Como ficar 30 dias sem ingerir nada de açúcar; jornalista conta experiência
Roberta Braga, especial para a Gazeta do Povo
16/06/2019 08:00
Um mês sem açúcar: será que conseguimos? Foto: Alexandre Mazzo/ Gazeta do Povo
“Mas por que você vai fazer isso com você?”; “30 dias? Eu não consigo nem um”; “Mas depois você vai ter compulsão”; Essas foram algumas das reações quando compartilhei minha decisão de ficar 30 dias sem comer nenhum alimento adoçado com açúcar, fosse ele refinado, orgânico, demerara, mascavo, mel, maltitol, eritritol, xilitol ou qualquer outro.
Pode não parecer tão desafiador, mas é, já que além de todos os chocolates, doces e sobremesas, muitos alimentos industrializados têm açúcar em sua composição. Duvida? Dê uma olhada no rótulo do ketchup, do molho de tomate ou daquele produto diet.
“Se tem um vilão hoje em dia no mundo ele se chama açúcar”, crava a nutróloga Marcella Duarte que consultei para me dar as orientações necessárias para essa experiência. Meu medo era que a falta de açúcar pudesse trazer algum mal ao organismo.
“Nosso corpo precisa de glicose e dos três macronutrientes, que são proteínas, carboidratos e gorduras. O corpo não precisa do açúcar (sacarose) para nada. Ele vicia e estimula o cérebro quase como uma droga. Se você tirar todos os carboidratos sem indicação, aí você pode ter um problema de saúde. A glicose que nosso corpo precisa é retirada dos nutrientes que vem junto com a ingestão do carboidrato”, explicou-me a médica.
A médica acrescenta, ainda, o fato de vivermos em uma sociedade viciada em açúcar e como isso leva a um comportamento errado para a saúde.
“É uma questão cultural, as pessoas são criadas tendo o açúcar como uma recompensa, um mimo. Então, relacionamos isso a uma questão emocional, afetiva. E isso leva a um erro alimentar grave para toda a vida.”
Sobre os males para a saúde que podem ser causados pelo açúcar, Marcella afirma que a obesidade é o pior deles. “A obesidade pode acontecer desde a primeira infância até o final da vida. Pode levar também ao desenvolvimento de resistência insulínica, diabetes do tipo 2 e às doenças cardiovasculares. Hoje, temos pessoas com trinta e poucos anos que já estão desenvolvendo diabetes tipo 2, que é causado pela má alimentação. A pessoa tem a doença porque consumiu todo o açúcar da vida inteira em 20, 30, 50 anos”, explica.
O começo
Com essas informações em mente, comecei meu desafio: seriam 30 longos dias pela frente. Para minha motivação consegui duas aliadas na redação, a jornalista Camila Machado e a trainee Laura Mingoti. Ótimo, sempre bom ter companhia para trocar experiências durante o processo.
Desde o começo eu sabia que não seria fácil, pois gosto muito de doces e costumava, todos os dias, comer pelo menos um chocolate após o almoço, quase como um vício mesmo.
Além disso, situação rara é ver eu declinar um pedaço de bolo, um chocolate ou um convite para ir a algum café ou confeitaria. Posso dizer que se tem um assunto que me interessa é provar as novidades em sobremesas e doces em geral. Mas eu estava decidida: nada com açúcar entraria na minha dieta no próximo mês.
Como era de se esperar, a primeira semana foi a mais difícil, tanto para mim quanto para minhas companheiras de desafio. Sintomas que percebemos nas três: aumento do apetite (de comida mesmo, arroz, feijão, batata, essas coisas), irritação e algumas crises de dor de cabeça. Era o sintoma da abstinência se apresentando. Isso continuou até mais ou menos o final da segunda semana.
A nutróloga Marcella já havia me antecipado em nossa conversa que os primeiros dias seriam os piores. “Você deve sentir a falta emocional do açúcar, que é aquela sensação de bem-estar.” Sobre a dor de cabeça, ela me esclareceu que acontece porque o açúcar é um estimulante do sistema nervoso central, e a forma mais rápida de levar glicose ao cérebro. Então você tira esse estimulante que você ingere todos os dias e o corpo passa a buscar outra coisa para usar na forma de glicose. Isso gera sintomas como a dor de cabeça e a irritabilidade, que também pode estar relacionada a questão da serotonina, que tem sua produção estimulada com a ingestão de doces.”
