou à redução da temperatura corpórea na hora de ir para a cama.

Melhor hora para tomar medicamentos
Nos últimos anos, cientistas passaram a dedicar-se à cronopatologia para estudar a relação do ciclo circadiano com as doenças e à cronofarmacologia, para potencializar a eficácia de medicamentos de acordo com o ciclo.

“O ritmo circadiano pode nos indicar desde a melhor parte do dia para fazer um exercício de alta performance até qual seria o horário ideal para tomar um medicamento”, explica o médico nutrólogo Frederico Lobo, que estuda a relação do ciclo circadiano com doenças.

O especialista enumera algumas das descobertas sobre o funcionamento do nosso ritmo circadiano que influenciam diretamente em formas de prevenção e no tratamento de doenças.
“Estudos já mostraram que os menores níveis tensionais ocorrem às 3h da manhã e a máxima divisão das células da epiderme à meia-noite. A asma é pior às 4h da madrugada, enquanto as doenças cerebrais e cardiovasculares têm predomínio pela manhã”, cita.
Também já se concluiu que a melhor eficácia de um fármaco para hipertensão (diltiazem) acontece quando ele é administrado à noite, e o máximo efeito anticoagulante entre 4h e 8h da manhã.
“Outras descobertas incluem o fato de que ácido acetilsalicílico (AAS) é mais efetivo se tomado à noite, para fazer efeito de manhã, quando a ocorrência de infartos é maior. Estudo da USP mostrou que o efeito da ciclofosfamida – droga que reduz a atividade do sistema de defesa para não haver rejeições de órgãos – é maior e mais positivo perto do meio-dia”, conclui.

A diretora científica da Sociedade Paranaense de Ciências Neurológicas, Viviane Flumignan Zetola, explica que várias prescrições de medicamentos já têm respeitado o ciclo circadiano, com a receita médica estipulando o horário correto para administração da droga, para um tratamento mais efetivo. Ela também reconhece que remédios também podem ter maior ou melhor resposta de acordo com o ciclo.

“Um exemplo é a sinvastatina, remédio para colesterol, que tem que respeitar o ciclo, e deve ser tomado à noite”.
Melhor produtividade
Viviane Flumignan Zetola destaca ainda que, na neurologia, o ciclo circadiano é extremamente importante pela sua relação nas questões de produtividade cognitiva e intelectual.

Ela explica que o ciclo está ligado a dois principais hormônios: “o cortisol, que é o hormônio da vigília, e a melatonina, que é o do relaxamento. Produzimos cortisol ao amanhecer e seus níveis vão baixando ao longo do dia. A melatonina é produzida ao anoitecer, e leva nosso corpo ao repouso”.

Ela lembra que o ritmo circadiano é respeitado até pela legislação trabalhista que impõe jornadas diferenciadas para profissionais que trabalham no turno da noite.
“Por isso, temos diferenças de produtividade e diferenças de leis laborais. Trabalhadores noturnos precisam de um tempo maior de descanso. A alteração no ciclo é prejudicial a ponto de a legislação compreender essa necessidade”.
Bioindividualidade
A médica explica que cada indivíduo tem sua cronotipia, que classifica as pessoas de acordo com sua atuação cerebral: alguns sendo mais matutinos, outros vespertinos, tendo respostas melhores ou piores em determinados horários.
Para ela, o cenário ideal seria que a cronotipia de cada um fosse respeitada para suas atividades diárias, trabalhando ou estudando no período de melhor rendimento.

“Colocar uma criança vespertina para estudar às 7h, por exemplo, é fatal para que o rendimento nas duas primeiras aulas, pelo menos, seja bem abaixo do esperado. Por isso, algumas universidades americanas e europeias já estão adequando suas grades à cronotipia de cada estudante”.

Como o ritmo circadiano interfere na rotina

Cardiovascular: eventos cardiovasculares, tais como infartos, AVCs e derrames são mais comuns na madrugada e primeiras horas da manhã. A Sociedade Brasileira de Cardiologia recomenda que remédios contra a hipertensão, por exemplo, sejam ingeridos antes de dormir, para ter seu efeito nas primeiras horas do dia. Assim como o uso de ácido acetilsalicílico (a aspirina) para a prevenção de eventos cardiovasculares é mais eficiente à noite.
Doenças respiratórias: crises de asma e bronquite são mais comuns no período da madrugada, não só por conta da posição corporal (geralmente estamos deitados nestas horas), como também por conta do ritmo circadiano.
Alimentação: os níveis de leptina, glucose e insulina são mais elevados ao acordar e menores durante o sono. Assim, o que ingerimos pela manhã é melhor processado pelo organismo que o que comemos à noite. O que consumimos à noite contribui mais para distúrbios alimentares e para a obesidade.
Coagulação, cicatrização e imunização: o Laboratório de Biologia Molecular MRC, do Reino Unido, mostra que nosso sistema imunológico é mais ativado durante o dia. Assim, queimaduras e ferimentos cicatrizam mais lentamente quando ocorridos à noite.
Vacina: estudo da Universidade Birminghan, do Reino Unido, apontou que a vacina contra a gripe tem maior eficácia se aplicada pela manhã. A produção de anticorpos pode ser até quatro vezes maior nesse período.
Dor: à tarde, a sensibilidade à dor também é menor e são necessárias doses menores de anestesia para obter os efeitos desejados. Assim, o período é o mais indicado para ir ao dentista, por exemplo.
Exercícios: atletas experimentam picos de temperatura, força e flexibilidade no final da tarde – e este é o melhor período do dia para competirem. Isso serve também para a atividade física regular de não atletas.
Concentração: pesquisa da Universidade de Toronto mostrou que jovens adultos são mais distraídos pelas manhãs, mas que é nesse período que podem ter mais soluções relacionadas à criatividade. De tarde, a concentração é maior. Já adultos mais velhos costumam ser mais concentrados pela manhã e distraídos à tarde.
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