Saúde e Bem-Estar

Amanda Milléo

Os prós e contras de usar relógios inteligentes para identificar problemas cardíacos

Amanda Milléo
26/03/2019 17:52
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Relógios inteligentes podem ajudar a detectar problemas cardíacos, mas também podem criar falsos positivos e estresse pelo acompanhamento rotineiro. Foto: Bigstock.

Para identificar uma arritmia cardíaca, ou um batimento irregular do coração, o médico cardiologista normalmente precisa de um exame (chamado de eletrocardiograma) e de muita sorte. Isso porque o passo irregular do órgão não acontece sempre. Às vezes, aparece em um período restrito a horas e, em outros casos, em apenas segundos em um dia inteiro.
Não à toa, portanto, que os resultados de um estudo que usa os relógios inteligentes, ou smartwatches, para identificar essas irregularidades no coração chamou tanto atenção dos médicos cardiologistas. Os resultados foram divulgados durante o Congresso de 2019 da Academia norte-americana de Cardiologia, realizado no início de março.
O estudo Apple Heart Study, ou Estudo do Coração Apple, envolveu 419.297 norte-americanos, usuários do relógio da Apple, e identificou que 0,5% deles tinham sinais de arritmia — número não muito diferente da prevalência do sintoma na população em geral, que é de 0,4%.
A irregularidade cardíaca foi identificada a partir de um sensor óptico do relógio, que analisou o pulso dos pacientes durante todas as horas do dia em um período de oito meses. Realizado pela universidade de Stanford, nos Estados Unidos, o estudo foi patrocinado pela marca Apple.
Depois de recebido o sinal, os participantes com a possível alteração cardíaca receberam a indicação de procurar uma empresa de telemedicina, onde lá foram 945 das pessoas. Alguns já haviam recebido o diagnóstico da fibrilação atrial previamente, outros foram orientados a buscarem um médico imediatamente.
Cerca de 450 pacientes receberam e usaram um adesivo que simula o exame eletrocardiograma, para o diagnóstico definitivo. E quando o relógio apontou, novamente, uma alteração no ritmo do coração, o adesivo apresentou o exato resultado em 71% das vezes.

Fibrilação e infarto

No universo de mais de 100 tipos diferentes de arritmias, as alterações podem indicar tanto uma doença benigna quanto um risco elevado para morte súbita — e então se explica o nervosismo dos médicos e pacientes ao identificar o quanto antes essa irregularidade.

“Esses aparelhos [smartwatches] contribuem porque conseguimos essas informações de casa. Hoje temos como identificar esses sinais por monitores, de formas mais confiáveis. Alguns são até implantáveis e fazem o eletrocardiograma ao longo do dia. Mas, a proposta desse tipo de aparelho [da Apple], é identificar o mesmo de forma mais acessível”, explica Maurício Montemezzo, médico cardiologista, especialista em estimulação cardíaca artificial e eletrofisiologia e professor da PUCPR. 

A fibrilação atrial é uma doença prevalente na população idosa (especialmente homens), e acontece quando a região dos átrios (parte superior do coração) não acompanha a parte inferior, fazendo com que o coração bata de forma irregular. A condição está associada ao consumo de álcool, excesso no uso de estimulantes, como energéticos ou cafeína, e aumenta o risco para infartos e eventos de Acidente Vascular Cerebral (AVC).
De acordo com o médico cardiologista Costantino Costantini, porém, a idade dos pacientes com problemas cardíacos tem se reduzido com o tempo. “A gente observa pacientes cada vez mais novos. Antes, eram pacientes com 60, 70 anos. Hoje vem gente com 50, e às vezes com 40 anos. Então essa ferramenta, que vem com muita força, possivelmente terá um valor em determinar o ritmo cardíaco. Sem falar que é um relógio que a pessoa poderá usar no trabalho, no exercício, em qualquer momento, mesmo dormindo”, diz o também diretor geral do Hospital Cardiológico Costantini.

Sintomas da fibrilação atrial

Embora nem sempre apresente sintomas, alguns sinais identificam uma possível arritmia cardíaca, como:
  • Palpitações/ ritmo cardíaco acelerado;

  • Falta de ar;

  • Fadiga;

  • Dor no peito;

  • Fraqueza.

Entre os fatores de risco que predispõem à condição, além da idade avançada, consumo de álcool e excesso de estimulantes, também entram na lista o sedentarismo, tabagismo, apneia do sono e hipertensão. Dos tratamentos, medicamentos podem ser indicados, choques elétricos ou cirurgias minimamente invasivas.

Tratamentos em exagero

Ter cada vez mais acesso a informações sobre a própria saúde é muito bem visto pelos pacientes, mas não tanto pelos médicos. Afinal, conforme questiona o cardiologista Maurício Montemezzo, o que as pessoas podem fazer com esses dados? 

“A gente ainda não sabe como cardiologista o que fazer com as informações. Será que vale a pena tratar com remédios anticoagulantes e dessa forma reduzir o risco de um AVC? O desfecho dessa situação nós desconhecemos, mas com certeza é uma ferramenta interessante”, diz.

Além do benefício do seu princípio ativo, o medicamento também cobra outros preços da saúde do paciente, como os anticoagulantes, que agem contra a fisiologia do organismo, reduzindo a ação das plaquetas e diminuindo a coagulação sanguínea. Eles podem reduzir o risco de um AVC, mas se a pessoa sofre algum acidente que cause sangramento, a coagulação está comprometida.
“Para esse tipo de arritmia, [a aspirina] reduz o risco de formação de trombos, e que eles migrem para o cérebro, gerando o AVC. Porém, tem risco maior de sangramento, caso a pessoa sofra um corte qualquer. O risco de complicações aumenta. Existem vários tipos de escores que avaliamos: pacientes com predisposição a sangrar mais versus o risco de AVC. Colocamos esses números na mesa e verificamos se os benefícios se sobrepõem aos riscos”, explica.

Sem falar no pânico que as informações constantes podem gerar na população. “Pense nos pacientes participantes do estudo e que não tiveram nenhum sinal de fibrilação atrial. Eles permaneceram um tempo achando que poderiam ter problemas de saúde. Iam dormir preocupados se teriam um AVC. Os relógios também podem não ser 100% confiáveis e gerar um falso positivo. O médico ainda não tem como ser substituído”, reforça o especialista. 

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