Comportamento

Mariana Rosa, especial para a Gazeta do Povo

“Meu filho quer ser vegetariano”

Mariana Rosa, especial para a Gazeta do Povo
21/01/2019 07:00
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Francisco tem nove anos e decidiiu ser vegetariano. O médico indicou seguir comendo carne, mesmo em menor quantidade. Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo. | Leticia Akemi

A história da estudante Ana Clara Cunha de Souza, de oito anos, é cada vez mais familiar entre as crianças: durante uma viagem com os pais, no ano passado, a menina resolver adotar a dieta vegetariana — e de uma só vez. “Eu vi um homem pescando e perguntei para a minha mãe se ele iria devolver o peixe para o mar. Ela disse que não”, conta a menina, que na ocasião compreendeu como os animais se “transformavam” em alimento. A garota agora se soma a sua irmã, Carolina, de 19 anos, que se tornou vegetariana em 2017.
Ana decidiu ser vegetariana e os pais apoiam sua decisão. Foto: André Rodrigues/Gazeta do Povo.
Ana decidiu ser vegetariana e os pais apoiam sua decisão. Foto: André Rodrigues/Gazeta do Povo.
A decisão de Ana reflete um comportamento crescente de crianças que, com acesso a informações, desenvolvem preocupações que até então não estavam presentes em gerações anteriores, como explica a psicóloga Teresa Vitola Bond. “Esta é uma geração muito entrosada com questões familiares, políticas e ambientais, e isto reflete nas decisões das crianças. Cabe aos pais lidarem com esse momento com empatia, simplicidade e coerência”, explica. Andrea Cunha, mãe de Ana, aos poucos aceitou a decisão da filha mais nova, e logo procurou orientação médica para balancear a nova dieta.
Interferência
De acordo com a nutróloga Flávia Ohde, não há problema na dieta vegetariana para crianças, desde que os nutrientes sejam devidamente equilibrados. “Há proteína no feijão, na lentilha, na soja, nozes e castanhas. Cálcio e ferro nos vegetais verdes-escuros. A vitamina C das frutas cítricas ajuda na absorção do ferro vegetal no organismo”, explica.
O pediatra Bruno Camargos lembra, entretanto, que a criança está em fase de crescimento. “A falta de determinados nutrientes pode interferir na formação óssea, motora, muscular e neurológica da criança”, esclarece o médico, que orienta aos pais que se informem sobre os alimentos que irão escolher para os filhos, além de buscarem novas técnicas culinárias. “Os responsáveis devem estar cientes das vantagens e dos potenciais riscos que qualquer dieta alimentar pode causar, para que, quando necessário, possam agir de maneira adequada”, completa.

“Esta é uma geração muito entrosada com questões familiares, políticas e ambientais, e isto reflete nas decisões das crianças. Cabe aos pais lidarem com esse momento com empatia, simplicidade e coerência”.

Teresa Vitola Bond, psicóloga.

Adaptação
Após ver a família consumindo uma costela de porco no inicio de 2018, Francisco Nodari Romano, de nove anos, não quis mais comer carne. A princípio, sua mãe, Sandra Nodari, acreditou que a decisão não duraria muito tempo. “Pensei que ele não resistiria quando pedíssemos hambúrgueres, mas um dia, quando pedimos para comer, ele foi determinado e comeu só o pão”, conta.
Francisco passou por aaliação para poder reduzir a carne. Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo.
Francisco passou por aaliação para poder reduzir a carne. Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo.
Um mês após o início da dieta, Sandra levou o filho ao pediatra — os exames estavam regulares mas o médico do menino não gostou da ideia. “Ele me disse ‘imagine que você é um leão, se o leão não comer carne ele não vive’”, recorda Francisco.
Por indicação de seu pediatra, ele negociou um consumo ocasional de carne — o que faz de Francisco um “flexitariano”, termo usado para designar pessoas que têm, na maior parte do tempo, a dieta vegetariana como base, mas que abrem exceções para consumir carnes de maneira ocasional (menos de uma vez na semana).
Respeito à diversidade
O pediatra Bruno Camargos e a psicóloga Teresa Bond explicitam a importância de os pais tentarem compreender e apoiar as crianças quando tomam tais decisões, para que elas não se sintam, de alguma forma, isoladas. “Na escola tiraram um pouco de sarro de mim no começo, mas logo passou. Um amigo me disse que estava pensando em virar vegetariano também, mas o pai dele não deixou”, conta Francisco.
Além do apoio da irmã mais velha, Ana contou com o incentivo de sua melhor amiga, cuja família não consome carne. Entretanto, a menina passou por uma situação ruim, quando sua professora não tirou o presunto de um sanduíche. “Eu pedi para tirar, mas a professora ficou brava e eu decidi não comer”, conta. Frente à situação, Andrea foi à escola pedir que respeitassem a escolha da filha. “Eu acho que o mais interessante para passar para eles hoje em dia é o respeito à diversidade e à decisão da criança”, diz ela.

“Nós passamos a lidar com a comida de outra forma. Carne é muito fácil de fazer. Pelo Francisco, passamos a usar legumes que nunca havíamos usado, em diferentes receitas”.

Sandra Nodari, mãe de Francisco, 9 anos.

Mudança familiar
As decisões de Francisco e Ana acabaram por repercutir em toda a família. Para não fazer refeições separadas, Sandra transformou o cardápio familiar. “Nós passamos a lidar com a comida de outra forma. Carne é fácil de fazer. Pelo Francisco, passamos a usar legumes que nunca havíamos usado, em diferentes receitas”.
A nutróloga Flávia Ohde frisa que é possível conseguir todos os nutrientes necessários nos vegetais. “Apenas a vitamina B12, que não é encontrada em alimentos de origem vegetal, precisa ser reposta. Mas ela está nos ovos e leite para os ovolactovegetarianos”, esclarece. E completa com um alerta: “alguns vegetarianos acabam consumindo muitos carboidratos. Eles são vegetarianos, mas não têm uma alimentação saudável”, salienta.
Ana decidiu ser vegetariana e os pais apoiam sua decisão. Foto: André Rodrigues/Gazeta do Povo.
Ana decidiu ser vegetariana e os pais apoiam sua decisão. Foto: André Rodrigues/Gazeta do Povo.

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