infecções respiratórias e cerca de 20 tipos de câncer. O número crescente de associações feitas entre a sua deficiência e doenças ainda não reduziu o receio que os brasileiros têm de ficar ao sol, principal fonte de produção da vitamina.
Há quem se engane por achar que, simplesmente por viver em um país tropical, tenha regularizada a produção da vitamina. Uma série de fatores comuns aos hábitos modernos pode prejudicar a síntese, como dirigir de vidros fechados, principalmente se houver uma película protetora, passar protetor solar em excesso, utilizar apenas transportes subterrâneos, como o metrô, e evitar sair ao sol. Uma pesquisa feita em São Paulo pela Universidade de São Paulo mostrou que quase 80% da população têm níveis de Vitamina D abaixo do recomendado. Esta carência coloca o organismo em risco.
Nas sombras
Para verificar os níveis da vitamina nos curitibanos, a Gazeta do Povo selecionou três leitores que se dispuseram a ter o pré-hormônio medido. Todos os exames foram feitos pelo Laboratório Frischmann Aisengart, entre os dias 27 e 30 de agosto.
O resultado: todos ficaram abaixo do nível de suficiência, o que para o endocrinologista Mauro Sharf, diretor médico do laboratório, pode significar problemas caso o nível de cálcio no organismo também esteja baixo. “A partir desses resultados o médico pode decidir pela suplementação da Vitamina D”, diz ele, que avaliou cada caso em particular.
Além da influência da vida urbana moderna, o neurologista e pesquisador da vitamina, Cícero Coimbra, assinala que a insuficiência observada pela reportagem também passa pelo momento em que o exame foi feito. “Contribui para os resultados os exames terem sido feitos no inverno, quando se usa mais roupas e pouco se expõe ao sol”, diz.
Países ensolarados
Morar em países que têm sol o ano todo não garante níveis suficientes da vitamina. “Isso porque muita gente passa protetor solar desde cedo e utiliza rotineiramente os metrôs ou carros com películas. Ou seja, são cada vez mais raros os momentos de exposição”, diz o neurologista Cícero Coimbra.
Em Curitiba, o nível de Vitamina D abaixo do suficiente fica entre 70% e 80%, segundo as pesquisas mais recentes: um estudo desenvolvido pela médica endocrinologista Maria da Graça Carneiro Ronchi, publicado na Revista do Médico Residente em julho de 2012, aponta que 70% dos 210 prontuários de pacientes analisados denotavam hipovitaminose D. Dois anos antes, uma pesquisa desenvolvida pela UFRGS junto com a UFPR, encabeçada pelo educador físico Luis Paulo Gomes Mascarenhas, analisou 500 alunas de escolas públicas entre 10 a 15 anos, concluindo que oito a cada dez meninas tinham níveis do pré-hormônio abaixo de 20 ng/ml (deficiência) ou até 30 ng/ml (insuficiência).
A discussão sobre o tema parece só estar começando, como assinala a endocrinologista Margaret Boguszewski, que participou desta pesquisa, “especialmente pelo debate entre a posição dos dermatologistas em relação ao uso do protetor solar, e a dos endocrinologistas, que têm mostrado que a proteção não precisa ser tão exagerada”, diz.
Há muito ouvimos que, entre às 10 e 15 horas, o sol deve ser evitado. No entanto, especialistas afirmam que este é o melhor horário para o corpo sintetizar a Vitamina D, transformando-a em uma forma metabolicamente ativa, que influenciará positivamente na prevenção a doenças. Segundo o pesquisador norte-americano William Grant, expor-se de 10 a 30 minutos ao sol, com cerca de 20% a 40% do corpo exposto, no período citado, é o suficiente. Mas ele alerta: ninguém deve ficar ao sol até que surja vermelhidão.
Apesar das novas recomendações, médicos brasileiros reforçam que nem todo tipo de pele pode ficar sob o sol nestes horários. ”Pessoas com histórico de câncer de pele, peles tipo 1 (branca, sempre se queima, nunca se bronzeia e muito sensível) ou tipo 2 (branca, sempre se queima, às vezes se bronzeia, sensível), ou que sejam muito suscetíveis ao câncer de pele devem evitar este horário, pois os raios queimam e machucam quando o sol está a pino. O médico deve pesar o risco X benefício para o paciente. Uma sugestão é expor áreas de menor risco, como os braços e pernas”, explica o endocrinologista e diretor médico do Laboratório Frischmann Aisengart, Mauro Scharf.
Suplementação ainda na berlinda
Em países não tão ensolarados quanto o Brasil, a suplementação de alimentos é comum, como conta o endocrinologista Mauro Scharf. “No bufê de um hotel em que me hospedei na Finlândia havia pastilhas de cálcio e Vitamina D disponíveis sobre a mesa, uma atitude interessante para um país que tem muito inverno, pouca luz solar e altíssimos índices de deficiência dessa vitamina”, relata. Por aqui, a suplementação não é difundida. “A fortificação de alimentos ajudaria a população que não toma sol adequadamente, principalmente os idosos”, diz o presidente da Associação Brasileira de Avaliação Óssea e Osteometabolismo (Abrasso), João Lindolfo Borges.
