Livros

Livro destaca a importância histórica dos antigos armazéns de secos e molhados para Curitiba

Patrícia Sankari
20/05/2024 11:00
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Os antigos armazéns de secos e molhados já não têm a mesma função que tiveram no passado – muitos, aliás, foram transformados em bares e restaurantes –, mas continuam ajudando a contar a história de Curitiba e, assim, integram o patrimônio histórico da cidade. É isso que mostra o livro “Os Armazéns na Cidade, a Cidade nos Armazéns”, que tem lançamento marcado para esta terça-feira (21), na Mercearia Fantinato, com entrada franca e distribuição de 100 exemplares.
Com organização da arquiteta Thais Glowacki, textos da arquiteta Cleusa de Castro e do jornalista Sandro Moser, fotografias de Gilson Camargo e projeto gráfico e capa de Jaime Silveira, o livro é dividido em duas partes.
Armazém Fantinato.
Armazém Fantinato.
Na primeira, “Os Armazéns na Cidade”, Cleusa faz uma análise arquitetônica dos armazéns remanescentes em Curitiba. Na segunda, “A Cidade nos Armazéns”, Sandro captura o fluxo da memória coletiva, revela as histórias das pessoas e acontecimentos que se desenrolaram porta adentro desses espaços comerciais.
“Eu trabalho com Patrimônio Histórico há 30 anos. Minha preocupação, como arquiteta, sempre foi trazer esse olhar para infraestrutura que já passou e que traz significado para as nossas cidades, para o lugar em que vivemos. É justamente começar a prestar mais atenção nesses atores “coadjuvantes”, nesse quase fundo de cena que diz tanto sobre a nossa cidade”, diz Cleusa.

Os Armazéns da Cidade

“Nosso primeiro passo foi identificar esses locais como objetos arquitetônicos com identidade própria. Ao contrário das grandes igrejas, palácios e mansões dos nobres, esses armazéns são construções simples, comuns e discretas, mas que têm um lugar de destaque na malha urbana”, explica Cleusa.
A partir disso, a autora – que estuda o tema há anos – analisou cerca de 20 armazéns de Curitiba da primeira metade do século 20 e chegou a três famílias tipológicas para classificar os espaços.
A primeira se refere às construções de esquina, que eram estrategicamente posicionadas para garantir maior visibilidade. Essas edificações eram alinhadas junto à calçada, sem jardins frontais, aproveitando o fluxo de pedestres. “Essas construções se destacam por suas alvenarias de tijolos, múltiplas portas e janelas que se abrem diretamente para a rua, permitindo fácil acesso dos clientes”, explica.
Armazém Simm.
Armazém Simm.
No segundo grupo estão armazéns menores, localizados no meio da quadra. Embora não tenham a mesma visibilidade das esquinas, essas edificações também estão alinhadas à calçada e apresentam uma ou duas portas que dão diretamente para o salão principal. “São construções mais simples, mas ainda assim carregam os traços estilísticos das épocas passadas, como molduras ornamentadas e telhados ocultos”, destaca.
A terceira inclui os armazéns localizados em áreas mais afastadas do centro urbano, frequentemente situados em bairros distantes ou ao longo de estradas que ligavam pequenas colônias. Essas edificações lembram mais casas do que lojas urbanas, e são fortemente influenciadas pelas arquiteturas dos imigrantes italianos, poloneses, alemães e ucranianos que contribuíram para a formação da cidade.
"Sem esses armazéns, a cidade começa a perder partes de sua identidade e história”,
afirma Cleusa.
Por isso, trazer visibilidade é uma forma de sensibilizar a sociedade para a preservação desses fragmentos arquitetônicos e, assim, manter viva a memória afetiva e cultural das cidades. “Eu queria que as pessoas prestassem mais atenção e, quem sabe, lutassem pela preservação de, pelo menos, uma ou duas dessas unidades".

A Cidade dos Armazéns

"A minha parte foi conversar com pessoas e famílias que tiveram armazéns para fazer uma espécie de etnografia desse período," explica Sandro. O levantamento inicial identificou mais de 50 armazéns, mas o desafio de documentar todas as histórias levou a uma abordagem mais focada. “Nós invertemos um pouco o processo, e passamos a buscar temas específicos”, explica.
Um dos tópicos escolhidos foi a prática do fiado, que permitia levar o produto e pagar depois, com os valores devidos anotados em cadernos pelo comerciante. Outro foi a produção artesanal, afinal muitas famílias produziam suas próprias mercadorias, como conservas e doces, para venda nos armazéns.
Foi o caso da Dona Iara, conhecida em Curitiba como "Iara do Pepino". Dono de um armazém no Bigorrilho, o pai de Iara era famoso por suas conservas de pepino.
“Ela aprendeu a arte das conservas com o pai e conta que durante a produção era uma festa, eles cantavam e aproveitavam. No começo, Iara era ajudante dele e, na velhice, era ele quem ajudava ela. Após a morte dele, continuou a tradição”,
conta Sandro.
Embora o armazém tenha fechado, Iara seguiu na produção de conservas.
Outra história destacada pelo autor, que fez mais de 40 entrevistas, é a de Dona Rudolphina Niche. Viúva duas vezes, ela administrou um armazém em sua casa, na região do Alto da Glória, para sustentar seus oito filhos.
Sandro Moser e Cleusa de Castro são os autores do “Os Armazéns na Cidade, a Cidade nos Armazéns”.
Sandro Moser e Cleusa de Castro são os autores do “Os Armazéns na Cidade, a Cidade nos Armazéns”.
“O armazém funcionou nos anos 30, com ajuda dos filhos. Dizem que até um pequeno cassino de jogos de baralho existia escondido atrás de uma das portas”, conta Sandro. O negócio fechou após a Segunda Guerra Mundial, e foi vendido para a família Trevisan, o que levou o local a ficar famoso como a casa do escritor Dalton Trevisan.
“Essa é uma história que eu não fazia ideia. E esse era nosso foco principal: resgatar a memória desse patrimônio histórico, tanto material quanto imaterial. Mostrando como é que o povo constrói uma cidade e como é que o povo vê a cidade ser construída. Trazendo esse olhar duplo e eu acho que a gente conseguiu dar conta disso nesse livro. E além de ficar como registro, serve também para ajudar a pensar sobre alguns hábitos de consumo e valorizar o comércio local. Tem alguns recados interessantes que esse livro deixa para refletirmos e repensarmos”,
finaliza Sandro.

Serviço

  • O quê? Lançamento do livro “Armazéns na Cidade, a Cidade nos Armazéns”, de Cleusa de Castro e Sandro Moser
  • Quando? 21 de maio, às 18h
  • Onde? Mercearia Fantinato (Rua Mateus Leme, 2553, São Lourenço, Curitiba - PR)
  • Entrada gratuita

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