Comportamento

Raquel Derevecki

Como a confeitaria e o amor salvaram jovem com doença rara da depressão

Raquel Derevecki
26/05/2019 08:00
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Foto: Luciano Dominguez

Com até três andares, diversos temas disponíveis e recheios que agradam o paladar, os bolos de festa preparados pela jovem Amanda Amaral, de 23 anos, estão conquistando espaço nas festas de aniversário em Feira de Santana, na Bahia.
No entanto, o motivo que a faz botar a mão na massa todos os dias vai além do fruto do seu trabalho. A jovem confeiteira tem as mãos atrofiadas, convive diariamente com muita dor e vê em cada bolo finalizado um passo no seu desejo de superação.

“Eu tinha 14 anos de idade quando apresentei os primeiros sintomas da esclerodermia sistêmica”, relata a jovem, que ouviu os médicos afirmarem que ela não passaria dos 18 anos.

Em poucos meses, sua pele apresentou manchas e feridas, os dedos das mãos se retraíram e os cabelos e dentes caíram. “Comecei a ficar toda roxa no frio, tinha a imunidade extremamente baixa e sentia fortes dores nas articulações”. A situação piorou rapidamente e ela precisou de uma cadeira de rodas para se locomover, chegou a pesar 25 quilos e entrou em depressão.
De acordo com a reumatologista Ana Luíza Sella, o diagnóstico de esclerodermia sistêmica é raro e atinge aproximadamente duas a cada 100 mil pessoas, principalmente mulheres. Além disso, a causa da doença ainda é desconhecida, não tem cura e gera uma disfunção no sistema imunológico do paciente que compromete o tecido conjuntivo, responsável pela sustentação do corpo.
Foto: Arquivo pessoal/Amanda Amaral
Foto: Arquivo pessoal/Amanda Amaral

“Essa doença pode afetar a pele do paciente, o sistema músculo-esquelético e ainda alguns órgãos como coração, rins e pulmões”, explica a médica e professora da Pontifícia Uuniversidade Católica (PUCPR) de Londrina, no Paraná.

No caso de Amanda, os sintomas fizeram com que a jovem tivesse dificuldades para respirar, visse sua pele ganhar aspecto de rigidez e as mãos perdessem mobilidade. “Hoje só consigo mexer meus polegares, mas me adaptei com isso e consigo preparar os bolos e doces decorados para festas”, afirma a doceira, que posta foto de todas as suas criações no Instagram. “Faço com muito carinho, e os bolos ficam bonitos e gostosos”, garante.
Segundo ela, o trabalho é uma das maneiras que ela encontrou para superar a doença e aceitar sua condição física. “Infelizmente, as pessoas olham muito para a aparência e isso me influenciou de forma ruim. Entrei em depressão e só ficava trancada em casa”, recorda a jovem, que parou até de frequentar a escola devido aos comentários maldosos de colegas.
A jovem confeiteira de 23 anos mexe apenas os polegares, convive com muita dor e vê em cada bolo um sinônimo de superação. Foto: Arquivo pessoal/Amanda Amaral
A jovem confeiteira de 23 anos mexe apenas os polegares, convive com muita dor e vê em cada bolo um sinônimo de superação. Foto: Arquivo pessoal/Amanda Amaral
No entanto, algumas conversas pela internet com o baiano Deyverson Souza Silva, de 20 anos, mudaram sua rotina. Muito atencioso, o jovem se tornou um grande amigo de Amanda a partir de julho de 2016, e os dois começaram a passear juntos. “A gente também conversava horas no telefone e ele fazia eu me sentir muito bem. Aí, em alguns meses, ele me pediu em namoro e eu aceitei”.
Deyverson sabia que a namorada gostava de culinária e a incentivou no preparo dos bolos e doces para festas. Depois de alguns meses, eles decidiram se casar e Amanda estava decidida a preparar sozinha toda a comida, decoração e os detalhes para a comemoração com 20 convidados. “Era só a família mesmo. Algo muito simples porque não temos condições financeiras”, explica.
Foto: Filipe Oliveira
Foto: Filipe Oliveira

Casamento de presente

Só que um item da festa precisaria ser feito por outra pessoa: a maquiagem da noiva. Com receio de se casar com as manchas aparentes em seu rosto, Amanda começou a pesquisar a respeito de bons maquiadores da região e encontrou a profissional que procurava.
“O trabalho dela era maravilhoso e eu perguntei o preço só por curiosidade porque não teria dinheiro para pagar”, conta. Durante a conversa com a maquiadora, a jovem contou sua história e explicou a respeito da doença.

“Falei que tinha medo de parecer um fantasma no meu casamento e, para minha surpresa, ela me presentou com a maquiagem para o casamento civil. Nem acreditei!”.

Além de oferecer seu trabalho gratuitamente, a maquiadora Tays Guerra publicou em suas redes sociais uma foto revelando o “antes e depois” de Amanda e a elogiando. “Ela não sai sem maquiagem e, com a permissão dela, postei essa foto para que vocês conheçam a princesa que ela é. A maquiagem é apenas um realce”, escreveu a profissional em seu Instagram.
A publicação recebeu mais de 5 mil curtidas e, em poucos dias, diversos profissionais da região entraram em contato com Amanda para trabalhar gratuitamente em sua festa de casamento no último dia 9 de março. “Ganhei ensaio fotográfico, decoração do religioso e da festa, bolo, doces, jantar, massagem, hotel, penteado, outra maquiagem, tudo. E foi muito, muito lindo!”, afirmou, emocionada.
Foto: Arquivo pessoal/Amanda Amaral
Foto: Arquivo pessoal/Amanda Amaral
A repercussão também fez com que Amanda conquistasse mais de 13 mil seguidores no Instagram que a incentivam e torcem para que ela consiga o tratamento para a esclerodermia sistêmica.
“Eu sei que sou uma inspiração para eles. Então, mesmo com minhas mãos atrofiadas, levanto todos os dias pronta para trabalhar e continuarei fazendo isso com a cura, ou não”, garante a jovem, que sonha em ter sua casa própria e ter filhos.

“Hoje moramos de aluguel e não temos nem televisão, mas estamos lutando para ter nossas coisinhas e queremos ver nossa família crescer”.

O tratamento

De acordo com a médica Ana Luíza Sella, já existem medicamentos no Brasil para controlar a esclerodermia sistêmica, evitar seus sintomas e aumentar o tempo de vida dos pacientes. Além disso, ela informa que um novo tratamento com transplante de células tronco poderia ajudar pessoas como Amanda. “Esses estudos estão ocorrendo no mundo inteiro e prometem a reversão da fibrose cutânea, estabilização da função pulmonar e melhora na qualidade de vida do paciente”, informa.
No entanto, a jovem baiana sabe que está longe de obter a cura. “Vários médicos da minha cidade nem conhecem minha doença, então eu só trato alguns sintomas por aqui”, diz a garota, que gostaria de contar com acompanhamento médico adequado.
Até agora, segundo ela, apenas uma nutricionista e uma dentista se ofereceram para acompanhá-la. “Não sei o que ocorrerá pela frente, mas já estou bem feliz porque eu precisava cuidar da alimentação e das inflamações que ocorrem quando meus dentes caem. Será muito bom e só tenho a agradecer”, finaliza.
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