Comportamento

Eloá Cruz

Delícias e desafios de jovens que deixam a casa dos pais

Eloá Cruz
08/07/2016 22:00
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Fotos: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo

Mais cedo ou mais tarde chega a hora de sair debaixo da saia de mãe e alcançar voo solo. De acordo com a psicóloga Ana Wilges, cada vez mais os filhos prolongam o tempo na casa dos pais e também os pais parecem aceitar essa “adolescência” prolongada.
A família brasileira e latina, de um modo geral, tem uma cultura mais unida, mais familiar. Hoje, pais e filhos convivem com muita harmonia. E o que mais interfere neste prolongamento da saída de casa é a questão econômica. Segundo a psicóloga, para o jovem ter renda suficiente para assumir as próprias despesas, ele tem que trabalhar mais tempo e ganhar muito bem.
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Tudo bem que a questão financeira pesa bastante na escolha e o comodismo acaba impedindo os jovens de enfrentar a vida e passar pelas eventuais dificuldades. Mas não é sempre assim. Vários jovens hoje estão aceitando o desafio de sair do ninho e encarar os riscos e obstáculos para crescer.
A estudante do 2.° ano de medicina, Julia Santana de Oliveira, de 20 anos, deixou a casa dos pais, em Cascavel, interior do estado, para fazer cursinho pré-vestibular em Curitiba, com 17 anos. “No começo foi bem tranquilo, porque eu estudava bastante, mas comecei a me sentir sozinha e foi um pouco difícil”, desabafa. Julia foi morar primeiramente num pensionato e não precisava se preocupar com as tarefas domésticas.
Julia Santana de Oliveira, 20 anos, garante que amadureceu: “me sinto muito adulta”.
Julia Santana de Oliveira, 20 anos, garante que amadureceu: “me sinto muito adulta”.
A mãe, a professora universitária Ana Maria Santana de Oliveira, de 49 anos, explica que tentou reduzir ao máximo as problemáticas do dia a dia da filha, para que ela pudesse focar somente nos estudos. Afinal, passar em medicina não é fácil. “A princípio eu só via o lado bom da coisa. Ela estaria num cursinho bom, com vestibular bem competitivo. Com o passar do tempo, percebi que ela estava sentindo muito a falta de casa. Foi uma experiência dura, mas no fim ela tirou de letra”, lembra a mãe.
Depois que entrou na faculdade, Julia se mudou para um apartamento, no início dividido com a irmã, que também veio para a capital estudar . Mas a convivência entre irmãs não deu certo, pois as rotinas das duas eram bem distintas.
Atualmente, Júlia mora sozinha e teve que lidar com as tarefas domésticas. Aprendeu a cozinhar, mas queimou muita coisa e se cortou várias vezes. Mas agora, ela garante que amadureceu bastante. “Me sinto muito adulta indo ao mercado, comprando as coisas certas”, brinca a estudante.
Independência
O professor de educação física Rafael Martins Batista, de 27 anos, aprendeu a se virar bem cedo, com 14 anos. “Minha mãe propôs que eu fosse para um colégio interno, o Instituto Adventista Paranaense (IAP), que fica perto de Maringá, e eu curti bastante”, lembra Rafael.
Lá ele tinha serviço de lavanderia, refeições e até recebia uma mesada para gastar nas horas vagas, num passeio no shopping ou idas ao cinema em Maringá. “Mas a gente tinha que se virar com a organização do quarto, saber que se a roupa ia para a lavanderia, ela ia demorar uma semana para voltar limpa”, lembra ele.
Rafael Martins Batista, de 27 anos: “eu cresci bastante”.
Rafael Martins Batista, de 27 anos: “eu cresci bastante”.
Depois de concluído o ensino médio, Rafael voltou para Curitiba, mas não conseguia se adaptar morando com os pais. “Morei dois meses com minha mãe adotiva e depois fiquei uns 8, 9 meses morando na casa do meu pai biológico até que resolvi morar sozinho”, recorda .
Mas não foi nada fácil. Rafael já pagava algumas contas e bancava todos os custos da graduação sozinho. “Só as despesas com o mercado eram 70% do meu orçamento, mas com a ajuda da minha mãe adotiva fui me adaptando”, conta ele. Para facilitar nas despesas, ele resolveu ajudar na reforma do imóvel e o serviço era descontado no aluguel. “Acho que, na época, morar sozinho foi a melhor opção que fiz. Isso me ajudou. Eu cresci bastante”.
