Comportamento

Isadora Rupp

Um mês sem redes sociais: testamos a campanha de saúde mental britânica

Isadora Rupp
24/09/2018 17:00
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O "medo de perder alguma cosia" é um dos motivos que leva a dependência das redes sociais. Foto: Raw Pixel/Unsplash.

Você não aguenta ficar sozinho com os seus pensamentos? Talvez a indagação seja profunda demais, mas é um dos motes de uma campanha britânica, apoiada pelo sistema público de saúde do país, para chamar a atenção das pessoas sobre os efeitos negativos do uso exacerbado das redes sociais.  É o “Scroll Free September” — ou seja, deixar de lado por um mês Instagram, Twitter e afins e a mania de estar rolando o dedo pela tela do celular o dia inteiro. Eu fiz o teste por 10 dias (para ter tempo hábil de relatar a experiência).
Mais de 2 mil britânicos estão passando o mês de setembro  sem redes sociais pessoais. A iniciativa, realizada pela Royal Society For Public Health (RSHP), permite, no entanto, a conexão se o motivo for  trabalho. O uso de aplicativos de mensagens instantâneas também está liberado, e eles têm sugestões mais simples para quem não quer ser tão drástico: não olhar redes sociais depois das 18 horas, deixar o celular de lado em encontros sociais e não mexer no aparelho antes de dormir.
Uma das sugestões da campanha é deixar as redes sociais "dormindo" em encontros sociais. Foto: Reprodução/RSPH.
Uma das sugestões da campanha é deixar as redes sociais "dormindo" em encontros sociais. Foto: Reprodução/RSPH.
A intenção da campanha não é regredir décadas, tampouco, desvalorizar os benefícios das redes sociais: afinal de contas, as redes sociais e outros aplicativos, como os de relacionamento, permitiram a conexão de pessoas de diferentes realidades e classes, além de maior acesso  e compartilhamento da informação. Esse era, muito provavelmente, o sonho de empresas que negligenciaram os efeitos negativos — tanto o Facebook  quanto a Apple já fizeram um mea culpa, publicando pedidos de desculpas.

Saúde mental

De acordo com relatório publicado em 2017 pelo RSHP, as mídias sociais vêm exercendo um forte impacto sobre o nosso bem estar: depressão, ansiedade, imagem corporal negativa, bullying, problemas para dormir e o famigerado FOMO (Fear of missing out, ou seja, o medo de “perder alguma coisa” por não estar conectado) foram algumas das constatações. Afinal, atire a primeira pedra quem nunca se sentiu um lixo passando pelo feed do Instagram: a impressão é que a vida alheia é muito interessante, menos a sua.
“É preciso de uma ação conjunta, com todos assumindo a responsabilidade, incluindo os gigantes das redes sociais, para que não exista uma epidemia de saúde mental nas próximas gerações. Será preciso um grande aumento de serviços nessa área para lidar com o problema”, salienta a diretora nacional de saúde mental do NHS (órgão de saúde da Inglaterra), Claire Murdoch, no site da campanha.
Outros estudos, como o publicado pela Universidade de Pittsburgh no ano passado, relacionou inclusive o tempo de uso das redes com o risco de isolamento social. Por exemplo: se a pessoa passa mais de duas horas por dia no Instagram, facebook e twitter, as chances de isolamento social são o dobro das pessoas que gastam de 30 a 60 minutos diariamente.

Hiper produtividade

As redes sociais também enalteceram a era da produtividade na qual vivemos, acredita a psicóloga Letícia Lorenzet, do coletivo Empodera Ela: ao vermos os outros felizes, automaticamente nos forçamos a ser felizes. “Para no fim, todo mundo produzir de maneira exacerbada. Essa velocidade da máquina que invadiu nosso cotidiano nos deixou mais ágeis, mas trouxe prejuízos representados de forma sintomática nos seres humanos, sejam físicos ou psicológicos. Os quadros compulsivos e as depressões foram as que mais cresceram”, diz. Segundo a Organização Mundial de Saúde, estima-se que mais de 300 milhões de pessoas sofram com a depressão no mundo.
A necessidade compulsiva pelas redes se relaciona ainda com a busca incessante do homem pelo prazer (o que sempre existiu), pontua Letícia. “Mas com as mudanças da pós-modernidade tudo isso ganhou uma percepção mais clara. A busca pelo prazer se tornou aguda e desenfreada. Vemos uma maneira exacerbada de se relacionar, não só nas redes”.
De acordo com a psicóloga, esse relacionamento disfuncional pode acontecer nos laços que construímos no dia a dia, no comer muito chocolate, em tomar café o dia todo e trabalhar demais. “A compulsão pelo trabalho, aliás, não é mal vista, como a por estudos e exercícios físicos. Elas passam despercebidas, como é o caso das redes sociais”.