Como a ideia nesse desafio seria perceber as melhoras no meu organismo com a retirada do açúcar (sacarose), consumir o açúcar presente nas frutas e frutas secas estava liberado. Então, damascos, uva passas e tâmaras passaram a ser o acompanhamento do cafezinho depois do almoço e as opções para quando batia aquela vontade de algo de sabor doce.
Inacreditavelmente, a sensação de “desespero”, que eu tinha certeza que aconteceria, não tive. Se até então eu estava incrédula da minha força de vontade até o final do desafio (e muitas pessoas também) passei a ter certeza que conseguiria.
Depois, o corpo acostuma
Durante os 30 dias, alguns deslizes aconteceram. Tomei limoncello e só depois fui pensar: “claro que tem muito açúcar, já que se trata de um licor”. A Camila não resistiu a uma coca-cola e a Laura não conseguiu dizer não aos doces nos compromissos sociais com os amigos e abandonou o desafio perto do final.
Faz parte, cada um tem suas limitações. Claro que eu tive vontade de “dar umas escapadas” durante o processo, minha maior vontade era por um brigadeiro de chocolate amargo que vendem perto da redação. Mas resisti.
Uma das coisas interessantes dessa experiência foi perceber a quantidade de doces que eu comia apenas porque estava disponível, sem mesmo estar com vontade. Um colega que oferece um pedaço de bolo, a bolachinha que vem junto no café, aquela sobremesa que você nem gosta muito, mas acaba comendo por educação ou hábito mesmo.
Posso dizer que quase diariamente isso acontece. “O desafio me fez pensar em quanto açúcar ingerimos por hábito, sem nenhuma necessidade”, também observou a Camila Machado.
Mas, passadas as duas primeiras semanas, as coisas ficam mais fáceis. Você se acostuma a recusar os doces, e isso já não causa tanto sofrimento. Claro que muitas vezes ainda sente vontade, já que o açúcar é algo prazeroso, mas aquela necessidade de comer algo doce todos os dias, diminui.
O corpo se acostuma e os benefícios começam a aparecer. Apesar de não ter perdido peso (confesso que achei que seria um bônus), percebi a sensação de “desinchar”, o que já é bastante positivo. A Camila baixou um número na balança, além de também perceber que o corpo desinchou.
Para quem quiser aproveitar o desafio para emagrecer a dica da nutróloga é eliminar a farinha de trigo, limitar a ingestão de um tipo de carboidrato por refeição e incluir um exercício físico por pelo menos 30 minutos três vezes na semana. Além de testar nossos impulsos, percebi uma grande melhora na disposição e na concentração. Costumo ter bastante sono depois do almoço, e isso diminuiu muito.
Outra mudança foi no paladar. As frutas ficam mais doces, o que mostra que o excesso de açúcar acaba “mascarando” os sabores. Enfim, os 30 dias passaram (e nós na contagem regressiva) e não foi tão difícil quanto parecia.
O resultado foi que sim, é difícil retirar o doce da alimentação, o corpo sente, a cabeça tenta boicotar. Mas é possível, e os resultados para a saúde compensam o esforço. Mas isso significa que pessoas saudáveis, que não precisam emagrecer e não tem indicação médica, não podem nunca mais comer doce? Não. Mas isso deve ser eventual. Uma vez por semana, a cada quinze dias, em situações especiais ou quando estiver diante de um doce que gosta muito. No dia a dia, ele deve, sim, ser banido.
QUER FAZER O DESAFIO? SIGA ESSES PASSOS:
– Prepare-se psicologicamente para a vontade que irá surgir e mantenha-se no desafio;
– Tenha substitutos como frutas e frutas secas;
– Evite ao máximo produtos industrializados (a grande maioria tem açúcar em sua composição);
– Acostume-se a ler os rótulos de alimentos;
– Mantenha uma dieta saudável com o consumo de vegetais;