Comportamento

Amanda Milléo

Qual tipo de pai você quer ser?

Amanda Milléo
12/08/2016 22:00
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Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo | Gazeta do Povo

Somente para poucos o sentimento de paternidade aparece na descoberta da gravidez. A ficha realmente cai, para grande parte dos pais de primeira viagem, quando o bebê lhe surge ao colo, ou mesmo ao longo dos primeiros meses, quando a emoção floresce e a relação se estreita.
Se o amor da mãe amadurece e aprofunda ao longo da gestação, o homem costuma estar ocupado com preocupações em torno de demandas financeiras, em como acomodar o filho na rotina e em como transmitir suas crenças e valores ao bebê. Há ainda os que idealizam um futuro por vezes otimista demais, com uma família sempre feliz e com brincadeiras todos os dias.
Antes de o primeiro filho nascer, os pais não imaginam como vão se se sentir e se reorganizar diante do volume de demandas que aparecerão em casa, dia e noite. A visão da paternidade na gestação, via de regra, é positiva e idealizada. “É só na hora de decidir entre abrir mão de algo que até então importava em prol de um tempo junto ao seu filho que cada pai descobre o quanto aquilo é ou não importante para si”, diz Elizabeth Barhem, professora do departamento de psicologia da Universidade Federal de São Carlos, pesquisadora da relação entre pais e filhos.
Também há os que idealizam a paternidade negativamente, pintando um quadro pior do que é na realidade, diz Nei Ricardo de Souza, psicanalista e professor de psicanálise, sociologia e antropologia da Universidade Positivo. “Nesses casos pesam experiências infelizes da própria infância ou aquilo ouvido de amigos. Idealizar não é necessariamente ser otimista”, diz.
Desperte o pai em você
Homens são mais práticos e visuais, por este motivo criar um contato físico e emocional com o bebê ainda dentro da barriga acaba sendo bom para ambos. “O pai constrói o vínculo tocando a barriga e conversando com ele: o bebê distingue o timbre diferente do homem. Quanto ao relacionamento com a mãe, se empenhar nos cursos de gestantes, tentando entender as mudanças da mãe e do bebê ao longo da gestação, sendo compreensivo e participativo faz diferença e estreita laços”, diz a psicóloga Larissa Canan, especialista cognitivo comportamental.
Convoque seu pai
Existem pais que não “caem a ficha” da paternidade tão cedo, e precisam que os filhos façam uma espécie de convocação. “Não é necessariamente quando o filho nasce que o pai acorda para a realidade. Alguns pais demoram mais, e alguns até esperam ser convocados pelo próprio filho, quando este o chama de pai. Mas alguns demoram a chegar nesse estágio, e não é raro vermos um pai que tem dificuldade de assumir essa posição e se coloca como ‘amigo’ do filho, no mesmo nível que eles”, explica Nei Ricardo de Souza, psicanalista e professor de psicanálise, sociologia e antropologia da Universidade Positivo.
Planejado ou de surpresa?
Entre a gravidez planejada e de surpresa, a sensação de paternidade também pode chegar mais cedo. O pai que se prepara para a gestação pode ter um contato mais próximo com o bebê antes do nascimento. Quando a gravidez não é planejada, podem faltar recursos materiais e psicológicos ao casal, que reduzem o envolvimento de ambos os pais. Mas, independentemente da situação, os homens conseguem se adaptar às novas circunstâncias no decorrer da gravidez.

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Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo
Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo
“Não quero ser pai só depois que o Gustavo nascer. Sempre quis ser bem presente durante a gravidez, aprendi isso com meus pais e meu sogro. Eu e minha esposa fizemos cursos juntos de gestante para aprendermos tudo, e vimos que éramos os mais novos lá, com menos de 30 anos. O Gustavo não é só da minha esposa, então sempre estive atento a tudo desde o início da gestação, e pronto para ajudar. Mas, não sei ainda que tipo de pai vou ser. Com meus sobrinhos sou muito divertido, gosto de brincar, não sei se consigo chamar a atenção deles. Vai ser uma experiência nova, mas quero ser atencioso e rígido, e dividir com ele nossas paixões, como as nossas coleções de histórias em quadrinhos”
Luciano Bugay designer, pai do Gustavo, que está para nascer a qualquer momento, esposo da Bárbara Bugay, de 25 anos e designer
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Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo
Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo
“Eu penso muito no mundo em que vivemos, e eu sei que não posso ser nem muito rígido, nem muito solto com meu filho. Quero ser o pai mais parceiro, mas também um pai respeitado. Não sei. Talvez eu vá mimar muito, e amolecer na hora que vir ele ou ela. Na hora em que a minha esposa, Carla, me entregou a caixa com a roupa que eu usei na maternidade, quando nasci, e o resultado do exame, eu não consegui me mexer. Foi uma mistura de emoções, felicidade e preocupação com a responsabilidade. Quero levá-lo para mexer com carros, que é o que eu gosto de fazer, e ele ou ela vai conhecer a minha profissão de bombeiro. Acho que na hora que pegar no colo vai vir a sensação de ‘papai’”
Leandro Murilo dos Santos 29 anos, bombeiro, pai do bebê que ainda não se mostrou, esposo da Carla Bastos Dias, 28 anos, jornalista, e grávida de quatro meses

