Reinaldo Bessa

Querido dos curitibanos, personagem das Balas Zequinha está de volta e ganha loja exclusiva

22/03/2021 10:53
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Se algum forasteiro chegasse a Curitiba perguntando no primeiro Posto Ipiranga pelo caminho onde mora o tal Zequinha, o das balas, a resposta seria: numa bucólica rua do São Lourenço, numa ampla e confortável casa de dois andares, conhecida como Solar do Zequinha.
Ali vive o curitibano Nilson Valdir Muller, prestes a completar 80 bem desenhados anos, um dos pais do famoso personagem que povoou a imaginação de várias gerações de piás curitibanos a partir do final da década de 1920. A casa onde vive com a mulher, Nilza, a filha, genro e um neto adulto, começou a ser erguida com a ajuda de Zequinha, daí o nome da propriedade.
Atualmente único desenhista vivo do palhaço mais famoso da cidade, Nilson foi convocado para recriar o álbum e as figurinhas colecionáveis depois de 40 anos. A ideia partiu dos empresários Robson Krieger e João Luís Vieira Teixeira, que pretendem abrir a Loja do Zequinha nas Arcadas de São Francisco neste mês em comemoração ao aniversário de Curitiba. Krieger, que há anos mantém uma galeria de arte no Largo da Ordem, ganhou uma licitação da prefeitura para explorar o novo espaço.
Tudo começou no final de outubro do ano passado quando os dois contrataram os serviços de Nilson para criar a logomarca de sua plataforma de vendas online Sambay Express, uma arara. Krieger perguntou se ele topava recriar o Zequinha para a loja, já que não tinha planos imediatos para ela. Adormecido desde 1979, ano em que circulou pela última vez como protagonista de uma campanha lançada pelo governo do estado, na segunda gestão de Ney Braga, para estimular a arrecadação do antigo ICM (Imposto sobre Circulação de Mercadorias), Zequinha ressurge em pleno século 21 incorporando todas as esquisitices e neuras pós-modernas, desta vez sem pedir nota fiscal.
Se antes era Zequinha no parque ou no ônibus agora é na fila da vacina ou no home office. E usando máscara ou lavando as mãos em algumas ocasiões em meio a situações corriqueiras. Os primeiros Zequinhas, dos anos 1920, eram diferentes dos de Nilson. Na aparência e nas atitudes. Havia até figurinhas em que ele apontava uma arma para a própria cabeça, além de ostentar outras condutas reprováveis.
Ao Google: “As Balas Zequinha tiveram lançamento original em 1928 pela fábrica ‘A Brandina’, dos Irmãos Sobania, em Curitiba, com desenhos de Alberto Thiele, de Paulo Carlos Rohrbach e outros, impressas pela Impressora Paranaense. O êxito na estratégia de divertir seus consumidores foi tanto que a fábrica ‘A Brandina’ aumentou a tiragem das figurinhas com novas caricaturas do Zequinha. A distribuição foi encerrada em 1940”.
Neste ano, as balas foram relançadas pela fábrica Irmãos Franceschi, também de Curitiba, circulando até 1955. Na época, a coleção tornou-se um dos passatempos preferidos das crianças de Curitiba. Em 1955, houve novo relançamento, pela Fábrica de Balas São Domingos, de E. J. Gabardo e Massochetto, também em Curitiba, com 200 figurinhas, circulando até 1967. Em 1974 houve um novo lançamento e o último em 1979 para a campanha do governo do estado.
Nilson Müller, que se considera ilustrador, nasceu praticamente desenhista. Ainda criança, gostava de copiar personagens de histórias em quadrinhos. Chegou a ser sondado pela Editora Abril para desenhar as edições brasileiras de Mickey e Pato Donald. Em 1989 foi tentar a carreira de desenhista no Canadá, mas a saudade da família falou mais alto e ele desistiu. Também passou pelos Estados Unidos, onde manteve contatos com a gigante das HQ Marvel. Voltou correndo para casa e nunca mais cogitou sair de sua aldeia.
Zequinha ressurge<br>incorporando<br>todas as esquisitices e neuras pós-modernas.
Zequinha ressurge
incorporando
todas as esquisitices e neuras pós-modernas.
Foi só a partir do contato com Robson Krieger e João Luís Teixeira, que se tornaram seus licenciados, que Nilson resolveu tirar Zequinha da gaveta. Ou melhor, do HD, já que nos últimos anos vem trabalhando no computador. Até então ele vinha desenhando o personagem em canecas e aceitando encomendas – fez um quadro do Zequinha no Paço da Liberdade para uma curitibana que mora em Luxemburgo. O prefeito Rafael Greca e o governador Ratinho Jr. também foram agraciados com suas respectivas caricaturas ao lado do personagem numa rara concessão política do apolítico Zequinha.
Segundo Nilson Müller Filho, a ideia de começar a desenhar produtos com a marca Zequinha foi uma maneira de seu pai se manter ativo durante a quarentena. Não fosse isso, faria uma grande exposição de suas obras – ele também é artista plástico e pinta quadros. A pandemia o obrigou a mudar os planos.
Além dos álbuns e das figurinhas e de funcionar como ponto de troca, a Loja do Zequinha by Nilson Müller vai vender uma linha de produtos do personagem, como camisetas, canecas, bonés, guarda-chuvas e chaveiros. A tiragem inicial do álbum será de dez mil exemplares e 2 milhões de figurinhas. A ideia é oferecer prêmios, como bicicletas, aos novos colecionadores.
Quanto ao novo Zequinha, ele é politicamente correto. Não faz apologia de bebida nem de política. Nilson prefere não o rotular. “Ele é neutro, não tem atitude política, não conflita com nada que possa criar problema. É um cara bem intencionado, respeitador, tanto das instituições quanto das pessoas, e não é formador de opinião”, assegura. Então, não espere Zequinha pedindo a cabeça de ministros do STF nem bradando “Fora, Bolsonaro” ou “Lula preso”. Zequinha é uma espécie de Alice tropical em versão masculina a cantar as maravilhas de seu país, sem grandes encanamentos filosóficos. Tampouco é curitibano. É um cidadão do mundo.
Mas como se comportariam as crianças de hoje, que já nascem sabendo mexer num celular e só se interessam por criaturas tecnológicas? Nilson Müller aposta no colecionismo, uma coisa que faz parte do espírito humano, segundo ele. “Os pais é que têm a memória afetiva para fazer despertar o interesse dos filhos”, acredita o último pai do mais conhecido dos piás curitibanos.