Após a descoberta da ligação entre a falta da vitamina e o raquitismo, a adição do pré-hormônio aos alimentos teve dois momentos. Depois de os Estados Unidos suplementarem leites, queijos e até cervejas, verificou-se um aumento nos casos da doença de Williams, um problema genético intensificado pelo aumento do cálcio no organismo. “Observou-se que isso poderia estar sendo causado pela Vitamina D. A partir de então, os Estados Unidos começaram a temer a toxicidade da inclusão da vitamina”, cita o neurologista Cícero Coimbra, que descarta a possibilidade de intoxicação pela suplementação de até 10 mil unidades/dia. O neurologista diz que nunca houve casos de morte por intoxicação de Vitamina D.
Proteção contra cânceres
Quase 20 tipos de câncer estão relacionados a baixos níveis da vitamina. A associação tem sido feita desde a década de 1980, mas os estudos se intensificaram nos últimos anos, principalmente na Austrália, China, França, Japão e Espanha. A partir da relação entre as doses dos raios ultravioleta B (UVB), latitude e o nível da vitamina no organismo – 25(OH)D3 – verificou-se uma maior incidência dos cânceres de bexiga, mama, cervical, cólon, endométrio, esôfago, gástrico, pulmão, ovário, pâncreas, reto, renal e vulvar, bem como linfoma de Hodgkin e não-Hodgkin. A revisão de literatura feita em 2013 pelo pesquisador do Centro Norte-Americano de Pesquisas da Luz Solar, Nutrição e Saúde, o norte-americano William Grant, sugere também uma influência no câncer de cérebro, vesícula biliar, próstata e tireoide, leucemia, melanomas e mielomas múltiplos.
Segundo o consultor internacional em pesquisas sobre Vitamina D e organizador da 3ª Conferência Internacional de Deficiência da Vitamina D, o pesquisador árabe Afrozul Haq, a vitamina tem propriedades antiproliferativas que protegem o organismo, como a regulação do apoptose – morte programada das células no organismo – nos pacientes com câncer.
A geração do protetor solar está protegida demais?
As campanhas de incentivo ao uso de protetor solar levou ao uso indiscriminado do filtro que, de acordo com o pesquisador Afrozul Haq, tem deixado a população mais próxima de uma pandemia de deficiência de Vitamina D. “O uso do protetor forma uma película sobre a pele que interfere na absorção da luz solar e reduz a formação ativa da vitamina em 99%. Não é aconselhável usá-lo em excesso”, sugere Haq.
Sem haver um consenso sobre a quantidade de protetor solar ideal, a dúvida recai sobre o tempo que se passa protegido. “As pessoas acordam e passam protetor solar. Criou-se uma neurose em torno do câncer de pele”, comenta Borges. O neurologista e pesquisador em Vitamina D, Cícero Coimbra, sugere que, ao levar as crianças para a praia, o ideal é deixá-las sem filtro solar por 15 minutos, dependendo de quão forte está o sol, e só depois protegê-las. “Como estão bem expostas, poucos minutos são o suficiente: o fator 8 reduz em 95% a produção de Vitamina D, o 15 reduz em 99%”, diz ele, que também é diretor do Laboratório de Fisiopatologia Clínica e Experimental da Universidade Federal de São Paulo.
Para o endocrinologista Mauro Scharf, ainda faltam pesquisas randomizadas com alto número de participantes que tragam evidências sobre os prejuízos causados pelo uso excessivo de protetor.
A etnia influencia os níveis de Vitamina D no organismo, como aponta uma pesquisa desenvolvida na Universidade de Washington (EUA). O estudo relacionou a carência com riscos de doenças cardiovasculares e apontou as diferenças dos níveis entre 6.436 homens e mulheres brancos, negros, hispânicos e asiáticos. Os afrodescendentes apresentam os menores níveis de Vitamina D, seguidos dos hispânicos, chineses e brancos. O pesquisador árabe Afrozul Haq estima que os afrodescendentes devam ficar mais de 30 minutos sob o sol para sintetizar a mesma quantidade que pessoas caucasianas sintetizam em 15 minutos, visto que neles a produção é mais lenta. Ele sugere ainda a exposição de diferentes partes do rosto e dos antebraços como uma maneira de facilitar a absorção pela pele.
