Saúde e Bem-Estar

Remédio para tudo

Amanda Milléo
03/08/2014 03:04
O uso de múltiplos remédios resulta no efeito colateral de cada uma das drogas e, ainda, na somatória desses efeitos – o que, muitas vezes, os médicos não conseguem prever. “Não tem medicamento que seja 100% eficaz. Uma dipirona sódica não vai funcionar para todo mundo como excelente antitérmico. Cada pessoa tem suas particularidades, que influenciam nessas respostas”, explica a professora associada do departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da Universidade de São Paulo (USP), Silvia Regina Secoli.
Outro aspecto apontado pela geriatra e presidente da Sociedade Brasileira de Ge­­ria­­­­­­tria e Gerontologia, seção do Paraná (SBGG-PR), Debora Lopes, envolve a automedicação: “O paciente usa os medicamentos que estão na receita e os que não estão, aqueles vendidos sem prescrição. Em geriatria, temos o hábito de fazer uma revisão farmacológica sobre o que o paciente está tomando antes de prescrever um novo medicamento. Sempre solicito que ele traga todos os remédios que está tomando, para ver o que está duplicado, o que pode ser retirado e o que pode causar um efeito indesejado”, descreve.
Remédios demais?
Ao menor sinal de que algo não está bem, a professora Andressa Saldanha tem a solução na bolsa. Ansiolíticos para ansiedade, pastilhas para a garganta, anti-inflamatórios e analgésicos são divididos por categorias de dor: leve, moderada ou forte. “Eu gosto de ter remédios. Agora estou com amigdalite e tenho também antibiótico e anti-inflamatório”, diz. Andressa conta que nunca teve nenhum problema de interação entre os diferentes remédios, mas que, às vezes, a dor de cabeça que parecia ser mais leve se torna mais intensa, exigindo um medicamento mais forte.
Para a professora da USP Silvia Regina Secoli, esse comportamento é um reflexo da sociedade atual: “Temos uma cultura que aposta nas respostas imediatas. Prefiro tomar um remédio em vez de fazer dois anos de psicoterapia, no caso dos benzodiazepínicos”, observa. Mas, às vezes, tomar muitos remédios é necessário. “Não é porque um paciente toma muito remédio que vou deixar de prescrevê-los. O ideal é tentar reduzir ao mínimo os medicamentos, sem reduzir os efeitos de que ele precisa”, alerta a geriatra Debora Lopes.
A assistente administrativa Etienne Gomes sentiu no estômago as consequências do excesso de medicamentos. Depois de anos tomando qualquer medicamento que aliviasse a dor de cabeça, ela desenvolveu uma gastrite – o que exigiu a suspensão dos medicamentos sem prescrição médica. “A minha dor de cabeça, que era eventual, se tornou crônica, e achei melhor começar a tratar de outra forma. Hoje faço acupuntura e ioga e só carrego os remédios na bolsa, mas não tomo”, revela.
Eficiência
Entenda o que pode interferir nas respostasdos medicamentos
Enzimas – Para que cada medicamento apresente a mesma resposta em diferentes organismos, vai depender de algumas enzimas, que a pessoa pode ter ou não. A farmagenômica estuda o envolvimento de aspectos genéticos de cada um nessas respostas. No momento em que o remédio é metabolizado, algumas enzimas começam a trabalhar e, caso elas não se apresentem, o medicamento pode ser mais tóxico ou não ter efeito algum.
Outras doenças – Diabéticos, hipertensos, portadores do Mal de Alzheimer ou de deficiências vitamínicas podem apresentar uma resposta diferente aos medicamentos. O coração do hipertenso distribui o remédio de forma diferente, enquanto o rim do diabético não tem mais a capacidade de excretar da mesma forma do que o de uma pessoa saudável.
Idade – Quanto mais jovem (bebês e crianças até dois anos) ou mais velho (acima dos 60 anos) o paciente, maior será o risco de efeitos indesejados dos medicamentos. Um dos motivos para isso é que as indústrias farmacêuticas não fazem pesquisas e estudos com bebês ou idosos, e todos os processos que envolvem a cinética do medicamento, como sua absorção e excreção, se apresentam de forma diferente dos adultos.
