Emoções e situações cotidianas transformadas pelo inconsciente em peças de teatro. Ou em filme, quem sabe – desses bem contemporâneos, experimentais, que não têm começo, nem fim, nem roteiro. Assim mesmo é que são os sonhos. Surreais, ilógicos, imprevisíveis. Mas de onde será que vêm essas produções estranhas, que nos acompanham todas as noites, ainda que muitas vezes não nos lembremos delas? Por que, muitas vezes, temos a sensação de que eles – os sonhos – querem dizer alguma coisa, fazer algum tipo de alerta, ou simplesmente nos fazer repensar aspectos da vida?
O que se sabe, com certeza, é que todo mundo sonha. Uns de forma intensa, com mais riqueza de detalhes, ou simplesmente, porque lembram com mais facilidade que outros. O resto? Bem, a partir daí, médicos, psicanalistas, psiquiatras e outros profissionais que trabalham com o tema caminham por vias opostas. Sabe-se, por exemplo, que o sonho aparece, com mais freqüência numa determinada fase do sono chamada REM (Rapid Eye Movements), bem mais profunda e que tem a duração de aproximadamente 90 minutos. Mas nada impede que as pessoas sonhem também logo nos primeiros minutos de sono e, despertando, pode causar uma confusão mental sobre o que é sonho e o que é realidade. Há ainda quem sonhe acordado. É o chamado “viver nas nuvens”, o pensar na vida, o fazer planos. Segundo os especialistas, este não tem a ver com aquele que se sonha dormindo, mas ele faz parte da natureza do homem de sempre estar em busca de alguma coisa e de imaginar situações para sua vida.
“Desde Freud, os sonhos não são somente produtos do sistema neurofisiológico. São mensagens do inconsciente que, numa analogia, poderiam ser representadas por conteúdos criptografados, simbólicos. No entanto, não há tradução direta”, comenta a psicanalista Angela Valore. “As figuras usadas pelo inconsciente podem representar outra coisa. E nem sempre a história que eles contam é importante. Às vezes, o sentido do sonho pode ser um disfarce para questões mais profundas. Por isso é que precisam ser interpretados”, acrescenta.
Filtros
Os sonhos, segundo a psicanalista, são muito diferentes dos relatos que geralmente fazemos sobre eles ao acordar. “Aquele conteúdo desconexo, criado pelo inconsciente, passa por um filtro de censuras e recalques que acaba por modificar e mutilar o original. Isso é o que chamamos de conteúdo manifesto, que é o que contamos sobre o sonho. Por trás disso tudo, há um conteúdo latente que precisa ser avaliado”, diz Angela
Para a psiquiatra e psicoterapeuta Margane Capeletto, autora do livro Sonho, Um Caminho Para o Auto-conhecimento, “o inconsciente registra as vivências, os sofrimentos profundos e transforma isso numa outra coisa, como uma peça teatral.
Isso são os sonhos”. Ela explica que essas situações vão sendo acumuladas e formam uma espécie de banco de dados que pode ou não ser ativado. “Houve uma vez o caso de uma mulher que tinha recebido a proposta para comprar um apartamento. O vendedor era falante e bem apessoado e ela ficou de pensar no assunto. Durante o sonho, o vendedor apareceu como um monstro. Ela não fez o negócio e mais tarde descobriu que ele era um estelionatário. A consciência é cega. Mas o inconsciente registra detalhes, pequenas nuances que percebem às vezes a má intenção de alguém. Isso é o que chamamos de intuição.”