Outros fatores tendem a dificultar a síntese da vitamina pelo organismo, como a idade, gênero, variação sazonal, padrão de dieta, estilo de vida e a forma de se vestir. “Com o passar dos anos, a pele sofre um desgaste que prejudica a capacidade de absorver efetivamente a luz UV e, portanto, sintetizar a vitamina. Já os homens tendem a realizar mais atividades ao ar livre quando comparados às mulheres, o que faz com que eles tenham um nível melhor. Por todo o mundo islâmico, as mulheres muçulmanas atendem à prática cultural do uso de burca, o que evita que elas recebam quantidade adequada de exposição solar, ficando vulneráveis”, explica. Outra questão cultural do Oriente Médio que, segundo o pesquisador, colabora com a deficiência, é o costume de ficar um período maior dentro de casa durante o verão. Já na Europa, o nível de vitamina tende a ser melhor durante a estação, pois as pessoas ficam mais tempo ao ar livre, além de existirem políticas de fortificação alimentar.
Protegidos da concepção ao pós-parto
Além da alimentação reforçada, a mulher grávida também tem mais necessidade de Vitamina D. A exposição ao sol é uma indicação dos especialistas, e, caso não seja possível, a suplementação oral. “A falta da vitamina está associada a abortos e eclampsia, que obriga a retirada precoce do bebê. A vitamina é fundamental para o desenvolvimento do tecido nervoso durante a gestação”, exemplifica o pesquisador e neurologista Cícero Coimbra. Até mesmo o autismo pode ocorrer com mais frequência entre comunidades deficientes do pré-hormônio. Segundo relata Coimbra, no fim da década de 1980, diversas comunidades da Somália tiveram de fugir do país e se refugiaram na Suécia. Dois anos depois, houve um aumento considerável de crianças com autismo, o que levou os médicos suecos a associarem o autismo com a deficiência em Vitamina D.
Segundo o endocrinologista Mauro Scharf, a deficiência materna também é considerada um dos fatores responsáveis pelo reaparecimento do raquitismo na infância, bem como o aleitamento sem suplementação do pré-hormônio. “A deficiência grave no período neonatal pode causar ainda cardiomiopatias, miopatias do músculo esquelético que podem gerar um atraso no desenvolvimento motor”, ressalta. Ainda assim, ele reforça a necessidade de mais pesquisas para comprovar com bom nível de evidência a influência da Vitamina D em questões extraesqueléticas.
A ingestão da vitamina (ou produção por meio da exposição ao sol) deve continuar mesmo após o nascimento, visto que o pré-hormônio é repassado para a criança através do aleitamento materno. “O bebê também deve ser exposto ao sol. Por ter uma pele mais delicada, é importante focar no horário logo após as 10h ou um pouco antes das 16h, quando os raios não são tão intensos”, explica Coimbra.
Os benefícios da Vitamina D na prevenção a doenças relacionadas ao desenvolvimento ósseo, como raquitismo infantil e a osteoporose, já são conhecidos. Pesquisas recentes buscam relacioná-la com outros distúrbios, como doenças neurológicas, hipertensão, obesidade, diabete, depressão, doenças cardiovasculares e autoimunes. A ligação deles com a carência da vitamina, segundo o neurologista Cícero Coimbra, se dá pela importância fisiológica que o hormônio tem em boa parte das células do organismo. “Ele controla 10% da nossa carga genética. Todas as nossas células respondem à vitamina, o que não ocorre com todos os hormônios. Os sexuais, por exemplo, só atuam sobre o aparelho sexual”.
Um estudo liderado pelo pesquisador indiano Sreeram Ramagopalan, da Universidade de Oxford (Reino Unido), e publicado no jornal BMC Medicine, demonstra a ligação entre a estação do ano do nascimento e a susceptibilidade a diferentes doenças autoimunes. “Ficou claro que uma parte do risco de doenças autoimunes como esclerose múltipla, artrite reumatoide, colite ulcerativa e lúpus eritematoso sistêmico pode ser prevenida. A deficiência de Vitamina D na gestação aparece como um agente plausível e a identificação do fator sazonal pode ser crucial para a prevenção destas doenças”, apresenta o estudo.
Em outra pesquisa realizada no Instituto da Saúde da Criança de Londres, constatou-se que a prevalência de infecções respiratórias tinha um forte padrão sazonal, inversamente relacionado à concentração de 25(OH)D. “A cada 10 nmol/L a mais da vitamina no sangue, houve redução de 7% no risco para infecções”, diz o estudo desenvolvido com cerca de 7 mil participantes abaixo dos 45 anos.
“Doenças malignas e não malignas, como diabete, síndrome metabólica, esclerose múltipla e doença de Crohn, e a relação com a deficiência de Vitamina D são temas de diversos estudos e publicações recentes, mas ainda se buscam melhores níveis de evidências do que correlações demográficas e epidemiológicas”, diz o endocrinologista Mauro Scharf. O Relatório de 2011 das Referências de Ingestão de Cálcio e Vitamina D do Instituto de Medicina dos Estados Unidos apontou que as evidências atuais são inconsistentes, e os estudos randomizados ainda são limitados e inconclusivos em relação à causa.
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