Polifarmácia
No Brasil, 46% dos idosos consomem mais de cinco remédios, como o aposentado João Carlos de Lima Bueno
A rotina do aposentado João Carlos de Lima Bueno segue as regras dos remédios que toma. Dois antes do café da manhã, em jejum. O seguinte após a primeira refeição do dia. Depois do almoço mais dois e, à noite, completa os nove comprimidos diários. “São remédios para pressão, artrite reumatoide, um para proteger o estômago da bateria de comprimidos, outro para evitar uma embolia…”, enumera. A sequência faz com que tudo funcione corretamente e, para Bueno, a automedicação não é uma opção: “O omeprazol não faz nem cócega mais porque sempre tomei. Agora preciso de um mais forte. A gente toma muitas drogas”, confessa.
Modo de usar
Alguns procedimentos simples podem ajudar a tomar remédios e combiná-los entre si com segurança
Informe-se sobre o tratamento: Comprar os remédios que o médico manda e tomá-los nos horários corretos não é o suficiente para um bom tratamento. É importante que o paciente questione e entenda por que aquele remédio deve ser tomado em um determinado horário, quais as consequências de tomá-lo sozinho, em jejum, com outros remédios, após as refeições ou, ainda, o que fazer caso esqueça de ingeri-lo. A interação com o médico é a melhor postura.
Leia a bula: Na bula estão todas as interações com outros medicamentos a que aquele remédio está sujeito, os cuidados que o paciente deve ter e como evitar complicações, que vão desde redução ou aumento da eficácia ao risco de parada respiratória. Nenhum remédio é isento de risco e todos têm efeitos colaterais, especialmente para quem precisa tomar diariamente. Cabe ao médico descobrir a melhor combinação e, ao paciente, evitar a automedicação.
Tome-os da maneira correta: Administrados juntos ou isolados, em jejum ou após as refeições, com água ou leite. Cada remédio exige uma rotina para agir de forma correta no organismo. Se dois medicamentos que precisam ser tomados isolados são administrados em conjunto, um pode competir com o outro pelo mesmo sítio de metabolização no fígado. Nessa competição, um deles pode ter o efeito cortado. “A manifestação clínica ou sintoma pode ser a perda da eficácia da medicação ou ainda uma reação alérgica”, orienta a nefrologista da Sociedade Brasileira de Hipertensão, Frida Plavnik.
Conheça o princípio ativo: “Em um mesmo medicamento, é possível encontrar diferentes fármacos ou princípios ativos. Os mais conhecidos, que reúnem ação antitérmica e analgésica, como os antigripais, têm em média quatro componentes. Se juntar a outro medicamento, são cinco fármacos com apenas dois comprimidos”, explica a pesquisadora em interações medicamentosas Silvia Regina Secoli. Portanto, verificar quais são os princípios ativos evita uma superdosagem da mesma formulação. Por exemplo, dois medicamentos distintos – um para cólica e outro para dor de cabeça – podem conter a mesma quantia de dipirona, causando uma sobrecarga do composto no organismo.
Recorra a profissionais habilitados: “Automedicação não é apenas ir à farmácia e comprar o remédio que a amiga indicou. Ela acontece mesmo quando o medicamento é indicado por um profissional que não seja prescritor, como os farmacêuticos ou psicólogos. Os profissionais prescritores no Brasil são apenas os médicos e dentistas”, avisa a professora Silvia Regina Secoli.
Todo remédio requer cuidados: Até os remédios considerados “naturais” podem trazer consequências. O fitoterápico ginko biloba, por exemplo, usado para tratar a memória, pode induzir a sangramento gastrointestinal quando tomado junto com o ácido acetilsalicílico (AAS). “Os fitoterápicos podem aumentar ou diminuir o efeito das drogas e reduzir a absorção”, afirma a geriatra Debora Lopes.