Saúde e Bem-Estar

Fome em excesso, mau humor e memória ruim: você precisa de mais tempo de sono

Marcel Hartmann, Agência RBS
14/12/2017 06:00
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Não dormir tempo suficiente aumenta o risco de doenças crônicas e mentais. Foto: Unsplash.

Experimente dormir pouquíssimo e ir ao trabalho. Cansaço, mau humor, desatenção, ansiedade e excesso de fome são alguns dos sintomas de uma noite de sono ruim. Agora, repita o processo durante semanas. O resultado é desastroso. Pouco descanso noturno de forma crônica promove um desequilíbrio em todo o organismo.
E a consequência é mais do que um puxão de orelha do chefe: você enfraquecerá o sistema imunológico, terá mais chances de engordar e elevará o risco de desenvolver diabetes, depressão e até Alzheimer.
Tudo ocorre por causa de uma tríade perigosa: desequilíbrio nos hormônios, prejuízo na “faxina” que o cérebro faz todas as noites e ausência de recarga de energia nas células.
Hoje, ficamos menos tempo na cama. Segundo um estudo feito nos Estados Unidos por pesquisadores da Universidade Estadual de San Diego e de Iowa, que examinaram dados de 360 mil adolescentes, 40% dos entrevistados em 2015 dormiam menos de sete horas por noite. Em 2009, isso ocorria com 33%. Em 1991, era o cenário de 16% deles.

No Brasil, um levantamento feito pelo Instituto do Sono, associado à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), mostra que paulistanos dormem, em média, 6,5 horas por dia. Outros estudos da instituição demostram que a insônia é prevalente em 32% das mulheres. Já a apneia (dificuldade em respirar) chega a até 40% nos homens. E 60% deles roncam.

Por que ficamos tão cansados?

Sentir-se cansado é uma descrição genérica que ocorre pela ação de três processos no corpo. Um deles é o excesso de cortisol e de noradrenalina. Quem dorme mal mantém durante o dia níveis mais altos desses hormônios, relacionados ao estresse e ao estado de alerta. Eles são produzidos após estímulo do sistema nervoso simpático, ativado em situações vistas como perigo.
Essa região, ao ser acionada, emite ordens para que todos os sistemas do corpo fiquem em alerta, porque supostamente estamos sob ameaça. Há, então, um aumento da frequência dos batimentos cardíacos, da respiração e também da pressão arterial.
Exigidas além do normal, as células oxidam, o que contribui para uma espécie de ressaca, explica a neurologista Luciana Palombini, especialista em medicina do sono pela Academia Americana do Sono. “Sob estresse e com falta de sono, as células liberam toxinas. Com isso, o corpo não funciona bem” diz.

“O sono é importante para a qualidade de vida. As pessoas acham que reduzi-lo vai deixar mais tempo livre para se sair melhor no trabalho. Mas é o contrário. Descansar de forma adequada é o que justamente deixará o indivíduo mais motivado, descansado, alegre e, inclusive, inteligente” diz Monica Andersen, diretora do Instituto do Sono e professora de Biologia do Sono na Unifesp.

Mais doenças

De forma crônica, esse processo prejudica o sistema imunológico e lesiona o sistema cardiovascular, ao exigir demais do coração e das artérias. Isso também eleva o risco de doença coronária, acidentes vasculares cerebrais (AVCs), infarto agudo, arritmia cardíaca, diabetes (sono de má qualidade aumenta a resistência periférica à insulina), sobrepeso, depressão e ansiedade. Além de desregular os hormônios ( como a produção da testosterona, por exempl0).
E o cérebro também paga o pato: há indícios de que o excesso de cortisol pode estar relacionado a um prejuízo na memória.
“A pessoa passa a ter dificuldades em reter informações. E se esquece rapidamente das coisas” ressalta Denis Martinez, professor do curso de pós-graduação em Cardiologia da UFRGS e especialista em sono.
Vários estudos mostram que quem dorme mal tem mais problemas cognitivos e emocionais. Tome como exemplo uma pesquisa feita em 2006 por médicos da Universidade de Taiwan, na China, com 2,5 mil crianças entre seis e 15 anos. Foi observado que os pequenos com distúrbios de sono eram mais agressivos e tinham mais problemas de atenção. “Há uma relação entre o mau sono e o aumento do risco e da gravidade de transtornos psiquiátricos. Pesquisas recentes indicam que adolescentes que dormem pouco têm mais índice de suicídio, bipolaridade e depressão” diz a neurologista Luciana Palombini.
O risco de demência e Alzheimer também é aumentado, já que o sono faz uma espécie de faxina em nosso cérebro pelo sistema glinfático. “Com uma espécie de correnteza, esse sistema faz uma drenagem dos restos das células e os joga na corrente sanguínea para serem eliminados. Quem dorme mal não faz essa faxina e tem mais risco de ter demências” explica a neurologista Luciana Palombini.

