Comportamento

Carolina Werneck

É possível: advogado paranaense larga carreira para trabalhar como voluntário

Carolina Werneck
03/03/2018 08:00
Thumbnail

Alê em uma de suas primeiras paradas, no Rio Grande do Sul. Foto: Reprodução/Facebook

“O que você faz, Alê?”, perguntam muitos dos amigos que acompanham Alexandre Calderaro, de 29 anos, nas redes sociais. A resposta é sempre a mesma e vem acompanhada de um sorriso: “eu faço o que posso”. É que o Alê, como gosta de ser chamado, tornou-se um “advogado aposentado” em 2016, com apenas 26 anos. Foi quando ele pediu demissão de um escritório de advocacia em Curitiba e saiu pelo Brasil fazendo trabalho voluntário.
Desde então, ele já passou pela Cidade Escola Ayni, em Guaporé, pela Escola Caminho do Meio, em Viamão e pela Ecovila Karaguatá, em Santa Cruz do Sul, todas no Rio Grande do Sul. Em São Paulo também esteve no Projeto Âncora, em Cotia, na Fazenda Ecológica Quilombo, em Bofete e na Organização Não Governamental (ONG) TETO Brasil, em São Paulo. Entre outras coisas, já trabalhou com educação, construções para a população de baixa renda e alimentação orgânica.
O paranaense natural de Astorga já trabalhou com alimentação orgânica, construção de moradias para a população de baixa renda, iniciativas revolucionárias de educação, entre outras frentes. Foto: Reprodução/Facebook
O paranaense natural de Astorga já trabalhou com alimentação orgânica, construção de moradias para a população de baixa renda, iniciativas revolucionárias de educação, entre outras frentes. Foto: Reprodução/Facebook
O estilo de vida meio nômade parece não ser facilmente compreendido por aqueles que não têm a oportunidade de bater um papo com ele sobre toda essa experiência. Mas ele não se ofende, ao contrário. “O que é diferente do convencional sempre desperta alguma coisa nas pessoas. Seja curiosidade, estranhamento ou animação. Muita gente acha que é uma loucura partir para uma jornada sem uma estabilidade. Isso desperta algo nas pessoas. As faz pensar que existem muitas outras possibilidades.”

Impulsionador de sonhos

Vestindo uma calça cinza larga, um tênis confortável e uma jaqueta de nylon, Alê ri alto ao ser confundido com um estrangeiro. “É assim. Acho que de tanto viver cada hora em um lugar eu acabei sendo de lugar nenhum. Sempre perguntam se sou uruguaio, mas eu sou brasileiro mesmo, não sei o que aconteceu com o meu sotaque.”
Andar por aí parece mesmo ser como uma missão. E não demorou para que ele percebesse que sua vocação não estava ligada a uma vida profissional estável. Já durante o curso de direito na Universidade Estadual de Londrina (UEL) ele quis desistir da carreira. No meio de um intercâmbio para a Índia, ainda na faculdade, a percepção de que deveria estar fazendo outra coisa veio ainda mais forte.
Alê em frente ao Taj Mahal, na Índia, entre 2011 e 2012. Foto: Reprodução/Facebook
Alê em frente ao Taj Mahal, na Índia, entre 2011 e 2012. Foto: Reprodução/Facebook
Por três meses, trabalhou como voluntário em uma escola infantil. “No primeiro dia de aula uma menininha me perguntou qual era o nome do meu deus. Porque lá eles são politeístas e cada um meio que adota uma divindade. Então eu falei ‘de onde eu venho a gente só tem um deus e o nome dele é deus’. E ela ficou indignada, tipo ‘como assim você tem um deus só e ele não tem nem nome?’. Aquilo foi um choque muito positivo, porque me ajudou a pensar em muitas coisas.”
De volta ao Brasil, terminou a faculdade e prestou o exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Mas, mesmo trabalhando na área do direito, foi fisgado pela vontade de ser um catalizador do desenvolvimento humano. “Meu negócio é trabalhar com gente, eu nunca quis ser chamado de doutor.  Então, um dia, minha ex-namorada falou ‘você é um impulsionador de sonhos’. E acho que esse é um papel de ajudar nas transformações individuais e coletivas. Os processos de autoconhecimento e desenvolvimento humano são as ferramentas para a gente atuar de forma mais consistente no mundo.”
Um dos projetos pelos quais ele passou é a Fazenda Escola Quilombo. Alê está à direita, de bermuda escura. Foto: Reprodução/Facebook
Um dos projetos pelos quais ele passou é a Fazenda Escola Quilombo. Alê está à direita, de bermuda escura. Foto: Reprodução/Facebook

Ser a mudança

“Se eu sinto muito forte em mim isso de trabalhar como impulsionador de sonhos, eu tenho que seguir os meus, também. Tento realizar um pouco do meu propósito e mostrar que existem muitas coisas que a gente pode fazer”, explica. Por isso, Alê não se importa em passar esse tempo indeterminado fazendo apenas o que faz sentido para ele.
A jornada, que era para durar entre um ano e um ano e meio, já passou desse limite e não parece estar prestes a acabar. “A gente vai para um lugar, conhece pessoas que indicam outras. Essa fluidez era o que eu buscava. Eu tenho vivido muito mais no tempo de Kairós que no de Cronos. E Kairós é o tempo da oportunidade. A gente vive eternos agoras, porque o futuro sempre foge ao nosso controle.”
Enquanto ele fala, o sorriso é quase constante.  Alê circula por assuntos como a infância, os amigos e as brutas realidades que já encontrou como quem conta uma história que ainda está sendo escrita.
A ONG TETO também já contou com o trabalho voluntário do paranaense. Foto: Reprodução/Facebook
A ONG TETO também já contou com o trabalho voluntário do paranaense. Foto: Reprodução/Facebook
“Embora a gente saiba que existem realidades muito difíceis no brasil, mergulhar nelas é um baque. Eu me sinto muito privilegiado. Sempre penso na responsabilidade de ter nascido na família em que nasci, ter estudado em bons colégios, em uma boa universidade, ter tido a oportunidade de trabalhar e juntar um dinheiro”.

“Eu tenho plena consciência de que faço parte da minoria da minoria da população. Então quando eu vou a uma realidade tão complicada eu fico pensando de que forma eu posso ser útil.”

Desde que iniciou sua jornada, Alexandre se mantém com o dinheiro que guardou enquanto ainda estava advogando. Ele explica que não era muito, mas que, na maior parte dos projetos, paga-se estadia e alimentação com o trabalho. “A gente pode fazer coisas incríveis. As coisas mais importantes na vida são as relações. O afeto é muito poderoso. A gente é parte da terra, da natureza. Então ser feliz é sustentável.”
LEIA TAMBÉM: