Saúde e Bem-Estar

A hora e a vez das vacas terapêuticas: como Bella ajuda humanos a se livrarem do estresse

New York Times, por Elisa Mala
31/07/2019 08:00
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Vacas terapêuticas: confira os benefícios de abraçar os animais do campo (Foto: Bigstock)

Mesmo sem um diploma de psicologia, os talentos inatos de Bella fizeram dela uma excelente terapeuta: ela é calma e capaz de acolher uma série de personalidades, além de ter a paciência de escutar problemas intermináveis sem nem um “mu” de julgamento.
De um pasto abundante e isolado na Fazenda Mountain Horse, uma pousada de 13 hectares na região de Finger Lakes, em Nova York (Estados Unidos), Bella, de três anos, e Bonnie, de dois, são vacas de raça híbrida, uma mistura de Angus e Highland, que oferecem terapia animal.

A prática de fazer carinho ou abraçar vacas, como tem sido chamada, convida as pessoas a interagirem com os animais, penteando-os, acariciando-os ou tendo conversas sinceras com eles.

A experiência é parecida com a terapia equina, mas tem uma diferença crucial: os cavalos geralmente ficam de pé; as vacas espontaneamente se deitam na grama enquanto ruminam, permitindo aos humanos uma aproximação ainda maior, pois estes podem se deitar no chão com elas e oferecer um abraço caloroso.
“Você percebe como ela fica quieta? É isso que buscamos, tanto para a pessoa como para a vaca”, explicou Suzanne Vullers, de 51 anos, contadora que se tornou terapeuta equestre e é coproprietária da pousada com o marido, Rudi Vullers, também de 51 anos.

Abraçar vacas é também terapia

Naturais da cidade rural de Reuver, na Holanda, Suzanne e Rudi descobriram o “koe knuffelen“, que significa “abraçando vacas” em holandês, em uma viagem à cidade natal há dois anos.

Em algumas regiões da Holanda, abraçar vacas é uma atividade oferecida como parte de uma visita de meio período e pertence a um movimento ainda maior para conectar as pessoas com a vida no campo.

No grande centro urbano de Rotterdam, uma fazenda de laticínios flutuante recentemente inaugurada no porto mais antigo da cidade instiga os residentes locais a visitar os animais.
Há aproximadamente uma década, em 2007, o casal – ele, ex-gerente de uma rede de distribuição; ela, ex-contadora – trocou a vida corporativa por um negócio agrícola em Naples. (População: 2.500. Chamativo da cidade: um festival da uva que se realiza no outono com uma competição de torta de uvas.) A ideia de fazer carinho em vacas abriu os portões do celeiro.
Em maio de 2018, eles compraram Bonnie e Bella; a escolha foi feita por causa da personalidade gentil dos animais e a ausência de chifres. “Muitas vacas não são apropriadas para a prática. Elas chegam a perseguir você pelo campo”, contou Rudi Vullers.

As sessões de carinho nas vacas duram uma hora, ao preço de 75 dólares (R$ 281) por casal, e são limitadas a duas por dia, com o máximo de quatro participantes por sessão. “Não é um zoológico de bichinhos de estimação”, garantiu Rudi Vullers, embora os animais de fato sejam de estimação, em certo sentido – não são produtivos e não são criados para produção de carne ou leite. “Essas meninas vivem uma vida natural”, declarou Suzanne Vullers.

Atendimento orientado

Toda a interação entre as vacas e os humanos são mediadas pelos criadores, que percebem os humores dos animais (Foto: VisualHunt)
Toda a interação entre as vacas e os humanos são mediadas pelos criadores, que percebem os humores dos animais (Foto: VisualHunt)
Cada sessão é supervisionada por dois profissionais: um terapeuta equestre, geralmente Suzanne Vullers, que é capaz de ler os humores dos animais e garantir uma interação segura e positiva com os novos amigos humanos deles, e um encarregado secundário que fica de olho nos outros animais do campo.
Nenhum deles é psicólogo formado, o que é justamente a intenção:

“As pessoas não precisam falar sobre o que estão passando. Não é como terapia”, ela esclareceu.