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“Ser pai ou mãe não é apenas uma função do número total de horas que passa com o filho. O pai que se interessa em saber o que aconteceu durante sua ausência, e que chega em casa e se envolve na rotina do seu filho, estabelece um relacionamento muito forte e positivo com seu filho também é pai”
Elizabeth Joan Barhem professora do departamento de psicologia da UFSCar, pesquisadora sobre a relação entre pais e filhos
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A relação entre pai e filho pode levar meses para engrenar, e isso tem explicação biológica: até os três meses, o bebê acredita ser parte do corpo da mãe, cabendo ao pai “separá-los”. “Com a entrada do pai na relação, o bebê passa a se sentir um corpo autônomo. Algumas mães não permitem esse afastamento, mas é importante para a relação entre pai e filho, e entre marido e mulher também. No marco dos três meses, o pai se sente mais seguro para pegar, estar junto e a mãe também está mais cansada e acaba cedendo mais vezes”, diz a psicóloga Larissa Canan. 
Pegar o filho no colo também tem fundamental importância na distinção entre ‘homem e mulher’ pelo bebê, e este é um tipo de conhecimento que não é da esfera cognitiva, mas sim corporal, que é por onde inicialmente os bebês aprendem a ser no mundo. “A masculinidade está no tônus muscular mais forte, o cheiro de homem, o timbre da voz mais forte, além da flora bacteriana da pele e das mucosas, que são transmitidas ao filho e que fazem com que o bebê experimente sensações corporais diferentes”, explica Luiza Akiko Komura Hoga, enfermeira obstétrica, professora do departamento de enfermagem materno-infantil e psiquiátrica da Universidade de São Paulo (USP).
Depois dos três meses
Para cerca de metade dos pais, a transição do nascimento aos primeiros meses e anos da vida do filho é tranquila, principalmente quando os pais se envolvem nas novas rotinas da casa. “As divergências de opinião continuam após o nascimento do filho, mas isso permite que cada um entenda melhor a forma como o outro pensa. Esse momento aproxima os pais das mães e dos filhos, pois o desafio constante de gerenciar o tempo e descobrir como trabalhar em equipe com a mãe requer flexibilidade e mudanças”, diz Elizabeth Joan Barhem, professora do departamento de psicologia da UFSCar.

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Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo
Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo
“O dia que caiu a minha ficha que eu seria pai foi no primeiro exame, quando ouvimos o batimento cardíaco e o desenvolvimento da Maria. Depois, a cada exame, fui curtindo, vendo o crescimento, a formação do bebê ao longo dos meses, se está tudo perfeito. Foi uma emoção gradativa. Ainda não me peguei pensando na questão financeira, nas escolas. Penso que com o tempo isso vai chegar. Penso sim na mudança da rotina, colocar para dormir, fazer mamadeira, trocar a fralda, colocar para arrotar. Como vou conseguir fazer isso? Será que dará certo? Quero ser um pai que consiga ensinar o que ela vai ver no mundo. Não muito protetor, mas saber colocar no trilho certo para ter uma vida tranquila, e com certeza ser um pai brincalhão, participar sempre e estar junto, na torcida pela Maria”
Alison Galvão Zen 34 anos, consultor de sistemas, pai da Maria, que está com seis meses dentro da barriga da mamãe Fernanda Carla Zen, 30 anos, bancária
Sinais de que  a “ficha caiu”
Cada pai é de um jeito e manifesta a paternidade de sua forma, mas alguns sinais são claros na hora de verificar se a “ficha” da paternidade caiu. Confira se você tem o senso de paternidade!
Ainda na gestação
Você acompanha as consultas médicas da mãe do bebê? Você se preocupa com a medicação e saúde da mãe e do bebê?
Se não pode ir à consulta, mostra-se interessado em saber como está a saúde da família em gestação?
Você se considera um pai ‘polivalente’, que se compromete com o sustento do filho e com os cuidados dele?
Depois do nascimento
Você prioriza atividades com seu filho ao invés de atividades sozinho ou com amigos?
Você faz escolhas que favoreçam atividades que estimulam o desenvolvimento do seu filho?
Você fortalece relacionamentos com pessoas que são importantes na vida do seu filho, como a mãe, avós, tios e outros familiares?
Se você passou muito tempo longe do filho, tem interesse em saber como foi seu dia, as dificuldades e as conquistas?

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Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo
Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo
“Quando eu soube que seria pai foi um momento de extrema felicidade. Eu e minha esposa, Tayná, estávamos tentando há quase dois anos, e depois da felicidade comecei a refletir e a pensar em como tornar a vida daquela pessoa viável, e aí comecei a me preocupar. Como incluir na rotina, como garantir que ele tenha segurança, saúde, viva de uma forma tranquila? Também me preocupei comigo, e mudei meus hábitos. Comecei a fazer exercícios físicos, porque eu estava bem sedentário, e vi que não poderia ser assim com um bebê. Eu vou precisar de energia. Eu pretendo ser um pai sensato. Claro, tudo isso é muito teoria e só na prática vou ver como é que funciona, mas acho que será mais ou menos isso.  Acho que ainda não caiu totalmente a minha ficha, vai ser mais quando o Ricardo nascer”
Rodrigo da Rocha Leite advogado, 32 anos, pai do Ricardo, que está para nascer a qualquer momento, esposo da Tayná Leite, 32 anos e coach. 
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“É muito comum que os pais se sintam inseguros ou incapazes de desempenhar plenamente os novos papeis sociais recentemente incorporados. Nesse momento, é importante que aprendam a distinguir o essencial do acessório, e estabelecer prioridades. Eles manter em mente o que realmente importa para si e para sua família, sem se importar tanto com os valores impostos pela sociedade” 
Luiza Akiko Komura Hoga enfermeira obstétrica, professora do departamento de enfermagem materno-infantil e psiquiátrica da USP