Não dormir = centímetros a mais na cintura

Dormir pouco também contribui para ganho de peso. Foto: Patrícia Serna/Unplash.
Dormir pouco também contribui para ganho de peso. Foto: Patrícia Serna/Unplash.
E se você se preocupa com a estética, saiba que a barriga de quem descansa pouco também sofre pênalti. Quem nunca dormiu mal e, no dia seguinte, desejava ardentemente um fast-food? Isso ocorre devido à alteração nos níveis de dois hormônios: a grelina, responsável pela fome, e a leptina, que nos deixa saciados.
A alteração em ambos nos deixa com mais vontade de comer durante o dia, em especial alimentos gordurosos. Isso foi observado em uma pesquisa feita com mais de mil crianças por médicos da Universidade de Harvard e de hospitais de Boston, publicada na revista Pediatrics. Quanto menos as crianças dormiam, maior era o risco de desenvolver obesidade a partir dos sete anos.
“A pessoa quer comer mais comidas calóricas em vez de um frango com salada” diz Monica Andersen, da Unifesp.
Há pesquisas sugerindo que aqueles que dormem menos de seis horas têm o metabolismo mais lento, o que ajuda a engordar. Ou seja: quem quer emagrecer não pode só se preocupar com exercícios.
“A necessidade de sono é muito individual, mas a exigência de sociabilidade para o dia a dia não está alinhada com nosso ritmo biológico. As pessoas se privam de descanso sistematicamente durante a semana. No fim de semana, há um rebote, e elas dormem até bem mais tarde. Uma dica para ver se você está em privação: se você acordar cedo naturalmente, o sono está adequado” ensina Daniel Suzuki Borges, psiquiatra do Hospital de Clínicas da USP.

Energia para o dia não para a noite

Outro ponto observado em pesquisas sobre o tema é a falta de energia nas células. Ficar cansado é não ter energia para nada. E quem faz tudo no nosso corpo são as células, usando como combustível a glicose que está nos alimentos. Mas a célula não “come” glicose assim, na forma bruta. Dentro da célula, mais especificamente na mitocôndria, a glicose é queimada até virar uma substância chamada ATP, que dá energia para a célula.
Começamos o dia com bastante ATP nas células. Conforme nossos órgãos funcionam e as células trabalham, o estoque de ATP é “queimado” até se transformar em ADP. Esse transformação é barrada pela cafeína — por isso que ela tira, momentaneamente, nosso sono.
No fim do dia, nossos estoques de ATP estão lá embaixo, e os de ADP, lá em cima. Ao saber disso, o corpo nos manda ir para a cama, para recuperar o que foi gasto e fazer todo o processo que ocorreu à luz do sol ao contrário: o ADP volta a ser ATP.

Para dormir bem

O primeiro é desligar o celular: ao receber a luz azulada da tela, os receptores visuais da retina enviam ao cérebro a mensagem de que ainda é dia. Enviamos uma ordem à glândula pineal, também localizada no cérebro, para segurar a produção de um hormônio chamado melatonina, responsável por causar sono. Essa substância, aliás, só é produzida para valer em ambiente escuro.
Além disso, interagir em redes sociais nos deixa vigilantes, graças ao cortisol, um hormônio ligado ao estresse. Na prática, o organismo interpreta que você está fazendo algo importante.
“É por isso que os celulares mais inteligentes filtram a luz azul, apesar de ainda existir o problema de ficar interagindo nas redes sociais “lembra Andrea Bacelar, neurologista e presidente da Associação Brasileira do Sono (Absono).
Outras medidas incluem: ir para cama quando tiver realmente sono, criar uma rotina para dormir e acordar (o relógio biológico orquestra a ação em cadeia dos hormônios conforme o horário que você deita e levanta), deixar o quarto em ambiente escuro e tentar comer até, no máximo, três horas antes de dormir.
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