Veja como é feito o sequenciamento genético e para quais casos é indicado
Jessica Maes, especial para a Gazeta do Povo
26/07/2019 13:00
Exames que fazem o sequenciamento genético precisam apenas da sua saliva (Foto: Bigstock)
Desde 2003, quando 20 cientistas de seis países identificaram e mapearam o genoma humano, a tecnologia avançou o suficiente para que o mapeamento genético seja usado no mundo todo e em diversos campos – da antropologia às ciências forenses.
Avanços no diagnóstico e no tratamento de doenças também foram favorecidos pelos estudos genômicos e, hoje, exames de sequenciamento genético podem ser feitos até mesmo por laboratórios clínicos.
No Brasil, os custos não são baixos, mas são acessíveis a pessoas e não apenas a instituições. Ao final de junho, o laboratório de apoio Diagnósticos do Brasil começou a oferecer o teste de sequenciamento genético myGenome, desenvolvido pela companhia norte-americana Veritas.
Com apenas uma amostra de saliva, o teste mapeia todas as bilhões de letras do DNA de uma pessoa na sua sequência. Os resultados chegam na forma de um relatório, onde são apontadas as variações genéticas que podem indicar uma predisposição a problemas de saúde.
“É uma Bíblia da sua vida. O resultado completo tem 160 páginas”, explica Nelson Gaburo, gerente geral do braço do laboratório dedicado à biologia molecular e genética. “O paciente recebe um laudo eletrônico e é agendada uma consulta para aconselhamento genético”.
Segundo a empresa, o exame pode detectar a predisposição a mais de mil doenças hereditárias, além de informações sobre ancestralidade, metabolismo e dados farmacogenômicos – que relacionam a interação de medicamentos com a informação genética do paciente.
Este, porém, não é um exame diagnóstico:
“Ele é recomendado para indivíduos saudáveis que querem melhorar a expectativa de vida”, diz. Com duas opções de diferentes complexidades, os valores para o myGenome variam de R$ 10 a R$ 20 mil. “O grande apelo é se conhecer melhor e não deixar que a genética vença você”.
Modo de vida e saúde
Gaburo, que teve o seu genoma testado e afirmou não ter descoberto nada grave, ficou muito feliz em ter feito o teste. Já a geneticista Mayana Zatz, diretora do Centro de Pesquisas do Genoma Humano e Células-tronco da Universidade de São Paulo (USP), conta que nem ela, nem ninguém no centro teve o seu genoma sequenciado, mesmo podendo fazer o teste gratuitamente. “Se você não tem uma doença genética na família, a eficiência destes testes é muito baixa”, afirma.
“Nos Estados Unidos, pesquisas estão tentando determinar riscos poligênicos: algumas variações que podem mostrar um aumento no risco de desenvolver diabetes, hipertensão ou outros problemas cardíacos, mas não é [um resultado] determinístico. É um risco um pouco aumentado, mas que vai depender muito do ambiente”, explica a professora, que tem mais de 30 anos de carreira.
Pelo sequenciamento, é possível saber se é um candidato ou não a ter doenças como Alzheimer ou Parkinson, que se desenvolvem ao longo da vida e têm genes ligados a ela. “Uma doença como o Alzheimer, no entanto, é multifatorial, então tem alguns genes que são importantes, enzimas que têm a sua função alterada, embora dependa de vários outros fatores [para se manifestar]”, pondera Giseli Klassen, professora do departamento de Patologia Básica da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e especialista em epigenética. A epigenética é o estudo de mudanças hereditárias no fenótipo que não envolvem alterações na sequência do DNA.
Doenças genéticas são relativamente raras, conforme explica Giseli, e no mundo todo a maior quantidade de mortes ocorre por transtornos mais relacionados ao modo de vida, e menos ao genoma.
“As doenças que mais matam as pessoas são os transtornos circulatórios e o câncer. E essas doenças são muito mais provenientes do que as pessoas fazem com a vida e com a saúde do que com os genes que ela herdou”, garante a especialista em epigenética.
É para todo mundo?