República
Quando o estudante de engenharia mecânica da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Alexandre Senna da Costa Garcia, de 21 anos, soube que tinha passado no vestibular, teve que planejar tudo para sair da casa dos pais em Franca, no interior paulista, e morar em Curitiba.
“Eu não conhecia quase nada da cidade quando cheguei aqui em 2012. Foi amor à primeira vista”, lembra o estudante. Inicialmente, Alexandre morou com um ex-namorado da irmã em uma pensão, mas ao conhecer melhor a turma da faculdade, ele fez amizades e se reuniu com seis rapazes para montar uma república.
Alexandre Senna Garcia, 21 anos: “maior independência”.
Alexandre Senna Garcia, 21 anos: “maior independência”.
Antes de sair de Franca, o estudante conta que sua mãe o ensinou muito bem algumas das tarefas domésticas – para que não passasse nenhum tipo de aperto. “Ela me ensinou a lavar roupa muito bem, mas foi de repente. Quando a gente viu que eu tinha que me mudar, ela foi lá e me explicou direitinho”. A maior dificuldade mesmo é a responsabilidade com as datas ao pagar as contas. O aprendizado veio com o tempo.
Depois da vinda a Curitiba, o estudante conta que a relação com os pais melhorou bastante. “Agora quando eu vou para Franca, eu vejo que tenho maior independência, é diferente. Com todos esses anos morando sozinho, ganhei confiança dos meus pais, e isso é muito bacana”, comemora.
SOLIDÃO
Muitas vezes, a decisão por morar sozinho pode, a longo prazo, fazer com que o jovem tenha que driblar o problema da solidão. Para a psicóloga Ana Wilges, relacionar-se com pessoas possibilita a troca de objetivos, amor e experiências. A especialista ainda salienta que quem mora sozinho tem a oportunidade de construir um mundo só seu, de aprender a não viver somente com a aprovação do outro e a se sentir bem com sua própria companhia. Para saber lidar com a casa vazia, a profissional sugere algumas dicas:
  •  Saia com os amigos, faça academia, cinema e estaja aberto para conhecer outras pessoas.
  • Não se isole, pois pode levar a pensamentos negativos sobre si.
  • Aproxime-se de pessoas com quem você tem mais liberdade e intimidade: uma amiga ou o irmão, por exemplo.
CHECK LIST
Dicas para quem mora sozinho viver esta experiência de forma plena:
Foto: Bigstock
Foto: Bigstock
  • Simplifique sua vida ? Monte uma casa que não exija muito de você para se manter em ordem. Tenha uma decoração que seja fácil de limpar e de manter organizada, de outra forma sua casa vai virar um caos em pouco tempo ou vai consumir toda a sua energia só para mantê-la arrumada. Um simples detalhe pode fazer a diferença no dia-a-dia, como um escorredor de pratos que já seja embutido no armário (ou seja, se colocou a louça para secar, ela já está guardada).
  • Automatize o que puder ? Invista em alguns aparelhos e automatize tudo o que você puder e o seu dinheiro permitir. A máquina de lavar roupas já é quase uma obrigação, mas você pode também adquirir uma de lavar louças e de café
  • Débito automático ? Se possível, coloque no débito automático aluguel, condomínio, energia, água, luz, telefone, tudo o que você tiver que pagar para manter a casa em dia. A última coisa que você quer é chegar do trabalho e ter a energia elétrica cortada por falta de pagamento.
  • Disciplina é liberdade ? Se você realmente valoriza a liberdade, não creia que morar sozinho significa deixar o caos tomar conta e fazer só o que você quiser quando der na telha. Nessa direção, em vez de liberdade você vai é se tornar um prisioneiro de uma casa que gera ansiedade e confusão mental. Pergunte-se: com que frequência vou limpar a casa? Em que dias? Serei eu mesmo ou uma diarista?
  • Domine a sua cozinha ? Se você sempre morou na casa dos pais, ou se sempre teve alguém fazendo comida para você, então provavelmente o maior choque ao morar sozinho será preparar a sua própria comida. O que a maioria das pessoas faz aqui é simplesmente destruir a própria saúde. Ou seja, apela para a comodidade e compra tudo o que é fácil de fazer: lasanha congelada, nuggets, pizza de micro-ondas, refrigerantes? Por favor, não faça isso.