Você tem dificuldades ou sente-se ansioso ao ver alguma coisa suja ou desalinhada? Sente medo de contaminação? Revisa excessivamente tarefas já realizadas? Esses são os principais sintomas do Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), doença que tem causas e efeitos bastante variados, com origem em questões genéticas e fatores ambientais.
“Não basta ter uma tendência genética. Há necessidade de fatores ambientais, com algum trauma ou estresse agudo ou crônico. Assim, se uma pessoa tem uma carga genética muito forte (e, por consequência, certa fragilidade neurobiológica), basta um pequeno evento para desencadear a doença. Por outro lado, se não há herança genética é preciso um fator ambiental bem maior”, explica Ygor Arzeno Ferrão, professor da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), coordenador do Ambulatório de Transtornos de Ansiedade e TOC do Hospital Materno-Infantil Presidente Vargas.
A probabilidade de uma pessoa com TOC ter um familiar com o transtorno é de quatro a cincovezesmaior do que uma que não sofre da doença, de acordo com Aristides Volpato Cordioli, professor aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Se um dos gêmeos tem TOC, o risco de o outro também ter é de quase 50%, segundo o psiquiatra.
“É bastante evidente que no TOC a pessoa aprende a lidar de maneiraerrada com seus medos. Ela descobre que fazer um ritual e evitar tocar em coisas de que tem medo lhe deixa mais tranquila, e passa a repetir”, diz Cordioli, autor e organizador de livros sobre o tema.
Os sintomas não se apresentam, necessariamente, com a predominância de um tipo. De acordo com a professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) Roseli Gedanke Shavitt, pessoas com o transtorno podem ter mais de um ao mesmo tempo. “Estudamos bastante a questão do tipo de sintoma, de qual é mais grave numa determinada pessoa e em um determinado momento. O que a gente vê é que, tanto pode ter um grupo de sintomas mais importantes, como pode ter empate entre, por exemplo, contaminação e simetria ou medo de provocar um dano para alguém e escrupulosidade. Há várias combinações possíveis”, explica.
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Não posso ver nada desalinhado, eu tenho TOC?
Organizar o guarda-roupa por cor, tamanho e virar todos os cabides para o mesmo lado. Alinhar simetricamente todos os quadros (inclusive em uma parede que não é da sua casa). Contar os passos enquanto caminha. Somar os números das placas de todos os automóveis que vê na rua. Quem faz coisas assim tem TOC?
“São sintomas. Mas um sintoma isolado é muito frequente na população em geral. Isso pode não ter significado clínico. Se isso não faz a pessoa perder mais tempo do que ela precisa no dia dela, se ela não sofre por causa disso, se ela não vive em função disso, é só um hábito ou necessidade para se sentir bem. É problemático quando ela se atrasa no trabalho ou falta para ficar organizando o guarda-roupa, por exemplo, ou quando quer parar e não consegue, pois sente um desconforto muito grande quando tenta parar”, explica Roseli Gedanke Shavitt, da USP.
Como é feito o diagnóstico?
O diagnóstico é feito por meio da avaliação de um especialista, normalmente um psiquiatra ou um psicólogo. Muitas vezes, os sintomas são negligenciados por quem tem a doença, fazendo com que o tratamento se inicie com quase 20 anos de atraso, salienta Ygor Arzeno Ferrão, professor da UFCSPA.
“Isso significa que já houve muitas perdas no meio do caminho: quadros depressivos associados, perdas de oportunidadeacadêmicas e profissionais, perda de relacionamentos, etc. Elas, provavelmente, dificultarão a vida do paciente e de seus familiares, tornando a resposta aos tratamentos bem mais difícil”, explica Ferrão.
A gravidade da doença, conforme o professor aposentado da UFRGS Aristides Volpato Cordioli, pode atingir níveis extremos. “Entre os pacientes com TOC, 10% tem uma incapacidade grave. Neste ponto se compara com outras doenças mentais como esquizofrenia. As pessoas passam o dia todo fazendo rituais, não conseguem interromper, não conseguem trabalhar, ter vida, desenvolver autonomia, e acabam sobrecarregando a família”, diz.
Quais são os tratamentos mais comuns?
Há dois tipos de tratamento, e os especialistas recomendam que sejam combinados: a terapia cognitivo-comportamental e a utilização de medicamentos conhecidos como inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS). Mas evita-se falar em cura.
“A gente não fala em cura porque a regra no tratamento é ser mais comum a pessoa manter alguns sintomas residuais do que zerar. A diferença é que esses sintomas residuais não interferem na vida da pessoa, não trazem sofrimento, mas estão ali”, pondera Roseli.
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Existe TOC em criança?
Sim. Os sintomas do TOC podem começar ainda na infância. Em geral, manifestam-se primeiro nos meninos e, no que avança a idade, o índice de meninas com a doença aumenta até se equipararem na vida adulta. A ciência ainda não sabe dizer por que há essa diferenciação por gênero, mas isso também é uma verdade para outros transtornos psiquiátricos.
“Os sintomas são muito semelhantes tanto em adultos quanto em crianças e adolescentes. O que muda é que, na infância, alguns sinais são mais frequentes e mais fáceis de aparecer do que outros”, analisa Maria Conceição do Rosário, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Quanto mais novas as crianças,mais comum é a presença de compulsõessem obsessões. Um exemplo é a alta frequência com que alguns meninos e meninas lavam as mãos, checam se alguma coisa está do jeito que imaginam que tem de estar ou caminham desviando da linha da lajota.
“Existem algumas fases em que ter sintomas obsessivos- compulsivos é absolutamente normal. Dos dois aos cinco anos é muito frequente que as crianças tenham rituais, como querer que os pais contem histórias sempre do mesmo jeito ou que os alimentos não toquem uns nos outros dentro do prato. Algumas pessoas têm esses rituais e depois não desenvolvem TOC”, relata Maria Conceição. Para se chegar a uma conclusão se é ou não TOC nessa faixa etária, não é considerado apenas se há rituais ou pensamentos obsessivos: é importante, como nos adultos, verificar a frequência com que eles acontecem, a intensidade e o quanto eles causam incômodos, desconforto ou ansiedade.
Ainda na infância, com quadros leves, o tratamento se baseia em psicoeducação e orientação da família para lidar melhor com os sintomas.
“Dificilmente começa depois dos 25 anos ou em pessoas mais velhas. Muitas vezes, compulsões e obsessões podem ser sintomas de doençasneurológicas. Quando começa depois dos 40 ou 50 anos, essa pessoa pode estar tendo tumorcerebral ou outras doenças neurológicas nas quais possa fazer parte uma compulsão”, diz Aristides Volpato Cordioli, professor aposentado da UFRGS.