“Quem já viu o Brasil ganhar a Copa está condenado ao desejo de sentir tudo de novo”
Carolina Werneck
16/06/2018 17:00
A repórter Carolina Werneck, pouco antes de completar seis anos, totalmente paramentada para ver os jogos da Copa de 1994. Foto: Arquivo Pessoal
A escritora portuguesa Maria Filomena Mónica começou uma de suas obras com a frase “nunca se recupera de uma infância feliz”. Acho que o mesmo vale para o mundial. Nunca nos recuperamos de uma Copa feliz. Quem já viu o Brasil ser campeão – ou assistiu a boas partidas – está condenado ao desejo de sentir tudo de novo.
É um tipo de maldição, mas também de bênção. Vale de tudo para reviver a vitória em um campeonato mundial. Dona Clara de Paula Soares, avó de uma grande amiga minha, nasceu em Portugal e morou no Brasil boa parte de sua vida. Durante a Copa do Mundo dividia o coração entre a equipe portuguesa e a brasileira.
Torcia para ambos, sim, mas o fazia sentada sempre na mesma cadeira. E sacudia as mãozinhas em frente à TV quando havia pênaltis, mandando boas energias.
Casos parecidos existem aos montes. Basta o adversário encostar na bola para que minha avó materna, Iracelis, faça figas com os dedos. “Faz figa, que ele se perde, Clau, Lu, Marcia, Cacá”, ela diz, chamando vários nomes da família antes de acertar o meu. Um conhecido só ouve os jogos em determinada rádio, porque “as outras dão azar”. Meu pai espalha bandeiras e camisas da Seleção pela casa toda, minha mãe não viu as cobranças de pênalti, na final de 1994, para dar sorte.
Talvez esses sejam comportamentos irracionais, mas quem vai arriscar? Ninguém que eu conheço abriria mão da superstição à qual se agarra. Nas quartas de final de 1998 o Brasil derrotou a Dinamarca por 3×2. Com dez anos, eu terminei a partida com uma das mãos roxa porque, quando Rivaldo fez o terceiro gol do Brasil, aos 16 minutos do segundo tempo, eu estava beliscando a mão esquerda com o polegar e o dedo médio da direita. Não saí daquela posição até que o árbitro apitasse o fim do jogo, visto que estar nela tinha funcionado.
Vai ter muita Copa
Eu tinha dois anos quando vi minha primeira Copa do Mundo, em 1990. Não tenho lembranças dela, claro, mas o tetra de 1994 está muito vivo na memória. Naquele ano, como agora, os contextos político, econômico e social no Brasil não eram bons. Depois de passar com dificuldades pelas eliminatórias da Copa, a Seleção que foi para os Estados Unidos disputar o mundial não convencia quase ninguém. Mesmo assim, o tetra veio. E veio em cima da Itália, uma das favoritas ao título.
Com quase seis anos, vi tudo da sala da minha casa em Mandaguari, interior paranaense. Éramos quase 15 pessoas reunidas em frente à pequena TV de tubo, comprimidas entre as paredes de madeira que quase vieram abaixo quando o italiano Baggio, justamente ele, errou o último pênalti e nos mandou direto para uma euforia que só voltamos a experimentar dali a oito anos.
É difícil explicar por que alguém se apaixona por futebol. Mas, se não acontecer depois de uma final vitoriosa, provavelmente não acontecerá nunca.
Se eu, poucas vezes, chorei tanto quanto na derrota para a França, na final de 1998, também é verdade que poucas vezes fui tão feliz quanto na vitória por 2×0 sobre a Alemanha, quando levamos o penta, em 2002.
Salve a Seleção
A Copa do Mundo já começou, mas nem parece. Ao contrário do que acontece desde sempre no Brasil, desta vez quase não há bandeirinhas nos carros e fitinha verde e amarela nos restaurantes. Até as ruas pintadas com a bandeira e as cores da Seleção são escassas. Nessa onda de desânimo fica difícil para gente como eu, que ama uma Copa, demonstrar seu apreço pela competição.
Uma pesquisa divulgada na última terça-feira (12) pelo Datafolha mostrou o que muita gente já vinha notando: 53% dos brasileiros não têm interesse na Copa do Mundo. A porcentagem é maior que em 2014, antes do 7×1, quando apenas 36% dos entrevistados disseram não se importar com o torneio. E mais distante ainda dos resultados obtidos nos dois últimos anos em que o Brasil foi campeão. Quando conquistamos o tetracampeonato, em 1994, só 17% da população não estavam nem aí com a Copa. No penta, eles eram 22%. Eu não estive incluída em nenhum desses grupos. No meu coração, o mundial sempre teve lugar cativo.
A turbulência vivida nos âmbitos político, econômico e social está mesmo cobrando fatura. O complexo cenário das eleições de outubro acena logo ali, menos de três meses depois da final do torneio. Fora a lembrança vergonhosa do 7×1. Parece que, para a maioria, está difícil torcer, este ano.
Desde nosso último título já se passaram 16 anos. As Copas de 2006, 2010 e, principalmente, 2014, foram vexatórias. O contexto do Brasil hoje é realmente muito ruim. Há muito o que ser reparado, discutido, levado a sério. Mas, justamente porque temos tão pouco a comemorar, a Copa pode ser uma oportunidade para sorrirmos um bocado, vibrarmos um tanto e tomarmos fôlego para que, em outubro, votemos por um país em que essa alegria e vibração possam durar mais que os 30 dias da Copa do Mundo.