Comportamento

Amanda Milléo

2016 foi ruim? Agradeça mesmo assim!

Amanda Milléo
23/12/2016 10:31
Thumbnail

Troque o calendário e aprenda a agradecer, mesmo que 2016 tenha sido ruim (Ilustração: Felipe Mayerle)

Olhar para a vida, especialmente ao ano que passa, deve ser encarado como um exercício de avaliação crítica, e não um ritual de autoenaltecimento sobre prováveis conquistas. Mesmo os erros exigem agradecimentos, pois eles, bem ou mal, lapidam o seu caminho. Agradecer é reconhecer, lembrar e mudar o ângulo, olhar mais de perto ou mais de longe, até que algo se produza. Fazer o contrário disso, medir o ano pela contabilidade de sucessos, não é ser crítico sobre si mesmo. O risco disso é tornar sua rotina robótica.
Leia mais
“É nessa hora que devemos pensar na revisão, até para impedir que tenhamos uma vida alienada. A ideia é que não apenas se caminhe ou se passe pela vida, mas que se faça a vida. Isso exige revisão e consciência”, explica Mário Sergio Cortella, filósofo, professor, educador e palestrante, em entrevista exclusiva para o Viver Bem. Uma pessoa inteligente, segundo ele, é capaz de uma visão crítica, o que não deve ser encarada como um encargo, embora exija esforço. “A capacidade de ver seus defeitos não deve ser um martírio. Se isso acontece, é porque a pessoa não teve a nitidez ou foi frágil demais nessa reflexão”, diz ele.
Não faça planos às pressas
Uma cobrança exagerada sobre o ano que passou, apenas para gerar mais culpa, pode se transformar em um subterfúgio para as mesmas traições em relação ao que queremos, de acordo com Christian Ingo Lenz Dunker, psicanalista e professor catedrático da Universidade de São Paulo (USP), em entrevista exclusiva para o Viver Bem.
“O impacto pode ser muito negativo, pois vai confirmar a nossa crença de que estamos apenas condenados a sermos nós mesmos”, explica. Fazer às pressas planos para o ano seguinte não é algo bom, porque são apenas declarações de desejos, muitos deles deformados, feitos a toque de caixa, e que acabam nos afastando do que realmente vale a pena e importa.
A importância de “sentir” o vazio
“Se for para olhar desacompanhado e desavisadamente para si, criar tabelas de metas, comparações ‘no atacado’ com o vizinho que comprou um carro novo (e você não) é melhor não fazer. Deixe que o vazio trabalhe antes, experimente sentir o vazio, a falta ou as saudades antes de qualquer avaliação”, diz o psicanalista.
Das atitudes que demonstram um agradecimento real, prefira reencontrar amigos e familiares e, sobretudo, reencontrar a si próprio. “A experiência não cabe em objetivos e metas, mas na riqueza ou pobreza da própria vida. Lembre-se de como chegou até aqui e de como os desejos se transformaram no decurso da sua realização. De como eles devem ser reinventados e às vezes deixados para trás ou trocados por outros”, diz Dunker.
Não seja banal quando a felicidade surgir
Também não espere ser feliz o tempo todo, afinal a felicidade não é o lugar aonde se chega. “Não é um ponto no futuro, do tipo ‘um dia serei feliz’. A felicidade é uma ocorrência eventual, que não acontece sempre, mas acontece. E, quando surgir, ela precisa ser aproveitada. Uma grande decisão para 2017 é saber que, embora não seja feliz o tempo todo, nos momentos em que puder ser, não seja banal”, explica Cortella.
Fim de ano: trabalhe o respeito
Em um ano de tantas mudanças no país, viu-se entre as famílias e amigos não apenas conflitos de ideias, mas confrontos com o objetivo de anular e descartar a pessoa que pensa diferente. Aproveite as festas de fim de ano para usar as virtudes natalinas: pratique o respeito e a paciência.
“Nós temos uma situação hoje muito tensa em relação a várias circunstâncias e pessoas pouco pacientes. A capacidade de sustentar um conflito sem que se transforme em um confronto exige paciência. Estamos menos pacientes por causa da crise, da instabilidade política e do próprio cansaço de fim de ano, em um ano difícil. É necessária a capacidade de observar e, como se diz, no ‘olho por olho’, uma hora acabaremos todos cegos”, ressalta o filósofo Mário Sergio Cortella.
Hora de escutar, não apenas de ouvir
Observar e escutar – não apenas ouvir. Respeitar a opinião da outra pessoa, sem querer mudar a visão de mundo dela é um exercício difícil, mas que pode ser alcançado.
“A surdez advém do fato de que já sabemos o que o outro vai falar. Sabemos o que o tio conservador vai dizer e qual será a resposta do jovem rebelde, ambos “profissionais” na armação do barraco natalino. Mas, quem leu um livro novo sobre o assunto? Quem trouxe nos presentes aquele texto crítico para qualificar sua palavra? Quem seria capaz de repetir, com justeza e generosidade, as palavras do seu oponente?”, explica o psicanalista Christian Dunker, que completa: “Escutar. Escutar mais e melhor, escutar os detalhes e não concluir. Deixe as conclusões para o ano-novo. No Natal, só escute e, se der, cante.

Qual sentimento devemos resgatar em 2017?

Em tempos de escassez, prefira a coragem e a humildade, tanto um com a outra e um contra a outra. “Grandes e rápidas soluções são o pior inimigo de situações complexas e angustiantes. Em geral elas carregam o nosso desejo de nos desincumbirmos de fazer nosso próprio destino e nos tentam com ideias demissionais, ou seja, a mera recusa a posicionar-se como sujeito de nossas próprias existências”, explica o psicanalista Christian Dunker.