Para a geneticista Mayana Zatz, os exames de sequenciamento não valem a pena para a população em geral. Ao público, é suficiente um acompanhamento médico com mais atenção:
“Se o teste apontar um aumento no risco de diabetes, por exemplo, a recomendação vai ser: tenha uma alimentação saudável, faça exercício e controle de peso. Mas essa receita é pra todo mundo. Nenhum médico vai dizer para alguém, ‘Pode comer mal'”, exemplifica.
Da mesma forma, não há evidências de que o sequenciamento de todo o genoma tenha uma utilidade médica, ou seja economicamente viável, a toda população, de acordo com Joel Krier, chefe clínico da divisão de genética do Brigham and Women’s Hospital e professor da Faculdade de Medicina de Harvard, nos Estados Unidos. “No entanto, para certos indicativos de diagnósticos, quando há a suspeita de uma doença genética, o sequenciamento de todo o genoma se mostrou muito efetivo”, completa.
Tenho uma doença genética?
Doença genética é qualquer doença que altere o material genético daquele indivíduo. Elas podem ser ou não hereditárias (que são transmitidas para os filhos quando estas alterações estão nas células generativas).
“Em média, mais ou menos 2 a 3% dos nascidos vivos têm doenças genéticas. Na população do Brasil, seriam cerca de seis milhões de pessoas”, diz Mayana Zatz, geneticista. “Todos nós somos portadores de mutações para alguma doença genética. Mas o risco [de desenvolver a doença] só ocorre se você tiver duas mutações para a mesma doença genética, que venham do pai e da mãe”, explica.
E quando há histórico ou suspeita destas doenças, o escaneamento genético se torna mais útil. Ele pode, por exemplo, mostrar tipos de câncer hereditários ou ser usado quando os pais estão pensando em ter filhos e querem saber os riscos da criança desenvolver alguma doença genética. Nesse caso, é necessário fazer o sequenciamento de ambos os pais. A fibrose cística, por exemplo, é a doença genética mais comum na Europa em populações caucasianas. Porém, se apenas um dos progenitores tiver a mutação para ela, a criança não a desenvolve.
Futuro promissor
O site da Veritas Genetics, responsável pela produção do myGenome, garante que a informação obtida com o teste “se tornará mais valiosa à medida que a tecnologia avança”. Em termos de ciência, o processamento das informações de todo o genoma humano ainda é algo relativamente novo e que vem evoluindo constantemente.
Para a pesquisadora da USP, saber, hoje, que alguém tem chances de desenvolver no futuro doenças como Parkinson ou Alzheimer não adianta muito, porque ainda não há nenhum tratamento preventivo. “Mas se amanhã descobrirmos um tratamento para poder prevenir, pode ajudar”, pondera.
E, um dia, o sequenciamento genético pode ser um teste tão comum quanto um exame de sangue?
“É pura especulação, mas eu, pessoalmente, acredito que sim. Mesmo ainda sendo um teste caro, o custo vem caindo e, recentemente, nos EUA, [o valor] está se aproximando de outros testes médicos que fazemos quase que regularmente, como tomografia ou ressonância magnética”, aposta Krier.
“Eu acho que, à medida que nós continuamos conseguindo extrair mais informações clinicamente importantes, deve ser possível demonstrar a utilidade clínica e o valor econômico de fazer isso. Eu não sei quando vai ser, mas acho que no futuro isso vai ser parte da nossa rotina de cuidados de saúde”, completa.
Glossário
Gene: a unidade fundamental da hereditariedade. Genes são compostos por uma sequência de nucleotídeos que codificam para uma molécula no DNA ou RNA. São os genes que carregam as informações do DNA ou das características que constituem uma pessoa, como por exemplo qual é a cor dos seus olhos ou a predisposição para alguma doença.
Genoma: sequência completa de DNA de um organismo. O genoma humano é composto de 3 bilhões de pares de bases nitrogenadas. O genoma fornece um mapa das características físicas e genéticas de uma pessoa.
DNA: o ácido desoxirribonucleico (DNA) é um tipo de ácido nucleico relacionado ao armazenamento e transmissão das informações genéticas.
Sequenciamento genético: série de métodos bioquímicos que determina a ordem das bases nitrogenadas adenina (A), guanina (G), citosina (C) e timina (T) da molécula de DNA. A partir dessa ordem, conseguimos identificar se uma pessoa tem cabelos cacheados ou lisos, se é morena ou branca, alta ou baixa, etc.