“Vemos o outro feliz e nos forçamos a ser felizes para no fim todo mundo produzir de maneira exacerbada. Esse controle da felicidade é uma maneira de ter todo mundo com um humor controlado para produzir mais, seguir em frente com obediência”  Letícia Lorenzet, psicóloga.

10 dias de teste: liberdade?

Para pessoas que acompanham as redes com mais afinco ou relatam o seu dia no stories, talvez a missão tenha sido mais complicada. No meu caso, foi tranquilo: meu tempo gasto no celular é de, em média, 2 horas por dia (já tinha o aplicativo Moment no celular e sempre monitoro). Só para comparação, tenho amigas que passam seis horas.  No trabalho, só acompanho as redes em assuntos relacionados, mas senti falta de acompanhar certas repercussões via twitter (olha aí o FOMO), ainda mais nesse momento político.
Tempo de leitura aumentou sem uso das redes sociais. Foto: Nong Vang/ unsplash.
Tempo de leitura aumentou sem uso das redes sociais. Foto: Nong Vang/ unsplash.
Sem dúvida, o tempo para fazer outras coisas aumenta — a campanha britânica indica para as pessoas lerem um livro, ou, fazerem finalmente aquela famigerada tarefa doméstica que sempre é adiada. Eu li mais  no papel, mas menos na internet: a gente acaba clicando em muita matéria que os amigos compartilham no facebook.
Eu também tinha um momento “relax” com o Instagram ao chegar do trabalho. Isso me fez falta. Mas, pelo menos, consegui deixar o jantar pronto uns 20 minutos antes do horário habitual. A ansiedade, sim, ela diminui: as redes acabam sendo um ambiente de muita comparação e, a impressão que tenho é que sempre estou atrás de alguém em todos os setores da vida.
Outra mudança evidente é a no consumismo: sem tanto anúncio pipocando é mais fácil segurar as compras online. Porém, me senti menos bem informada  e sem poder saber coisas triviais, como o cardápio do restaurante favorito (que não tem site, apenas facebook e Insta).
O retorno foi o mais interessante: alguns apps eu deixei fora do celular. Também fiquei com uma certa preguiça em ver discussões nos posts dos amigos ou em conferir posts por muito tempo no Instagram. E, quando começo a me sentir ansiosa, saio do celular. Saldo positivo para o detox.

Sinais de dependência

Foto: Bigstock
Foto: Bigstock
Se você tem uma sensação de angústia após ficar nas redes sociais, gasta muitas horas por dia ou tem problemas para dormir, vale o alerta, diz a psicóloga Letícia Lorenzet, que reforça, ainda, a importância de não ter só relações virtuais e manter o contato “olho no olho”. “A conexão pode mudar a realidade, mas ela é igual a um remédio. Na dose certa, faz bem. Uma dose acima, pode levar ao adoecimento”, frisa.
Veja algumas dicas de Letícia e da campanha “Scroll Free September” para uma relação mais saudável:
– Aprenda a usar a tecnologia para coisas úteis e se desconecte um pouco todos os dias (como após o expediente no trabalho).
Estabeleça horários para acessar a internet e as redes sociais.
– Não exponha crianças menores de três  anos a tablets e celulares.
– Para crianças e adolescentes: permita o acesso com limite de horário razoável.
-Use o tempo  em que passaria nas redes para fazer outras coisas. Leia, aprenda novas habilidades e deixe as tarefas domésticas em dia.
– Faça atividades ao ar livre, busque contato com a natureza e pratique esportes.
–  Esteja em constante autoanálise: avalie seu desempenho acadêmico, no trabalho e família e perceba se as redes sociais estão afetando esses pilares de alguma forma.
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