Assim como outras formas de terapia, espera-se que os visitantes fortaleçam a confiança, a empatia e a conexão com as vacas e com as próprias emoções. E, como em qualquer outro tipo de terapia, não há garantia de sucesso: “Elas não são treinadas para se deitar no chão”, complementou.
Em um sábado recente, dois pares de visitantes, um casal de noivos do Vale do Silício e uma mãe com a filha de Nova York, tinham viajado de extremos opostos dos Estados Unidos para acariciar algumas vacas.

“Dirigir cinco horas para abraçar uma vaca?”, questionou Karen Hudson, de 57 anos, gerente em uma construtora, que compareceu à sessão vespertina com a filha, Jessica Ercoli, de 27, que trabalha como agente de condicional.

Para Hudson, era como a realização de um desejo, uma volta a lembranças afetivas de quando visitava a fazenda de sua avó. E talvez, também, um pouco de destino. O endereço de e-mail que ela usa há quase duas décadas inclui as palavras “Missy”, o mesmo do pônei da fazenda, e “mu”.

Técnica certa para abordar uma vaca

Ao guiar as duas mulheres animadas, porém hesitantes, ao campo, Suzanne Vullers ensinou a elas uma abordagem bem-sucedida antes de ela mesma demonstrar os métodos. “Postura em O, não em X”, ela instruiu. “Arredonde o corpo” para ficar menos ameaçadora. Vá em direção aos ombros da vaca, em vez dos quadris.

“A roupa é importante. Os animais podem babar em você”, disse Rudi Vullers. (Uma exigência inegociável: sapatos fechados.) Para os observadores: “Fique do lado. Faz toda a diferença para elas”, revelou Suzanne Vullers. Conselho para os participantes: “Respeite as vacas, o ambiente delas, o que elas querem fazer e o que elas querem lhe dar”, complementou.

Sempre que tiver um contato com uma vaca, mantenha a calma (Foto: VisualHunt)
Sempre que tiver um contato com uma vaca, mantenha a calma (Foto: VisualHunt)
Recomendação número um para todos: mantenha a calma. “Quanto mais relaxado você ficar, melhor será para você e para elas”, afirmou, pois, assim como os cavalos, as vacas percebem as emoções e têm reações de acordo com o que sentem – na maioria das vezes. “Não esfregue sua baba em mim!”, pediu Ercoli a Bella.
Na sessão da manhã, Colin Clover, de 50 anos, gerente de recrutamento do Facebook, descobriu essa atividade extracurricular da mesma maneira que muitas pessoas conhecem essas tendências de bem-estar de nicho: pela internet. Ele imediatamente se lembrou de que sua noiva, Alexandria Rivas, de 31 anos, recepcionista, artista e entusiasta equestre de longa-data, tinha boas lembranças de visitar a fazenda de laticínios que ficava perto da faculdade que frequentou.
Embora ele já tenha treinado golfinhos e leões-marinhos, a ideia de ficar muito próximo de uma novilha o intimidava. Conseguiu acalmar os nervos, disse, quando Suzanne Vullers descreveu a experiência de uma maneira que lhe era familiar. “Pense em como você interage com seu cachorro”, foi o que ela lhe disse.

Não só vacas

Nas sessões separadas, além das vacas, os pares tiveram a oportunidade de conhecer todos os personagens do cenário. No celeiro e no campo: Jaxon, o garanhão, espanava as moscas para longe; Stetson, um cavalo castrado, batizado em homenagem ao famoso chapéu de vaqueiro; Cricket e Noa, duas éguas resgatadas de ambientes abusivos; Suzie Q e Missy, pôneis com personalidades singulares. “Missy é sempre a primeira a dizer oi”, explicou Suzanne Vullers sobre sua amiga extrovertida e rechonchuda.
Para a última surpresa do dia, os fazendeiros convidaram os visitantes a dar lanches de aveia na boca das vacas, atividade que muitos escolheram como a favorita do dia. Mesmo que, segundo Hudson, a língua das vacas “se pareça com uma lixa!”.
Mesmo assim, foi melhor do que um tipo diferente de surpresa: “Às vezes, as vacas soltam coisas”, disse Suzanne Vullers. Entretanto, talvez por perceberem que estavam em companhia de pessoas educadas, as vacas apenas se soltaram. Abaixando-se até o chão, ofereceram aos participantes a experiência que eles viajaram para experimentar: uma chance de ganhar um abraço caloroso.
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